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Contos-->SEMENTES AO VENTO -- 10/10/2002 - 11:18 (Ricardo Soares Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tinha 16 anos, meus pais foram visitar meu avô materno, como já estava de férias, decidi ficar lá uns dias. Meu avo morava em um sítio numa região serrana muito bonita, a casa era muito especial, uma cabana feita de toras de madeira e pedras, desenhada e construída por ele mesmo a muitos anos, era a casa de verão da família, quando se aposentou foi morar lá definitivamente, minha avó já havia falecido a alguns anos e ele nunca pensou em sair de lá, morava só, em meio a seus livros, ferramentas, plantas, horta, pescarias, cavalgadas e caminhadas. Havia Lurdes, uma mulata gordinha e simpática que diariamente vinha fazer o trabalho doméstico e cozinhar - ela fazia um carneiro assado com batatas, de lamber os beiços - seu marido José, eventualmente ajudava nas lidas pesadas, com animais e alguma pequena lavoura que meu avô fazia só para passar o tempo. Avô Augusto sempre mandava Lurdes fazer comidas especiais para me agradar, no final da refeição chamava Lurdes e agradecia:
_ Muito obrigado Dona Lurdes, estava realmente muito bom.
Ela ficava faceira, dava um farto sorriso, se encabulava toda, não sabia onde colocar as mãos e corria para cozinha.
A cabana ficava no meio de um bosque de pinheiros. A cem metros da casa, havia um grande lago com um trapiche onde o Avô amarrava seu pequeno bote de pescarias, no horizonte haviam colinas cobertas de pinheiros. Apreciando aquele lugar me sentia como se estivesse dentro de um lindo quadro.
Naquela temporada que passei por lá, várias coisas me marcaram para sempre. Em uma manhã quando acordei, ainda sem abrir os olhos, fiquei um tempo deitado, não ouvindo nenhum ruído do Avô preparando nosso café, como costumava fazer, levantei e dei uma olhada pela casa, era bem cedo, a passarada ainda festejava o alvorecer, ele já havia saído a perambular na rua. Me vesti e saí rumo ao lago, de longe já avistei, ele havia carregado para lá, duas cadeiras de praia, uma mesinha e uma cesta de piquenique com pães, queijos, frutas e outras iguarias. Estava sentado sob o trapiche olhando para o horizonte me esperando para tomarmos o café.
_ Bom dia, meu rapaz ! Sente-se e sirva-se à vontade. Disse sorrindo.
Me sentei ao seu lado, me alcançou uma caneca de porcelana com um gostoso café com leite e canela, o dia estava muito bonito, o céu bem azul e brancas nuvens contrastando com as colinas verde oliva, tudo isso sendo duplicado no espelho da superfície do lago que estava espelhado. O Vô Guto, como era chamado, era um homem calmo, sereno, tinha uma voz macia e estava sempre de bom humor, rindo e brincando – sem exageros. Naquela manhã ele me falou de coisas simples mas que ficarão guardadas em uma gaveta especial da minha memória.
_ Vô Guto, sei que o senhor já fez muitas coisas na vida, qual foi a mais legal que já fez ? Perguntei pra ele.
_ Já houve um tempo que achava que as coisas mais legais que havia feito foram grandes viagens ou aventuras que fiz. Hoje estou acreditando que as coisas mais legais da vida estão nos momentos como este, aqui nesse trapiche, hoje, tomando um gostoso café da manhã com meu neto. Ou quem sabe receber um amigo, conversar sobre nada sério e dar boas risadas.
Após o café no trapiche, damos uma caminhada e ele já achou atividade para a manhã. Uma árvore derrubada pelo vento forte que havia soprado a uns dias atrás.
_ Mais tarde vamos buscar um pouco de lenha, filho ?
_ Claro Vô Guto !
Da minha família, eu era o único que gostava de passar longos períodos lá no sítio com o Vô Guto. Todos achavam um saco, uma casa que não tinha computador com internet, TV a cabo e ainda por cima os canais abertos de TV, quase não pegam. Eles vinham e passavam no máximo uma noite, no outro dia já iam embora.
Voltamos até o trapiche, coloquei todos os apetrechos do café em um carrinho de mão e levamos para casa. O Vô tinha uma camionete Toyota Bandeirantes 4 x 4, eu adorava dirigí-la. Pegamos a motoserra o machado, colocamos na Toyota e fomos buscar a lenha. Apesar da idade, ele era forte e saudável, gostava dessas atividades físicas como cortar lenha com machado. Me ensinou como trabalhar com a motoserra. Eu gostava de poder ajudá-lo.
Após o almoço, me disse que iria “tirar uma sesta“, foi para o seu quarto, como de costume, colocava os óculos de leitura, escolhia um livro na cabeceira e lia um pouco, mas era só para pegar no sono, as vezes cochilava tão rápido, que o livro ficava caído no seu peito, tampouco conseguia tirar os óculos. Naquele dia fui até a porta do quarto dar uma espiada, ele ainda estava acordado.
