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Artigos-->O IMAGINÁRIO COMO SOLUÇÃO EM “A CASA DA MADRINHA”, DE LYGIA -- 26/10/2007 - 15:03 (ALZENIR M. A. RABELO MENDES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O IMAGINÁRIO COMO SOLUÇÃO EM “A CASA DA MADRINHA”, DE LYGIA BOJUNGA

Maria Alzenir Alves Rabelo Mendes



Especialistas e leigos sabem da capacidade que o ser humano tem para encontrar válvulas de escape diante das pressões do dia-a-dia, seja de ordem interior seja exterior. Tanto adultos quanto crianças, quando expostos a situações difíceis, lançam mão de artifícios que os permitam resolverem os problemas, ou pelo menos, conviverem com eles. Uma dessas formas, talvez a mais usada, é o escape através do fantástico, definido por Jacqueline Held, em O Imaginário no Poder como aquilo que não é visível para todos os olhos, que não existe para todos, mas que é criado pela imaginação, pela fantasia de um espírito.

Essa fantasia, no caso da literatura, concretiza-se na narração fantástica, que permite a materialização de um mundo de desejos, onde os seres humanos interagem com animais antropomorfizados, com plantas que falam e com o extraordinário como parte do cotidiano. O sonho e a realidade fundem-se, e para cada obstáculo surgido haverá sempre uma maneira de ultrapassá-lo.

Dessa ótica, tentaremos apreender na obra A Casa da Madrinha, de Lygia Bojunga, os elementos do real e do imaginário como possibilidade de manifestação de anseios e concretização de desejos, com enfoque na desagregação da família, na luta pela sobrevivência, no trabalho infantil e na exploração dos mais frágeis pelos mais fortes. Como também na crítica à escola que, como instituição responsável pela formação intelectual do sujeito, deve ter por meta ampliar-lhe a visão de mundo e as expectativas, ao invés de podá-las ao tentar dar molde aos seres para o não exercício de suas potencialidades.

No primeiro momento dessa leitura, deteremos nossa atenção nos elementos do mundo concreto, de onde a escritora parte para depois embrenhar-se no extraordinário, embora desde o início, ela já nos dê pistas de que trabalhará com o maravilhoso, conforme registrado logo no primeiro capítulo do livro, através da fala de Alexandre, personagem principal: “Eu já disse: ele é mágico, aparece no ar de repente” (C.M. p.9. Cap. I), no momento em que a história se inicia, quando o menino encontra-se na roça, tentando chamar a atenção dos transeuntes para assistir o show protagonizado por um pavão que, segundo Alexandre, era mágico.

Vera, uma menina do povoado, aproxima-se observando as crianças colocarem moedas no chapéu velho de Alexandre, enquanto os adultos duvidam e questionam as habilidades do Pavão: “... primeiro o Pavão aparece e faz tudo que sabe fazer, depois agente paga” (p.8). Numa atitude bem própria das pessoas dos tempos atuais: duvidam de tudo e, ao mesmo tempo, faltam com seus compromissos: “O show acabava, eles iam saindo como quem está chegando, ficava tudo por isso mesmo". (p. 10)

Depois do show, Vera aproxima-se e faz amizade com Alexandre. Por meio dessa amizade, ficamos sabendo que ele veio do Rio de Janeiro, que está indo em busca da casa da madrinha, que era vendedor de biscoito, de amendoim, depois de sorvete na praia de Copacabana e de Ipanema. E que, por causa do grande número de vendedores ambulantes, as vendas diminuíram, obrigando-o à buscar uma saída: viajar em busca da casa maravilhosa das estórias contadas por seu irmão Augusto, a casa que tinha armários que se abriam sozinhos, prontos para atenderem os pedidos de quem lá chegasse mal vestido ou com fome.

