Usina de Letras
Usina de Letras
12 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50671)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Meus ouvidos viram -- 10/07/2002 - 19:58 (Jayme de Oliveira Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sei que todos vão duvidar, mas isso não altera em nada o que eu ouvi. Não vi, e isso é a mais pura verdade, mas ouvi. Ouvi com clareza suficiente para ficar paralisado. Qual múmia em sarcófago, eu, ainda menino, permaneci estarrecido durante longos minutos sobre uma cama de fazenda em plena madrugada fria do semi-árido.

Àquela época - cerca de vinte anos atrás - eletricidade em propriedades rurais era privilégio de poucos. Luz era de lampião. Havia toque de recolher e ninguém que prezasse um mísero fio claro poderia estar fora da cama após o gás ser sufocado. Naquela noite, dividiam comigo o mesmo aposento sem forro; avó e primo. Este último dormia na cama de baixo de um beliche, enquanto sob uma janela simples de madeira, outra cama acolhia o sono tranquilo e corajoso de minha querida e saudosa avó.

Sempre fui um fiel habitante da noite e mesmo após a escuridão tomar conta de todos os cómodos da casa, permanecia acordado. Não que perambulasse risonho pela madrugada. Ao contrário, me mantinha amarrado à cama por um enorme medo de sei lá o que. À reboque, uma terrível paranóia: cegueira! Ficava horas imaginando ter perdido completamente a capacidade de enxergar. Punha as mãos junto aos olhos e, tamanha escuridão, não conseguia vê-las. Sensação horrível, da qual só me libertava após ser vencido pelo sono. Mas naquela noite não fui contemplado por nenhuma espécie de alforria. Inversamente, o que presenciei me aprisionou para sempre em muitas dúvidas.

Não há como saber a duração ou o horário em que tudo aconteceu. Mas era tarde, pois, à minha exceção, todos dormiam. O silêncio profundo e a escuridão absoluta daquela noite não me afligiam mais que o normal. Minhas únicas e habituais companhias eram o mesmo medo e a mesma dúvida da cegueira, além, é claro, do sono dos demais. Nenhuma sensação anormal me ocupava os sentidos, não havendo, portanto, qualquer nuance premonitória. Nada de novo indicava a iminência de algo diferente. Era uma noite comum, como todas as outras. Entretanto, de súbito, sem qualquer sinal luminoso ou sonoro que pudesse introduzi-las, arrepiaram-me as notas graves e profundas que invadiram a casa. Não eram altas, mas o silêncio as potencializava. Não era música, mas apenas a repetição serena de quatro notas e uma pausa. - Quatro compassos quaternários.

A paralisia que me afogou na cama durante todo o tempo em que estive exposto àquela estranha sinfonia, não era sobrenatural. Meus próprios sentidos me empurravam para dentro do colchão como se quisessem me implodir. Não houve arrepio ou tremor, pois minha única defesa era o mimetismo da imobilidade, que, inconscientemente, o instinto me impós.

Neste estado de paralisia permaneci até muito depois do silêncio voltar a reinar soberano. E como antes, também não houve aviso ou sinal que o precedesse. Simplesmente calaram-se as notas; sem despedida, sem qualquer outro som ou alteração de volume. Apenas o fim.

Na manhã seguinte, bem como em todas as outras manhãs, tardes ou noites decorridas desde então, jamais comentei o assunto com qualquer um dos presentes naquela noite. Também nenhuma palavra foi dita a mim. Procuro não especular sobre a origem do ocorrido, tampouco sobre sua veracidade. Não descarto, inclusive, a possibilidade de ter sido apenas um sonho. Não sei. Mas o certo é que ainda tenho aquelas notas em minha mente até hoje. Talvez as esqueça logo mais, ou, quem sabe, as escute outra vez. Também não sei. De qualquer modo, pelo sim e pelo não, mantenho sempre os sentidos em estado alerta a tudo aquilo o que meus ouvidos vêem.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui