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Contos-->Eu por outros Eus -- 03/10/2002 - 11:17 (Renato Essenfelder) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Fiz do mundo o que não queria. Enredei-me nas tranças da fantasia, fiz do mundo dor, mas dessa imensa dor extraí poesia. Fingi um mundo de mármore e plantas, e eu poeta. Depois acreditei na minha mentira. Acreditei que a poesia, o amor tudo venceria, e sua rima coroei soberana da própria vida.

Fiz de minha vida um segredo tão grande que aos meus olhos tornei-me insondável. Depositei tamanha fé no amor que obliterei-me de mim mesmo, e no espelho de mim o sentimento que tanto cantei zombava. Os mistérios da vida tornei impossíveis, e o mar, animal infinito, chamei de abrigo. Forjei um punhado de amigos e nunca mais desvencilhei-me das cordas da infância. Fiz do mundo o que não queria, fingi haver em tudo uma razão só inexplicável pela poesia.

Nasci em Curitiba, mas jamais firmei em cartório o título desonroso. Amei tanto a cidade que desesperei-me com seus habitantes, quis inteira só para mim, com os múltiplos imundos becos de suas avenidas. De tanto amar pensei em morar por praias distantes, outros Estados da matéria desvendar. Saltei em martírio ao oceano, e ao sabor das correntezas chamei o mar e suas estrelas de casa. Minha gestação mais de trinta anos delongou-se até que se me decidissem a época, e o excesso de zelo foi o maior pecado meu. Uma maria-fumaça que se perdeu.

Teci fantasmas de algodão, inverti a gravidade, apaixonei-me pela lua tão viva que se via refletida na água, quis voar para o mar e no céu mergulhar. Quis o mundo e acreditei nos desejos, fingi que a cada dia conquistava novo feudo. Achei bonito viver de flor em flor, povoei de abelhas sem ferrão ou mel o mundo meu. Fiz tudo que não disse, e tudo que queria sabotei curioso.

Tive medo de viajar e restringi o mundo sensitivo. Espichei meus cinco sentidos e criei três novos, tentando alcançar algo que eu próprio inventara, mas seguro de sua existência. Não tive clemência com a gente que gritava, não temi guerra nem nada que morte causasse. Desenhei um palco onde eu a mim atuava, tentando convencer-me de minha existência. Inventei um papel e esqueci da vida, meus vencimentos doei por pesar à caridade.

Espalhei obstáculos à padaria, nunca mais saí de casa. Condenei a voz que vinha fria ao telefone, engoli bombas para implodir o mundo. Quis isolar-me de tudo fora de mim, esqueci nomes e datas, reinventei o calendário em um alfabeto secreto para mim. Fugi e sem me encontrar retornei, acreditei que era sina girar a roda do mundo.

Elaborei estratagemas de compreensão, tive muita fé no deus que criei. Construí meu karma desde a China antiga, brinquei de destino e mandei milhões à guerra dos meus 12 anos. Brinquei de louco e prendeu-me a máscara, até que ao espelho somente ela pairava. Duvidei de cada certeza até descobrir que nem mesmo a incerteza era certa. Tornei tudo um grande jogo e fiz do mundo mero figurante.

Quis ser jornalista, poeta e escritor e fiz de mim pedaços alheios. Cantei no chuveiro, voltei no tempo e assassinei um punhado de compositores, assumi a autoria de suas obras. Caminhei torto por caminhos retilíneos, insisti em esconder de mim cada ostentação da vida por despontar. Agucei as ternuras, mas reservei a mim um amor helênico de monumentos e lágrimas. Achei que minha vida era cinema e nunca mais me encontrei sozinho. Escrevi compulsivamente prosa e verso, compus centenas de memórias que já havia, vivi outras vidas que mais tarde descobri minhas. Acreditei que eu era mesmo único. Chorei satisfeito por estar sozinho e escrevi. E de louco por um momento acreditei que esta carta fosse minha.
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