Ser pai – ou ser mãe - sempre foi considerado o destino natural de qualquer ser vivo. A exemplo de outros animais, o homem existiria para crescer e se multiplicar. Ter filhos pode até ser natural, mas desconfio que o homem é quem não é mais natural. Botar crianças no mundo, hoje, é contra a natureza humana. Melhor: contra a falta de natureza humana.
Multiplicar-se era importante num mundo pouco habitado. Do ponto de vista dos pequenos povoados, forçar os casais a ter tantos filhos quantos conseguissem era uma questão de sobrevivência. Mais braços e pernas representavam mais capacidade de trabalho e de defesa. Num contexto como aquele, nada havia de inadequado em manter o homem perto de sua natureza insêmino-parideira.
O povoado, no entanto, virou aldeia global. Nesse mundão, quase tudo em nossa volta é cultural, com exceção dos parcos parques públicos que preservam algumas árvores e uns laguinhos. No mais, moramos em casas de concreto com piso frio, asfaltamos as ruas, transitamos sobre rodas de borracha, conversamos via aparatos eletrônicos. O que há de natural nisso tudo? Faz tempo que a melhor definição de homem é: ser cultural. O que ainda resta de natural em nós, o corpo, por exemplo, é intermediado pela cultura. Basta pensar no que se tornou a medicina: a demonstração diária de nossa capacidade de distanciamento da natureza, pois, ao curar tudo, o homem escapa até da seleção natural das espécies.
Ter um filho, no entanto, ainda continua sendo encarado como algo natural. Não é mais. Se nós não comemos mais carne crua, não defecamos onde o piriri pintar, não eliminamos nossos inimigos com uma pedrada na cabeça, por que ainda insistimos em botar rebentos no mundo como se fôssemos coelhos, gambás, aranhas ou outros bichos?
A ideia aqui não é condenar a maternidade ou a paternidade, mas sugerir a mudança do lugar desse evento na vida do homem. Não temos mais a necessidade de povoar o planeta. Nossos quase seis bilhões de habitantes já são capazes de construir, manter e destruir o que for necessário para que a aldeia, bem ou mal, siga girando. Não existindo a motivação sócio-antropológica, não sendo mais o homem um ser natural, melhor que a decisão de ter um filho seja muito pensada, planejada, ponderada e, portanto, um fenômeno cultural. Em vez de engravidar porque a vida é assim mesmo, poder achar que essa não é uma obrigação comandada por um relógio biológico e não fazê-lo.
Você deve conhecer diversas histórias de adultos que são desprovidos de qualquer capacidade de ser pai. Vou contar uma: menino de nove anos começa a perturbar suas coleguinhas de escola com frases obscenas, pornográficas mesmo. A professora estranha o comportamento e marca uma conversa com mãe:
- Seu filho mudou de uns meses para cá. Ele se dirige às meninas com frases muito violentas, muito ofensivas. Nem tenho coragem de repetir o que ele fala...
- Ah! Eu imagino. É que meu marido resolveu passar uns filmes pornôs em casa pro menino assistir. É para ele virar homem.
-...
Um ser assim deveria ser pai? Será que, nove anos atrás, ele foi informado de que não tinha a obrigação de ter filhos, que poderia simplesmente tocar sua vida, ser feliz, ser triste, mas não ser pai? É provável que não. Ainda se pensa que essa é uma ordem de deus. Homem que é homem tem que ser pai. Mulher que é mulher tem que ser mãe. Não tem e não tem. Se decidir sê-lo, que saiba as consequências disso e as assuma com fôlego, pois não são poucas nem simples. Mutiplicar-se é, muitas vezes, multiplicar problemas para si, para o filho e para a sociedade. Seria melhor refazer as contas e abandonar essa postura pré-histórica.
*Publicitário, professor e diretor do Núcleo Cassiano de Língua Portuguesa. Sugere que você conheça o movimento No Kidding: www.nokidding.net |