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Artigos-->O verbo haver e a face fascista de língua -- 18/10/2010 - 14:48 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Roland Barthes afirmou que uma língua é fascista não pelo que nos impede de dizer, mas pelo que nos obriga a dizer. Essa máxima deveria gritar nas mentes de todo professor de língua portuguesa que prepare uma aula sobre a concordância do verbo haver no sentido existencial.

Você sabe, leitor, que “haver” deve ser usado sempre no singular quando o significado for “existir” ou “ocorrer”. É isso que a norma culta exige. Assim, o adequado: (A) “Havia muitas razões para questionar”; e nunca (B)“Haviam muitas razões para questionar”. Diz-se que o verbo haver, nesse caso, é impessoal, ou seja, não possui uma pessoa, leia-se “sujeito”, associada a ele. Para a gramática normativa, o sujeito de (A) não é “muitas razões” e, em não sendo esse o sujeito, o verbo não deve ir para o plural, como em (B), pois é um caso típico de oração sem sujeito. É mais simples assim: se usar o verbo haver no sentido de “existir” ou “ocorrer”, use-o sempre no singular: há, havia, houve, haverá, haveria, enfim, sempre no singular. Já o verbo existir é sempre pessoal e, portanto vai para o plural seguindo o seu sujeito: “Existiam muitas razões para questionar”. Aqui, o sujeito do verbo existir é “muitas razões”, com seu núcleo no plural (razões), e o verbo dever ser flexionado.

Nunca abordei esse assunto em sala sem que algum aluno disparasse a pergunta: “Se ‘haver’ significa ‘existir’, e ‘existir’ é pessoal, por que ‘haver’ é impessoal?”. Fico sempre satisfeito quando essa questão é levantada – questionar a língua e tomar posse dela -, e sou obrigado a apresentar aos alunos, se ainda não o tiver feito, o caráter fascista de uma língua, contando a pequena história da evolução do verbo haver usado no sentido de “existir”.

No Grammática da língua portuguesa, de João de Barros, alfarrábio de 1540, não há qualquer menção ao verbo haver impessoal com o significado de existir, por um simples motivo: haver não era usado como existir, menos ainda como ocorrer. Em 1840, Antônio de Morais Silva, no Grammática portuguesa afirma: “Haver sempre é activo, e nunca significou existir”. A polêmica toma vulto ao longo do século XIX. Não houve, naquele século, consenso nem sobre a possibilidade do uso de “haver” como sinônimo de existir, nem sobre a sua impessoalidade, nem sobre o seu uso no singular. Apenas no século XX é que os gramáticos declaram paz, ao menos no que dizia respeito ao tema: o verbo haver poderia ser usado como sinônimo de existir ou ocorrer; seria, nesse caso, impessoal e não deveria ser flexionado. Essa passou a ser a norma. Na verdade, está mais para convenção, para não dizer “imposição”.

Depois de contar essa historinha, sou obrigado a concordar com a lógica que há no fundo da pergunta do meu aluno: a lógica da sinonímia. Se “haver” é sinônimo de existir, não há nada, além de teimosia normativa apoiada numa visão pouco dinâmica da língua, que justifique a diferença de pessoalidade entre esses verbos. É assim, caro aluno, caro leitor, porque é assim.

Você tem todo o direito de ficar indignado. Que outros também se revoltem. Que um dia o Brasil tenha a coragem e a possibilidade de dizer que “haviam gramáticos intransigentes, mas todos foram vencidos pela força do uso diário – e real – da língua pelo povo”. Até esse momento, no entanto, é bom que você saiba que “haver” é impessoal. Vai fazer bem para a sua nota nos vestibulares e nos concursos. Depois, se quiser, compre de vez a briga: assuma a pessoalidade desse verbo e aprenda a conviver com os narizes tortos que os seres normativos reservarão para você. Só não leve isso para o lado pessoal (não resisti ao trocadilho...). É apenas a fascinante face fascista de todas as línguas do mundo. Haja força!



*Publicitário, professor e diretor do Núcleo Cassiano de Língua Portuguesa. Sugere a leitura do artigo “O verbo haver a evolução do conceito de impessoalidade”, de Cirineu Stein, no site www.filologia.org.br/vcnlf/anais%20v/civ6_14.htm
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