Ah! Manhãs, manhãs... E agora, diante de tanta luz, de que forma manter latente essa dor? Os olhos me trazem imagens que não condizem com o interior da mente, do coração partido. E o ar que infla os pulmões vem cheio de vida, uma vida distante, que não me pertence - que nada diz de mim. Esse céu, de azul infinito, é contra-senso absoluto diante da escuridão interior... Diante de mim.
Me vejo como um vampiro com pavor do sol, um monstro da noite; meus olhos avessos à claridade, buscam incessantemente o link que reatará a conexão com a realidade. Isso que vejo hoje parece parte de um filme, ou a história de alguém que invadi e não sei como fugir.
Quero as trevas! Quero o breu das coisas que sabem de mim, o negror da noite infinda que reina em mim... Quero o sabor conhecido da saudade louca que me inunda, me destrói, me torna zumbi, me faz resto, refugo do que fui. É... Eu fui algo, fui alguém - ainda que arremedo de gente, figura tosca e mal colocada - eu sabia ver a luz. Eu sabia olhar em frente, eu via futuro, eu trabalhava, gozava... Deus, eu fui "normal"... E o que foi mesmo que me lançou nessa caverna, nesse catre sujo? E o que era mesmo que eu era?
Ah, manhãs, me abandonem! Devolvam as trevas, o breu das coisas que sabem que de mim, o ar viciado dos porões onde se acumulam os insanos, os bêbados, os insetos asquerosos, as experiências mal sucedidas dos cientistas loucos, os segredos, as agendas escondidas, as transgressões.
Luz, não me revele mais. A dor é maior diante da paisagem linda, dos passarinhos e coelhinhos e árvores verdes e prados dourados de sol. A dor é insuportável diante da possibilidade de qualquer felicidade.
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