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Artigos-->Águias não andam de Kombi -- 18/10/2010 - 14:48 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Dia a dia fico mais convencido de que ser professor no Brasil é comparável a experiência de dirigir uma Kombi lotada de jovens, pneus carecas, por uma estrada esburacada, com sinalização deficiente, cercado de normas que mudam a cada quilômetro, outras vans na contramão. Se achou que esse é o protótipo do caos dos infernos, espere até que se complete a metáfora. Além de todas essas dificuldades, que um motorista com alguma habilidade até aprende a contornar, saiba que a Kombi segue para o destino errado e todos os envolvidos – motorista, assistente, passageiros, guardas de trânsito, engenheiros de tráfego, vendedores de jujuba – sabem que o veículo está na estrada errada, rumo a um lugar ao qual ninguém quer chegar. O conhecimento do erro é amplo e geral, mas a perua está na banguela, sem freio, não pode estacionar no acostamento que não existe, e dar meia volta não parece ser a atitude mais inteligente. A viagem segue. Espera-se um trevo milagroso que nunca chega.

Pensava em desenvolver essa imagem da Kombi, quando resolvi reler o “Pedagogia do bom senso” , de Célestin Freinet pedagogo francês (FREINET, Célestin. Pedagogia do bom senso. São Paulo: Martins Fontes, 1991). As primeiras páginas do livro me obrigaram a mudar de planos e transcrever integralmente o texto do educador anarquista. Figura por figura, a dele é muito melhor que a minha. Permita-me o abuso:

“O pedagogo preparara minuciosamente os seus métodos e (...) estabelecera cientificamente a escada que permite o acesso aos diversos andares do conhecimento; medira experimentalmente a altura dos degraus, para adaptá-la às possibilidades normais das pernas das crianças; arranjara, aqui e ali, um patamar cômodo para se retomar o fôlego, e um corrimão benévolo amparava os principiantes.

E o pedagogo zangava-se, não com a escada, que, evidentemente, fora concebida e construída com ciência, mas com as crianças que pareciam insensíveis à solicitude dele. Zangava-se porque tudo acontecia normalmente quando ele estava presente, vigiando a subida metódica da escada, degrau por degrau, tomando fôlego nos patamares e segurando no corrimão. Mas, se ele se ausentava alguns momentos, que desastre e que desordem! Apenas continuavam a subir metodicamente, degrau por degrau, segurando no corrimão e tomando fôlego nos patamares, os indivíduos que a escola marcara suficientemente com a sua autoridade, como os cães de pastor que a vida treinou para seguir passivamente o dono e que se resignaram a não mais obedecer ao seu ritmo de cães transpondo matas e atalhos.

O bando de crianças retomava os seus instintos e as suas necessidades: uma subia a escada de quatro, engenhosamente; outra tomava impulso e subia os degraus de dois em dois, saltando os patamares; havia mesmo as que tentavam subir de costas, adquirindo até algum desembaraço. Mas, sobretudo - incrível paradoxo - havia aquelas, e eram maioria, para quem a escada se mostrava desprovida de atração e aventuras, e que, contornando a casa, segurando-se nas calhas, saltando as balaustradas, chegavam em cima num tempo mínimo, muito melhor e mais depressa do que pela escada pseudometódica; uma vez lá em cima, escorregavam pelo corrimão ... para começarem a ascensão apaixonante.

O pedagogo persegue os indivíduos obstinados em não subir pelos caminhos que considera normais. Mas terá ele perguntado a si mesmo, por acaso, se essa ciência da escada não seria uma falsa ciência e se não haveria caminhos mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por saltos e largas passadas? Se não haveria, segundo a imagem de Victor Hugo, uma pedagogia das águias que não sobem pelas escadas?”

Pois é... se águias não sobem pelas escadas, tampouco andam em Kombis desgovernadas.

*Professor, publicitário e diretor do Núcleo Cassiano de Língua Portuguesa. Imagina que, se Kombis tivessem rodas quadradas, subiriam escadas, mas o que significa isso mesmo?
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