Renegas a Verdade, ó Servo de Jesus,
Esconso na sotaina em que te julgas bento,
Como o carrasco insano, embaixo do capuz,
A restaurar na Terra o Concílio de Trento.
O negrume do cepo, instrumento de injúria,
Ia o sangue manchando, em berros de agonia.;
Esparzias o horror, a tristeza, a penúria,
Quando a morte, na Terra, imperava sombria.
Era o potro incruento em que penava o réu,
Em respeito ilusório à força da tonsura,
O sinal da vingança, ó sacerdote incréu,
Que na Terra espalhavas o medo e a tortura.
Revês o cadafalso e o terror do patíbulo,
O putrefato estrado onde o herege morria,
E nem mesmo a fumaça e o incensar do turíbulo
Alentavam a paz no estertor da sangria.
O sinete carregas, em tênebras posto,
Da sanha perenal dos tempos de Loyola.;
A calvície na fronte, o cinismo no rosto,
Quando o mundo se ilude embaixo duma estola.
Quem mesmo és tu, medonho e trêfego sicário,
Que te julgas um sábio em meio de papalvos,
Se, entre os néscios e os parvos, és um salafrário
De tão brancos tersóis e paramentos alvos?!
Não te enxergas algoz no cálice dourado,
A espelhar-te no brilho em que trescala o vinho,
Mas permanece ali Jesus crucificado,
Exposto na patena a ritual mesquinho.
A obedecer, ó Padre, à voz do Negro Papa,
O símbolo infernal da treda Companhia,
Só vives de esconjuro e nem Jesus escapa
À triste excomunhão e à cáustica ironia.
Não vendes, numa feira, o santarrão quebrado,
Nem dás ao pecador a inútil penitência,
Mas vendes por Verdade, em negro apostolado,
O equívoco, o sarcasmo, o engano, a intransigência.
Escarnecendo a Deus, em lôbrega porfia,
Pelos séculos negas a Luz do Calvário,
Em simulacro atroz, ó Pai da Simonia,
Comendo toda a obreia e as hóstias do sacrário.
E, agora, em vida nova, ostentas a batina,
Entregue falsamente à vida consagrada.;
Estás a reviver, no horror da humana sina,
A Santa Inquisição, ó novo Torquemada!
Feira, 07 de março de 2000.
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