Sabemos também de sua amizade especial com Augusto, o irmão mais velho; da mãe que era lavadeira; de suas irmãs, empregadas domésticas; da vida no morro, bonito, mas miserável, e de como Alexandre entrou e saiu precocemente da escola: “Livro, caderno, tudo foi ficando caro. A irmã que ajudava nas despesas de casa casou e foi embora. O irmão mais velho pegou uma doença e foi pro hospital. O dinheiro da casa ficando curto... Resolveram: É melhor Alexandre parar de estudar e ficar trabalhando também...” (p. 37)

Apesar das dificuldades, Alexandre continuou a estudar e a se sobressair na turma, entretanto, surgiram outros obstáculos: o desaparecimento da “maleta velha” da professora jovem que motivava os alunos por meio de aulas práticas. Do casamento do Augusto, que agravou a dificuldade financeira em família: “Alexandre saiu da escola. Foi vender sorvete... Era mais pesado, mas pagava mais. De noite ficava pensando nos colegas, na professora..., acabava perdendo o sono. Augusto inventava uma porção de histórias para ele se distrair e dormir (p. 41).

É nesse momento que o conto começa a se enveredar pelo imaginário, sem, contudo, haver deslocamento do real e sem adquirir características peculiares aos contos tradicionais, que apresentam um só drama, uma só ação. Neste, o drama é coletivo. Diz respeito à família, à escola e à sociedade. O personagem central, Alexandre, tem seu papel compartilhado com outros personagens tão importantes quanto ele, como o Pavão, a quem a beleza e inteligência causam-lhe transtornos, agravados pela escola que lhe tolhe a criatividade e a liberdade de pensamento (p.22-29). Pavão encontra-se rodeado por pessoas inescrupulosas que viam nele somente a oportunidade de ganharem dinheiro, explorando-lhe os dons naturais e incapacidade de reagir.

Há também o drama da professora que é impedida de desenvolver métodos práticos e ajustáveis às necessidades dos alunos. Além do drama de Augusto que, mesmo querendo o melhor para o irmão, precisa atender necessidades pessoais comuns a todos os seres humanos: noivar, casar e construir família. No entanto, por causa da pobreza e do alcoolismo do pai (p.35) não lhe é permitido fazer as duas coisas ao mesmo tempo, resultando em Alexandre ser negligenciado quanto aos seus direitos de criança: brincar, estudar e ter segurança junto à família.

Diante de tantos problemas, resta embarcar com Augusto na fantasia, viajar em busca da casa da madrinha, procurar solução neste espaço imaginário, onde o real e o irreal fundem-se, dando ao conto características peculiares ao Realismo Fantástico em que os personagens inventam histórias, saem do normal e concretizam seus sonhos através da fantasia. A imaginação de Alexandre é despertada pelas estórias de Augusto, que alimentam no menino a idéia de que deve haver lugar e um ser para os quais nada é impossível: a madrinha, ou fada-madrinha, e sua casa, cuja função é semelhante à dos castelos encantados dos bosques dos Contos de Fadas.

Alexandre decide viajar depois de um domingo de trabalho intenso na praia. Cansado, mas motivado, o menino se aventura: “andei pra burro, peguei carona...” e se encontra com o Pavão no espaço do absurdo. Fala com ele, que lhe responde como se fosse uma pessoa. Travam um relacionamento de companheirismo: o animal humanizado e o menino meio-bicho, ambos perambulando pelas estradas, sem pouso e sem proteção.

Mesmo assim não há queixas. Tudo o que Alexandre precisa é chegar à Casa da Madrinha, o espaço pleno e maravilhoso, onde as portas, cadeiras e armários são personificados. Onde a poltrona entende a linguagem humana: “Mas se a gente é legal e trata ela bem, ela fica feliz, é só a gente sentar que ela abre os braços pra gente sentar...” Porém, o atrativo maior fica por conta dos armários: “Se a gente tá precisando de roupa... é só abrir a porta ... Se o sapato acaba, não tem problema nenhum... o armário branco nunca tá a fim de ver gente com buraco na barriga ... é só abrir ele, que sai pão, bolo, biscoito ... “(p. 44).

