" Ao entrares aqui
Deixa toda tua alegria do lado de fora"
Era assim o aviso escondido
preso à porta
do pronto-socorro
A porta rangia o osso..Batia o couro!
Como uma mandíbula
impaciente, carnívora,
dada à gula
Era feita de ferro fosco
e mantinha-se destrancada
sem aldrava sem ferrolho
Sua fechadura antiga,
antiquada, estava em desuso
Afinal, quem se atreveria a abri-la,
seja por prazer ou para o furto?
A porta do pronto-socorro
Quantos anos eu tinha?
Vinte? Vinte e dois?
Ali, moça ainda,
entrei sozinha, desprevenida,
na mão, um grosso livro
de Clínica Médica
" Vou curar a dor do mundo"
E a porta entreaberta
como se me sorrisse
com bondade triste, dizia
" Não! Não vais
A dor aqui não termina jamais"
E a porta se abria
E a porta fechava-se
cheia de espasmo e de melancolia
Foram anos, tantos anos,
em que ali vivi,
dia-noite,noite-dia,
paredes brancas,
ambiente de ar frio,
cheiro de desinfetante,
e À todo instante,
a porta despejava
corpos- estas coisas
cheias de conchas, cordões,
gavinhas. esponjas, larvas
em minhas mãos
Levei algum tempo
para descobrir
que tudo que ali entrava,
também entrava dentro de mim
Teria espaço suficiente
dentro do meu peito
para tanta gente?
Daria ALTA a todos, um dia?
Ó DEUS livra-me destas sombras
e me responda!
E, hoje, o fastio,
íntimos pensamentos,
em volutas, em rodopios,
diante da estupidez humana
A porta . O estalido.
E os pasmos olhos aflitos
dos que esperavam lá fora e cá dentro
postos em mim
São tantos? TANTOS!
Deus, até quando este tormento?
E a vontade de ir embora
PARA ONDE?
O que fazer comigo e com eles agora?
Quem entra ali, jamais volta
Ganha um saber terrível
E se sai,
entra para fora
|