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Contos-->Em Curitiba só a tristeza mata -- 03/10/2002 - 11:20 (Renato Essenfelder) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No reino da fantasia só a tristeza mata. Observa a manhã de extremos, jovem e gélida, que se espreguiça ao longo da minha ferida rua XV. Cada passo de outrem que vejo é o dobro do meu, estou lento e vago. Ah, tristeza doce que me envenena as emoções, onde se esconde? Será fluido nas veias contraídas ou aparição sepultada na memória? Ah, inexplicável tristeza minha.

Hoje eu vou morrer de tristeza. Escondei a notícia vós que ainda me ouvis, escondei a nova de todas as carpideiras. Ocultai meu rosto pálido e branco de tudo que possa desaguar, mantenham minhas cinzas e coisas mais longe do mar que tanto amei, e que por fazer-se sempre ausente não deve meu corpo inerte acariciar. Que todos vocês saibam do segredo, mas que não ousem jamais o partilhar: morro de tristeza antes do nublado partir, parto antes do lamento solar.

Dor aguda que me martiriza o tolo coração, que saudade dos idos de 50, meu Deus! Meu anjinho de asas congeladas distrai-se com uma bebida quente – está tão frio hoje. Uma criança brinca com os braços estendidos na neblina, solta fumaça pelas ventas e sonha ser dragão. Redentora infância, não deixai vós que me ouvis que a criança saiba de minha tristeza, não deixai quebrar-se esse cristal com o lance último de um grito agonizante, não deixai!

Olhai para cima por um momento, quero sumir no solo, meu caminho é sorrateiro. Quero sepultar-me longe das carpideiras, longe das carpideiras longe. Sigo por outras sendas, rastejo longe da vista de quem olha para o céu em busca dos próprios anjinhos. Quero meu corpo em animação suspensa, para sempre como sempre, de forma a iludir elas, as moças feias com lenços negros perfumados ao léu nas mãos.

Vou morrer com os braços estirados em algum canto ermo do teu corpo, monstruosa Curitiba. Vou perfurar teus olhos com meus dentes gelados, arrancar-te a máscara em um último e falso espasmo de vitalidade. Vou cair em teus ouvidos e embevecer-te a audição com meus cantos lamuriosos, vou te levar comigo na ponta de uma faca, vamos juntos para longe das carpideiras e velhinhos melancólicos a versejar nostálgicos a tua mocidade.

Morro de tristeza e desilusão, e a tristeza minha sou eu. Imbecis das esquinas, moços trôpegos e viciados, diabas virginais, contentai-vos com a sombra que vos oferto, nem diferença sentirão. Jamais sabereis que morri de tristeza, e com o orgulho ferido por ter em vão martirizado-me pela vossa casa, que minha jamais foi. Chamai os cães à brincadeira, vamos sem minha tristeza brindar, chamai as moças e erguei grandes fogueiras ao céu de esperanças, vamos nos embebedar.

Diverti-vos como quiserdes, estarei longe e morto, eu e esta profunda tristeza de cotidiano alvorecer. Não faço votos de ser enterrado neste mundo, que não é meu. Longe com o cemitério municipal e suas caríssimas coroas de caracóis perfumados, longe de mim com os lírios, jasmins, longe! Vou morrer de banzo, não me enterrem. Vou cair e permanecer eterno no vosso esquecimento, sou meu próprio escravo de minha melancolia indissociável.

Deixai-me indigente ao relento, suspenso em vossas brumas. O manto de vossas brumas que tantas vergonhas impronunciáveis oculta, tantos terrores! Deixai-me indigente, pois não sou eu no documento de identidade. A carne branca, pelos, cabelos e dedos do espelho, a quem pertencem nos três tempos verbais? Fazei de minhas vestes fogo, e de minha carne as vestes desta sombra esfuziante do que fui.

Só há espaço para nós dois neste mundo, Curitiba fria, rainha dissimulada do gelo. A neve que prometes e nunca chega, a vida, o espaço e liberdade. Que hipócrita Curitiba, Curitiba. Deixai, povo de vermes, apenas meus olhos intactos a desgastar a retina mirando os tortos mosaicos de indígenas mortos da rua XV. Faz comigo o mesmo, mata-me e dá-me mosaicos, falsa capital. Lustra tuas vias sujas com meu nome e corpo, ladrilha-me ao longo de tuas passarelas, deixe teu povo orgulhoso pisar-me, deixe que eu te sufoque neste tanto peso de pobres almas reunidas na balança das minhas costas açoitadas pela garoa tua.

Lança-me distante de teus monumentos e obras-primas, serei teu escravo e carrasco, morro de tristeza por não voltar ao lar desconhecido. Morro de tristeza por morrer em teu solo, maldigo a falsa mãe. E se tua máscara em minhas mãos jaz, parto em imensa paz, e que outros falsos poetas como eu venham também tuas calçadas amaldiçoar. Nesta terra de fantasia, européia Curitiba, só mata a realidade. E nesta realidade só a tristeza mata.
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