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Artigos-->O escritor é um intermédio -- 18/10/2010 - 14:40 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Oswald de Andrade foi meu poeta preferido na época em que eu achava que podia ter um. A vida caminha e as certezas se invertem. Não tenho mais um poeta preferido. Prefiro todos que consigam falar comigo, mas esse é outro texto... Impressionante como a palavra, quando sai da cabeça e vem para o mundo, ganha forma, quer tomar o controle de si mesma e levar aquilo que o escritor acha que é dele para a República dos Textos Independentes. Olha aí! Cá estou, de novo, noutro assunto. Era Oswald. Volta a ser, embora seja apenas um pretexto.

Oswald escreveu um poema-minuto muito singelinho e emocionado, 3 de maio: “Aprendi com meu filho de dez anos / Que a poesia é a descoberta /Das coisas que eu nunca vi”. Nesta semana cheia de tensões, em meio às dúvidas e às pedras que a existência em tempos amalucados como o nosso impõe, acabei por receber um presente em forma de insight, que deve ter surgido no dia 3 de maio também. Descobri, e não foi pela boca de meu filho de seis anos - ou, de alguma forma, talvez tenha sido! -, que o que escrevo é fruto mesmo de uma tentativa de entender o que as pessoas sentem, como as pessoas veem o mundo em torno delas, o mundo dentro delas. A quais pessoas me refiro? Todas as outras que não são eu. Escrevo porque não entendo como é a vida vivida por outro. Como diria Jacintinho, do Eça: “Isso é tremendo!”.

Na época da preferência oswaldiana, olhava as luzes que pipocavam das milhares de casas nos bairros distantes, numa noite de verão bem limpa, e ficava incomodado – ou seria fascinado?- com a noção de que eu nunca iria conhecer as pessoas que cada uma daquelas estrelinhas representava. Mesmo que eu vivesse novecentos anos, como uma personagem do antigo testamento, mesmo assim, eu não seria capaz de saber o mínimo sobre a vida de tantas pessoas. Bilhões de estrelas, bilhões de universos que nunca seriam explorados. Isso era uma limitação inaceitável. Diante da impossibilidade, ou me tornava um mestre zen-budista-asceta-sidartiano capaz de perceber a conexão primordial de todos com todos, ou começa a inventar na minha cabeça os diversos jeitos de viver. Optei pelo segundo caminho. Resolvi escrever.

Se pensar um pouco e for honesto, devo admitir que escrevo porque sou egoísta. Quero a visão do outro para mim. Quero ver o mundo com os óculos dele, o outro. Fico tenso em pensar que não posso saber como você está lendo isto aqui. Nunca vou saber! Ao mesmo tempo, escrever é o ato mais generoso a que um ser humano pode se dedicar. Essa busca pelo outro através do fazer literário acaba resultando num mergulho em si mesmo e na entrega, sem subterfúgios, daquilo que se é, na bandeja, para quem quiser ler. Quem escreve se escancara. No fim, o outro, que tanto se buscava ao escrever, acaba sendo encontrado mesmo é dentro do escritor. O que me faz pensar que aqueles dois caminhos que eu tinha quando era mais jovem eram um caminho só. Escrever não é muito diferente de encontrar em si mesmo a conexão que sempre existiu entre todos os homens.

É paradoxal mesmo: escrever é o ato egoísta mais generoso de um homem. E nesse ponto de reflexão, sempre muito imperfeita - a palavra é apressada! -, começo a acreditar naqueles que definem a arte como vizinha de parede geminada da esquizofrenia. Talvez seja até a sublimação que impede que certos indivíduos tornem-se esquizofrênicos de fato. Há tantos outros dentro de todos nós. O escritor é aquele que consegue encontrar um lugar privilegiado para observar essa rica população, e consegue resistir à tentação de se transformar no outro e incorporar aquele brilho intenso. O esquizofrênico parece não conseguir tomar essa distância. Ao mesmo tempo, quem escreve deve se manter um tanto longe também de si mesmo, ou será apenas um biógrafo chato da própria vida.

O escritor é um ser no intermédio. Entre saúde e patologia. Entre egoísmo e generosidade. Entre ele mesmo e o outro. Mário de Sá-Carneiro, outro preferido: “Eu não sou eu nem sou o Outro. Sou qualquer coisa de intermédio:/Pilar da ponte de tédio/ que vai de mim para o Outro.” Pena que o pilar da ponte que era Sá-carneiro tenha sido abalado pelos terremotos dessa vida amalucada. Outra história...



*Publicitário, professor e diretor do Núcleo Cassiano de Língua Portuguesa. Sugere a leitura do “Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade” e de “Confissões de Lúcio”, de Mário de Sá-Carneiro.
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