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Contos-->Amar É, Por Que Não? -- 14/09/2002 - 03:04 (lielson zeni) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Claro que me lembro bem de tudo. Eu, um romântico de segunda geração, não teria como esquecer como isso foi parar nas minhas costas. Foi o dia que senti que o amor era também um privilégio meu. É, estava em casa, e foi meio como se ele batesse na minha porta. Na verdade ela.
Alguém batia. Atendi. Ela. Eu que já sentira atração por ela antes, ali a tinha inteira na minha frente. E batendo na minha porta. Que tesão de mulher. Pernas longas. Olhos castanhos claros (que são muito mais lindos que os olhos claros como azuis ou verdes, tem um dedal de mistério, de algo a ser descoberto). Mãos finas e delicadas, com dedos longos. Um joelhinho que puta que o pariu! Branquissíma, do naipe que parece que nunca viu sol, ou que tá pálida de doente, caindo de desmaiar.
Catei ela do chão, e gemendo ela me disse (ah, ela geme tão lindo!): - Meu, tô mó mau. – Calma, sentaí nessa porra’qui que vou te trazê água. Deixei ela na porra, fui na cozinha e enchi um copão de água gelada.
Quando voltei na sala, ela tava sentada meio torta na porra, com as pernas tronchas. Que deselegância requintada! Ela com o cabelo desbopintado de vermelho, caído na cara, seco, babado e entrando pela boca. E que boca! Uns lábios secos e finos, meio que rachados pelo vento e cheio de cortezinhos (estonteantemente simétricos). Aquelas orelhas largas com lóbulo grande gostoso de morder.
- Ó, táqui uma água bem gelada. – Valeu...minha cabeça tá estorando... meus olhos ardem...tô mó mau mesmo. Quando ela disse que os olhos ardiam, que eu vi o interessante contraste entre o pus amarelo desbotado que se acumulava e o castanho claro. Sua boca semi-aberta meio que prenunciando que algo sairia dali com maestria. De fato, jamais conheci alguém que babasse ou escarasse como ela. Perfeito. Um líquido translúcido formada por centenas de diminutas bolhas, que quando atingidas pelo sol, formava vários tons do espectro visível. Incrível!
Enquanto olhava todos os elementos daquele conjunto formador da minha paixão, que ela de fato mostrou a que veio. Aceso de tosse (melodicamente sinfônico) culminando num violento jato de uma densa substância marrom-esverdeada no meu tapete de motivos pré-colombianos. O mais intrigante era como cabia todo essa ambrosia baudeleriana em tão pouco saliente barriga. Sublime.
Agora sua face me olhava com olhos esbugalhados, me dando uma nova percepção do contraste amarelo-castanho, graças a presença das lágrimas. E tem mais: estou pra ver mulher mais linda e mais decidida que ela babando.
A cada novo elemento, um novo sentimento preenchia meu peito. Fui dominado por uma insípida alegria ao ver que seu afilado e aquilino nariz era capaz de fabricar algo para pôr para fora também. E partes do escorrido estavam prestes a ser sugados pelos áridos (para então se tornar “irrigados”) lábios. Começava a se contercer e pude ver parte de sua dentição. Dois dentes laterais faltando, um dente um pouquinho quebrado e outros dois encavalados, presos em uma gengiva com quatro áftas bem redondinhas. Estavam adornados agora com alguns sólidos indefiníveis, oriundos de uma segunda expulsão do líquido verde-amarronzado.
- Desculpa, cara...é que eu tô mó mal – Não esquenta não, minha querida. Eu me aproximara dela para pôr minha mão sobre seu ombro enquanto falava. Me abaixei, e peguei sua mão. Ela não recuou. Meu rosto estava próximo ao dela. Eu sentia o odor, o perfume que invadia minhas narinas provenientes da gosma amarelada já seca na face dela. E isso me excitava. Eu lutava comigo para não tomá-la em meus braços e beijá-la.
Quando passei meu braço em torno de seu corpo, ela me olhou, e aproximou sua boca (com as centenas de bolhazinhas) do meu ouvido e cuspiu/gemeu um sussuro tão perfeito, que demorei algum tempo apreciando antes de conseguir responder. - Primeira porta, as direita! Então ela correu para o compartimento indicado, e novamente ouvi o caraterístico som de seu singelo vômito, seguido de respingos de água. A seguir um zíper sendo aberto, um corpo batendo contra a parede e a porta fechando-se de SLAM!
Corri verificar. A porta estava entreaberta, (pois seu trinco havia sido levado pela enchente) e ela estava lá. Régia, austera e soberana. Uma realeza de elegância e beleza, sentada como se estivesse em um trono de ouro cravejado de pedras, e não num vaso rachado, sem tampa ou limpeza havia três meses. Quando encarei seus olhos tão profudamente, pude me encontrar encarando os olhos auri-castanhos dela profudamente. Percebi que ela esboçava um sorriso, acompanhado do som de algo extremamente massiço batendo de encontro à água.
Saltei sobre a rainha, não podendo mais conter meus sentimentos. Agarrei sua cabeça com ambas as mãos, e antes de beijá-la, ainda consegui dizer: - Amo-te como a ninguém! Ela correspondeu com sinceridade ao meu ato, passando sua língua azeda com detritos bem sobre a minha, e sentada ainda, lambeu meu ouvido. Em seguida, empurrou-me, e vomitou novamente (agora sobre a pia), um jato de tamanha força que respingou na parede próxima. Quando ainda limpava a boca com a mão, beijei-a novamente. Dessa vez, caiu do vaso, e rolamos pelo chão do banheiro, num amor ocre e iniguilável. O pó, fios de cabelo, odores nausebundos e os papéis do lixeiro derrubado, contracenavam em nossos corpos, que agora também suavam (foi aí que esse papel aqui grudou nas minhas costas, e até hoje tá ele aqui. Não teve banho, descarrego ou esfregão que fizesse ele sair ou sumir).
Ficamos no banheiro até o dia seguinte, quando ela decidiu que desocuparia seu apartamento e viveria ali comigo. Pensei “por que não?”, e quando levantavámos do chão gelado e sujo do banheiro, com cabeça de café da manhã, o carteiro bateu na porta, e entregou uma carta registrada para ela. Percebi que ela chorava. Havia sido convocada para as forças armadas. Última vez que eu a vi. Morreu na guerra dos Uerae, duas luas depois de lá ter chego.
Minha vida? Tem sido bem triste e solitária desde que ela partiu. Alguém que eu sentia como em mim, mas ali, entende? Me matei umas três ou quatro vezes depois disso, porque nada era como aquilo. Nenhum era ali ou lá.Ninguém era como aquela.
Sabe, cada vez que olho para essas salas vazias a se multiplicarem, tenho esperança de achá-la sentada numa cadeira de palhinha qualquer, vomitando no meu tapete de motivos pré-colombianos manchado. Eu sei que depois que beijasse-mos, ela poderia tirar esse papel das minhas costas. Só ela. Passo os dias tentando tirar esse incomôdo papel do meu lombo, mas nem eu, nem ninguém até hoje conseguiu. E tem mais, eu não tenho a menor idéia como isso vai acabar.
Se é que vai...
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