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Contos-->Menina dos olhos molhados -- 03/10/2002 - 11:22 (Renato Essenfelder) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era como algum espécime de monstro mitológico. Rugia a incontroláveis decibéis, e com sua quilométrica língua gelada lançava vultosos perdigotos a velocidades bélicas, o rio.

Mas muito além do curso ordinário, correndo incansavelmente no rumo certo do mar, esta dama era ambiciosa e geniosa, contrariando normas e seguindo impassível para leste, onde acreditava estar oculta sua alma gêmea. Quando nascera filha já dissera em sufocado e balbuciante gemido: hei de ser grande, arrebatar homens, render os meus e correr por terras incalculáveis até a morte nos braços do meu amor que será.

Era, pois, fêmea. Distinguia-se obviamente pelas sinuosidades – as lendárias curvas que a tantos seduziram e afogaram. E como qualquer menina pensava na vida e imaginava o porvir. E como qualquer ser vivente era instável em seus altos e baixos, calmarias e rompantes de avassaladora fúria.

Preconizava-se fadada à morte romântica, fertilizando as cheias do seu incerto e longínquo amor. Era por vezes melancólica e silente. No entanto, se o viajante incauto por triste lhe tomava, explodia nossa menina em fúria, arrastando para sempre o atemorizado ser em suas correntezas. A corrente de suas vazantes.
Dia explodia contente e saltava múltiplas vezes em graça. Sete saltos, conforme a tradição familiar, e seria eternamente feliz.

Ao longo dos anos – e contabilizando quase um quilômetro por estação – teve suas águas manchadas pela rubra cor do Homem. Lavou-se em banho demorado, relegando ao passado os traumáticos embates territoriais. Observou deliciada a amizade retornar aos guerreiros povos que habitavam suas margens.

Tornou-se porção limítrofe de vilas, de estados. No dia do anúncio carecia o povo todo de ver, como estava em pura alegria. Bramiu satisfeita: “hoje eu sou alguém”.

Mas se a cabeça em Curitiba pensava no sucesso profissional – pois atingira o ápice da profissão fronteiriça, constando de cada carta ou mapa – os pés ainda pediam o carinho do sonhado amor. E é nos pés que pulsa o coração hidrofílico.

Nas sendas do destino engoliu muitos irmãos. Definhava, fortalecia, conforme a porção do corpo e do tempo. Vaidosa que era, entregava-se em nome da perfeição estética aos exaustivos regimes que de muito longe ouvia comentar. Apanhava muito sol e pouca chuva, quis emagrecer. Mas como toda mulher não agüentou por muito a convivência da fome, e como toda menina levada adorava apanhar chuva.

No início do vigésimo século dos Homens, seu corpo caudaloso ascendeu a volumes nunca vistos, e vendo-se gorda assim ela chorou muito, arrastando casas, depósitos e ranchos inteiros em suas intempestivas lágrimas de desconsolo. Entretanto, como toda tristeza essa também passou, e após alguns dias já estava a menina alegre novamente, e suas águas voltaram ao inabalável curso de outrora, pacíficas como nunca.
Viveu um dilema, se muito emagrecia entristecia os amigos ribeirinhos, se muito comia seu corpanzil ameaçava digerir tudo em volta. Buscou o meio-termo, aprendeu a controlar-se.

Com o passar de muitas luas refletidas no espelho de seu rosto, passou a amar a noite e suas incontáveis estrelas. Tornou-se notívaga por excelência, era a adolescência que chegava com seu passo instável mas decisivo. Passou a acordar tarde, espreguiçava-se ruidosa e morosa no crepúsculo, aprumava seu ciliar véu verdejante e gargarejava o hálito fresco de orvalho no bulício de incontáveis bocas assanhadas.

Permitiu-se aos homens que fossem vê-la pela noite, e desde então todos os amantes encontraram abrigo em seu seio semovente.

Romântica e apaixonada, inspirou poetas, pintores e todos os artistas do mundo com seu corpo de múltiplas nacionalidades. Amou a todos e cada um dos homens que com ela flertaram.

Já no fim da vida encontrou a aspereza meiga e máscula do seu amor, que hipnotizado prostrou-se aos pés daquela menina de olhos molhados. Antiquado e cavalheiresco, ajoelhou-se o bravio rio Paraná para pedir a mão de sua amada – a valente jovem Iguaçu.

Hoje, casados, vivem inseparavelmente unidos. Com sua aspereza viril beija o Paraná os pés de sua amada. Ela é apenas êxtase, na carícia dos afagos do seu querido esposo, que desde menina sabia encontraria. Explode, desde então, lenta e duradoura em gozo de felicidade, em cataratas ruidosas de alegria, a Iguaçu. O corpo inteiro sibila, e suas sinuosidades ainda inspiram viajantes e aventureiros de todos os cantos do mundo. Eternamente sedutora, a menina do rio Iguaçu.
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