Os fragmentos demonstram que os desejos de Alexandre restringem-se às necessidades básicas: repouso, roupa e comida. Por este aspecto, a obra adquire tom de denúncia social, ao expor a vida de milhões de crianças brasileiras, vendendo “bribotes” pelas praias e ruas, expostas aos perigos e às drogas. Ressaltando que na vida real, onde não há “Augustos” para lhes contar histórias, elas evadem-se para a fantasia através de alucinógenos, como por exemplo, o “crack” e a cola de sapateiro.

Voltando à obra, é também por meio da fantasia que Vera, pertencente à uma classe social privilegiada, encontra solução para o impasse criado entre seus pais e Alexandre. Os pais de Vera, repetindo a atitude da sociedade a que pertencem, vêem perigo na amizade da filha com um menino que vive pelo mundo. Mandam Alexandre embora depois de darem-lhe alguma comida e terem permitido que ficasse nos arredores da casa por alguns dias: “Aí Alexandre resolveu ir embora de uma vez e pronto”. Na iminência de perder o amigo, Vera apela para o imaginário e inventa um cavalo “amarelo até não poder mais”. Montam nele e ultrapassam uma cerca proibida (p.14), vencem o medo e a escuridão, inventam passagens (p.81) e chegam a tão sonhada Casa da Madrinha. Lá, eles encontram Augusto, a maleta velha em que a professora guardava as idéias novas e que havia sumido. Eles encontram também a Gata da Capa, a amiga especial do Pavão, que estava sumida.

Neste ambiente fantástico, o Pavão recupera suas potencialidades intelectuais quando a Gata da Capa retira da sua cabeça o filtro que foi colocado na escola OSARTA (que significa atraso) para que ele não pudesse pensar. Desceram ao porão e abriram o baú das fantasias. “Foi só abrir o porão e tudo ficou cheirando a carnaval. (p.85) Foram à praia, brincaram, e ao voltar tiveram suas refeições servidas pelo armário branco. Depois percorreram a floresta, as grutas, as cascatas e as árvores. No fim do dia, ouviram as histórias de Augusto “até todo mundo dormir” (p.87), embora o relógio não determinasse hora nenhuma.

Somente Vera, a menina que tinha família padronizada com direito à escola, apercebe-se do tempo. Pensa em voltar, deixando Alexandre na Casa da Madrinha em felicidade contínua. Não esquecendo, que a Madrinha, que representa o adulto provedor de tudo aquilo, lá não se encontrava, além de que não era necessária para que as crianças se divertissem.

Na casa da madrinha havia uma janela vaidosa empenada que sentia prazer em estragar os planos dos outros, e ela resolveu se abrir bem na hora que Vera ia sair. Com o barulho, todos acordaram e montaram no cavalo “Ah” com Vera. Ao chegarem ao sítio do pai dela não viram Augusto, nem a Gata da Capa. E o cavalo “Ah” desapareceu: “Você está sentindo que o Ah tá desinventando, Vera?”(p. 91). A realidade, simbolizada pela janela vaidosa, impôs a Alexandre que ele fosse embora. Mas como continuar sem Augusto, sem suas estórias, portas de entrada para o imaginário? Como retornar à casa da madrinha se o cavalo “Ah” havia desaparecido? Como vencer o medo agora que ia ficar sozinho?

A solução para o impasse provinha da fantasia, da capacidade de evadir-se para o irreal, vivenciá-lo tão plenamente a ponto de transformar o absurdo em realidade. Alexandre abriu sua mala de viagem, de dentro dela retirou uma flor que Vera havia lhe dado. Disse: “olha a flor que enfeitava o peito da porta azul.” Vera sabia que ele estava enganado. Mas Alexandre estava convicto que aquela era a flor onde se guardava a chave da casa da madrinha. De posse da chave, passe para o reino do imaginário, não teria mais medo e poderia viajar "toda a vida", perpetuando a fantasia até a satisfação de seus desejos mais íntimos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. HELD, Jacqueline. O Imaginário no Poder. São Paulo: Summus, 1980.

2. NUNES, Lygia Bojunga. A Casa da Madrinha. Rio de Janeiro: Agir 1986.

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