Apresento as minhas traduções fantásticas das versões oníricas em italiano realizadas por Georg Lüge Lier, em 1996, de um poema lírico redigido na escrita denominada Linear B, registrado em fragmentos de barro encontrados em Creta por arqueólogos ingleses no outono de 1960.
O texto pressupõe a existência de uma peça, para representação pública em data não inferior ao século VI a.C., que lamentavelmente se perdeu, não restando para nossa geração o nome do poeta. Tudo é lenda, façamos nossas próprias poesias.
EROS
Não queira ver quem sou, saber-me inteiro
a ti devem bastar o toque, o beijo
a carne ardendo. A brasa do desejo
perdura no que em nós é verdadeiro:
a alma se apresenta, o corpo em chamas.
A pele, as mãos, os lábios, os cabelos
as pernas, coxas, seios, garras, pêlos,
saliva, fluidos, sêmen, dentes, cheiros
Não queira ver quem sou nesse novelo
que nossos corpos tecem sobre a cama.
PSIQUÊ
O que amo em ti não vejo, sinto e choro
o amor é sempre assim: prazer e dor ?
Quisera não amar, fingir o amor
e assim fingindo a dor, fingir o adoro.
E o gozo então seria nau sem mastro
ou mastro nu sem velas.; ou mesmo a vela
sem vento.; ou imbatível caravela
sem rumo, mar, sem porto, rio ou lago.
Se quero ver-te, quero o que não vejo
aquela chama leve sob a carne
do herói de mil batalhas que invade
a minha cidadela sitiada
deitando ao chão a frágil e vã muralha
que ergo apenas para que ataques.
EROS
Eu sou o que te aquece quando tremes
que sopra ao teu ouvido quando choras
aquele que por ti não foge ou teme
aquele por quem vibras, quem adoras.
Eu sou a espuma, a pluma, a lã, a seda
que trilham tua pele e teus sentidos
eu sou o espinho, o falo, o prego, a pedra
que extraem da tua carne os teus gemidos.
Amor. Esse é meu nome, assim me chamas
nas noites em que gozas, em que inflamas
nossos momentos mais que verdadeiros.
Eu sou o amor que anseias, por quem clamas
eu sou o que te apraz, eu sou quem amas
não queira ver quem sou, saber-me inteiro.
PSIQUÊ
Meu coração é o despertar de ventos
um turbilhão de feras em conflito
a escuridão cruel de um precipício
um deus que estraçalha os seus rebentos.
Meu coração pagão tem seus momentos
de libações, de preces, sacrifícios.
Meu coração, que acalmas com teus beijos,
em tua ausência é terra devastada
às vezes, quando voltas, água calma
e quando partes, vagas, pesadelos.
Meu coração carrega em si desejos
de ver-te em mim e em ti a tua amada.
Eu busco ver em ti o meu semblante
já que o que vejo em mim é o teu sorriso
tu és o meu espelho, eu teu Narciso
tu és a virgem trilha, eu viajante.
Eu busco ver em ti o meu sorriso
já que o que vejo em mim é o teu semblante.
EROS
A minha seta funda o teu desejo
quando penetra em gozo os teus domínios
aposso-me como se apossa o vinho
de Agave e suas irmãs em seus folguedos.
Eu sou o portador da chama eterna
que queima sem queimar deixando marcas
profundas, que latejam como farpas
que dor, prazer, temor, terror, carregam.
Eu sou o que preenche esse vazio
que a tua alma sente. E pro fastio
do corpo que ela habita sou comida.
Diria mais: sou teu maior banquete
tu és minha amazona, eu teu ginete
e a minha seta funda a tua vida.
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