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Contos-->Jangada no mar -- 17/09/2002 - 13:12 (Marco Antonio Athayde de Britto Cunha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Três da madrugada. Não precisava de nada para saber que horas seriam aquelas. Por isso não se deu ao trabalho de olhar para o relógio de cabeceira. Sabia disto desde menino, quando seu pai ainda era vivo. Muito tempo já se passara, trinta anos...
Os olhos pregados nas ripas do telhado, o frio atravessando o grosso cobertor de algodão. Aquele frio perpétuo, desgarrado de qualquer época do ano. Aquela frialdade úmida, pegajosa, quase que humana. Um frio que lhe perseguia desde quando nasceu.
Enfiou os pés nos chinelos, empurrou para longe a coberta e travesseiro. Tateou à procura do blusão de lã que uma vez ganhara de um gringo. Um chileno. Um casaco longo, tecido com pêlo de um animal do qual não recordava mais o nome.
Ziguezagueou pela casa, atravessou a sala cuja parede fixava o retrato da mulher e filhos, e abriu a porta para a friagem. Aquela friúra, que nascia todos os dias nos fundos do mangue, descia o rio enrolada num manto branco e teimava em renascer mesmo que fosse morta pelo sol e o dia mais e mais uma vez.
Desceu a rua estreita coberta de areia. Reparou que todas as ruas, becos e vielas da vila eram cobertas de areia. Barro e areia. Menos a ladeira da igreja dos padres. Esta era forrada de pedras lisas. Redondas e lisas. Cabeça de nêgo, pedras cabeça de nêgo, que os índios foram obrigados a assentar por temor a um deus que não era o deles...
Desceu pelo meio da rua. A lua acompanhando-o com o olho comprido, projetando sua sombra de passos abafados pelas areia.
Chegou rápido ao cais. Sentou num tronco caído, puído e aplainado pelo tempo. Tirou da bolsa de couro um cigarro, acendeu-o chupando com força o fumo. Entre a cortina de fumaça expelida visualizou a chegada dos companheiros.
Dirigiu-se até a canoa, pulando da doca para esta, arriscando-se a cair n’água, somente a fim de não molhar os pés, que era pra não “estoporar” como dizia sua avó - nunca soube o que seria “estoporar”- coisa de gente velha. Acomodou-se e aguardou o embarque dos outros.
Já embarcados, remou em direção ao barco grande. Apoitou a pequena catraia, passaram para a outra embarcação e, largando suas amarras, deixou que esta descesse a correnteza da água do mar que, durante a noite, invadira o braço do rio. Na boca da barra liga o motor e dirige-se em direção ao sol.
A negritude da noite vai diluindo-se nas horas que passam. O contorno da ilha vai se firmando contra o firmamento neste tímido alvorecer.
O ronco do motor abafa a conversa dos homens. O fio das risadas chega até a cabine de comando. O sol começa a anunciar um dia de calor. Por breve instante, solta o timão para despir-se do blusão de pêlo de animal...
Mais uma vez, lhe vem a imagem do gringo. Um chileno de cara chupada. Lembra do dia que chegaram. O gringo e sua namorada. Alugaram seu barco para uma volta ao redor da ilha.
O chileno, na proa, extasiado com o que vislumbrava:
- Belo, mui belo, belíssimo! Maravilhava-se.
Ela, sua acompanhante, uma jovem bonita, apoiada no mastro, de costas pro mar, com as coxas arreganhadas e o sexo à mostra. Os bicos dos seios a querer furar o fino tecido do vestido. O sorriso safado estampado na cara limpa...
Voltou a olhar o horizonte, precisando concentrar-se na rota. Tal qual aquele dia em que, virava e mexia, e tinha as coxas e o sexo à sua vista.
O ruído da rede no mar trouxe-o aos fatos. Acelerou suavemente a embarcação levando a trama ao fundo. As placas alcançaram o lodo de onde se extraía o camarão.
O vento fresco trouxe da terra o badalar distante do sino da igreja anunciando a missa. Veio-lhe à lembrança que era um domingo, dia que deveria ser de repouso. Mas em tempo da pesca do camarão... Não haveria falta de tempo, depois, para folgar. Tempo de emendar as redes, consertar o casco.
Fez a volta no largo enquanto recolhia o resultado do arrastão, os homens abriam o cofo e separavam a pescaria.
Labutaram por todo o dia. Quando a boca da noite começou a se fazer presente, guinou o leme em direção ao porto.
As mulheres daqueles homens já se faziam presentes para receber-lhes e catar a peixarada miúda. Ele, sem ter alguém que o esperasse - desde a morte de sua esposa - e, tendo seus filhos, ido morar na capital, nada mais tinha a fazer ali além de entregar o barco para ser limpo, abastecido e preparado para o dia seguinte.
Saindo dali, entrou na venda do cais, pediu uma cerveja e caminhou pela praia. Encostou-se num tronco de coqueiro e, esticando a vista além de onde esta podia alcançar, põe-se a pensar. Volta a relembrar da mulher do gringo.
Naquele dia, pela tardinha, estando o chileno bebendo até tarde com os outros homens, ele dirigiu-se ao coqueiral atraído por aquela bela morena clara. A mulher, esperando-o, encosta seu corpo ao dele, cingi-o pela cintura, beija-lhe sua boca...Ele sente seu perfume, seu hálito. Alisa seus cabelos. Corre suas mãos por aquelas costas e afasta suas coxas.
Enquanto o gringo extasiava-se por sua ilha, ele a fazia gozar tantas vezes ela quisera. Fez aquilo olhando aqueles olhos rasgados, aquela boca grande e carnuda...
A noite fechara-se de vez. A maré toca-lhe os pés fazendo-o voltar à realidade.
O cais vazio, as luzes amarelas dos postes o levam para mais uma espera com aquele frio eterno.
Aquela frialdade úmida, pegajosa, quase humana...

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