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Cronicas-->Nos barracos da favela -- 16/06/2000 - 08:02 (Edson Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Mesmo com o calor intenso que fazia no interior do barraco, construído de maneira improvisada, com os restos de madeira utilizada na construção de um conjunto habitacional nas proximidades, suas janelas e porta estavam fechadas , o que levava um observador menos atento a crer que não havia ninguém lá dentro, mas o som de uma televisão transmitindo um desenho animado e a voz de alguém tentando , sem sucesso, cantar uma musiquinha, que mesmo simples, exigia alguma afinação, afirmavam o contrário.

O sol convidava os habitantes do outro lado da cidade , os verdadeiros cidadãos , a um bom mergulho no mar calmo e azul, para depois descansar nas areias quentes e confortantes. Um mundo diferente , quase inexistente a não ser pelas raras vezes em que ele fora à cidade em companhia da mãe, para ajudá-la em seus afazeres na casa daquela mulher que cheirava tão bem e tinha mãos tão belas e delicadas e aquelas roupas estranhas que não pareciam de verdade.

A escola não oferecia mais nenhuma novidade, os colegas eram sempre os mesmos , a professora , sempre com aquele ar indolente e cansado, parecia aborrecer-se sempre que algum dos alunos perguntava algo. E agora , além disso , a merenda era sempre reduzida , isto quando havia merenda. Mas havia uma novidade fora da escola, uma coisa nova que ele podia fazer, se divertir , quem sabe ser gente. Gente como aqueles sujeitos que apareciam na pequena televisão ganhada pela mãe no natal passado. E foi pensando assim que ele tomou uma tampa de panela das mãos da irmã , que cantarolava enquanto lavava algumas panelas nos fundos do barraco, um dentre os inúmeros que se apinhavam morro acima. Ela, sem entender a atitude do irmão, tentou alcançá-lo para ter de volta a tampa , achando a brincadeira sem graça apesar de seus nove anos. E foi assim o início da perseguição pelos becos da favela , sempre palco deste tipo de situação, mas agora era outro o fugitivo, uma criança de mais ou menos sete anos com uma tampa de panela na mão seguido por uma garotinha um pouco mais velha. Entra aqui, sai ali, desvia de um, de outro, e a corrida continua , quando quase se sentindo presa da irmã que agora , enfurecida, procurava imprimir às pernas mais velocidade, o que não adiantava pois sempre que ia pegá-lo, ele sempre achava uma forma de esquivar-se. E aquela tampa ? Não conseguia entender aquilo. Como por uma mágica , daquelas inexplicáveis , o irmão sumiu e ela ficou a procurar pelos quintais dos barracos e becos aquele engraçadinho que iria levar uns cascudos quando voltasse para casa, isso sim, com certeza.

Foi observando todos os movimentos que a irmã fazia e sua cara de decepção e impotência, que viu uma outra tampa de panela , do mesmo tamanho que a sua , sim, agora ela era sua, com uma diferença , era vermelha, já imaginou uma tampa de alumínio lisa brilhando e outra vermelha? Ela estava sobre várias panelas, secando ao sol , o mesmo sol que bronzeava os corpos dos mais afortunados, do outro lado da cidade. Bem ao lado havia um berço velho cuja pintura denunciava que o primeiro dono já era um homem feito, dentro , uma criancinha brincava e ria perdida na ingenuidade e despreocupação de que só os pequenos podem usufruir. Mas o nosso fugitivo não podia apreciar o quadro, não havia tempo e mesmo ele devia ser rápido, a dona das panelas poderia voltar a qualquer momento. Com a mesma destreza empregada para safar-se da irmã, conseguiu sem muita dificuldade apoderar-se da tampa, sentindo-se assim, cheio de um poder que ele não sabia mensurar. Juntando as duas tampas já sabia para onde correr, e teria que correr muito o tempo estava se esgotando e para sua surpresa ao retomar a empreitada viu-se novamente objeto da perseguição da irmã.

O ritmo agora era alucinante, além de ter que ser mais rápido para conseguir chegar em tempo ao local escolhido pelos outros componentes, teria que ser bem mais ágil para conseguir escapar à ira da irmã, mais furiosa que nunca. O suor corria pelo rosto e o peito já estava empapado sob a camiseta velha. O tempo corria, mas para uma criança , o que é o tempo senão brincadeira, mesmo que seja para uma criança do morro, com poucas perspectivas, mas com um sonho, ser como aqueles rapazes que se apresentavam nos programas e muitos deles, sabia-se, tinham saído de situações muito parecidas com a sua. Pensava nisso durante a fuga, que agora era uma corrida em busca de um sonho.

Quando conseguiu chegar ao local determinado para o ensaio, foi tomado por uma emoção que não conseguia entender, no local não havia nenhuma construção, nenhum barraco, por mais modesto que fosse, mas o ambiente era mágico, pois proporcionava-lhe esperança. Saiu forçosamente daquele devaneio por intermédio de um brusco puxão no braço, dado pela irmã que o alcançara. Ela não entendia o que estava acontecendo e não póde pedir explicações , pois o irmão foi chamado por outros meninos que estavam adiante, cada um com objetos diferentes, latas, ferramentas, bacias, apitos, mas traziam uma coisa em comum, uma expressão de felicidade inexplicável. Alguém fez soar um apito e o som perdurou por um bom tempo, então todos aqueles meninos se agruparam e começaram a tirar sons dos objetos que traziam consigo e poucos momentos depois havia harmonia naqueles sons e eles passaram a ser um.

E todas as tardes o encontro se repetia. Depois de muito trabalhar , acreditar numa proposta de vida e empreender todos os esforços para a realização de um sonho, aqueles meninos , que hoje já são homens, estão aí , tocando seus instrumentos, não mais latas, panelas , tampas, e sim, instrumentos.
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