_Entra ! Quer um bom livro ? disse ele. Entrei no quarto e sentei na cadeira que ele usava para colocar suas roupas.
_ Você deve estar sentindo falta do movimento da cidade, dos amigos, das namoradas e das festas de fim de semana, não é mesmo ?
_ Não Vô, estou curtindo estar aqui com o senhor. Tá legal.
_ Se você quiser, podemos fazer um programa legal amanhã, é uma parte à cavalo e outra caminhando, e chegamos em uma linda queda dágua dentro do mato.
_ Eu topo Vô, estou aqui pra isso.
Após dormir por duas horas, levantou, pegou uma laranja e uma maçã e foi comer na varanda, eu estava na sala lendo uma revista, observei seu movimento e fiquei curtindo. Ele descascava a maçã sem pressa, cortando a casca bem fina, depois descascou a laranja de umbigo para comê-la em gomos. Tirou toda a parte branca, calmamente, e saboreou a fruta. Me chamou a atenção porque eu não tinha paciência para tal, a pressa e a vontade de comer, eram maior. Em apreciar aquilo o Vô Augusto me passou a calma, a tranqüilidade e a serenidade .
Depois de comer as frutas, chamou Dona Lurdes e pediu que preparasse alguns alimentos para levarmos, pois iríamos dar um passeio no outro dia, e que chamasse José, seu marido. José chegou a noitinha, estávamos jantando uma macarronada feita por nós dois, rindo e bebendo vinho, com moderação.
_José, por favor, amanhã cedo, após tirar o leite, prenda e encilhe os cavalos, o Zaino e a Preta, junto com meu neto vamos fazer um passeio até a Serrinha.
Após a janta, caminhamos até a beira do lago, o céu estava estrelado, sentamos no trapiche e o Avô Augusto me contou coisas de sua infância, de passeios longos que havia feito com seu pai, de como sua mãe era carinhosa com ele, e mesmo depois de adulto ela ainda gostava de pegá-lo no colo e chamá-lo de “meu nenê”. As dificuldades quando começou a trabalhar, eu escutava com atenção e interesse as suas histórias.
Na manhã seguinte, me acordou, o café já estava na mesa, tudo preparado pela Dona Lurdes, pães, bolo, omeletes, suco, uma refeição e tanto. Saímos da mesa e fomos até o galpão, José já estava esperando com os cavalos encilhados e prontos. Eu gostava do cheiro do galpão e dos cavalos.
Estava um lindo dia de sol, montamos e saímos a passo.
Achava legal o estilo do Vô, uma velha calça jeans, tênis Reebok, camisa xadrez, e um charmoso chapéu tipo “Indiana Jones”. Ele montava muito bem, andava a cavalo tão à vontade como se estivesse caminhando na rua. O passeio foi muito legal, por trilhas e estradas secundárias, passamos por vários riachos, rios, lagos, muito mato nativo e florestas de pinheiros. O Vô conversava, contando histórias e falando coisas interessantes sobre a vida e a natureza. Ele aproveitava qualquer pequeno evento para falar de grandes verdades.
Em uma parte do caminho encontramos um homem que ia a pé carregando nas costas um saco de mantimentos para sua casa, cumprimentamos e seguimos, mais na frente, o Vô parou, apeou numa sombra, pegou o cantil, bebeu um gole de água e esperou o homem até que nos alcançasse. Ofereceu o meu cavalo. Meio contrariado, o homem aceitou a ajuda. Montei na garupa do cavalo do Vô e seguimos a passos. Para ser bem sincero mesmo, num primeiro momento, achei um saco. O Vô fez uma gentileza pro cara, mas quem se ralou foi eu que tive que ir desconfortável atrás dele. Em seguida começamos a conversar e essa sensação mudou, senti o maior prazer em me ralar um pouquinho para ajudar o pobre homem. Nem tampouco demorou muito e chegamos na humilde casa do agricultor, quatro filhos, tipo escadinha, correram para ajudar o pai. O homem olhou nos olhos do Vô e disse:
_ Muito obrigado senhor, me ajudou muito. Se precisar de algo, estou a sua disposição.
_ Por nada, amigo, foi um prazer. Disse o Vô.
Seguimos e contei pra ele o que havia sentido, inicialmente, quando o Vô deu o meu cavalo pra ele e eu tive que ir na garupa. E que depois, tendo conhecido o cara, me senti bem em tê-lo ajudado. O Vô me ouviu atentamente e disse:
_ É, meu filho, quase todas as pessoas querem ajudar algum necessitado, se sentem bem fazendo isso, entretanto, quase todas as pessoas, não querem abrir mão do seu conforto para prestar essa ajuda. Geralmente ajudam, mas sem que isso traga qualquer prejuízo maior. Acho que a humanidade só vai melhorar realmente em todos os sentidos, quando despertar que ser egoísta não é o caminho, isso entre as pessoas, empresas, entidades e países.
A trilha começou a estreitar cada vez mais, apeamos e a pé puxamos os cavalos. Lentamente comecei a ouvir o ruído da cascata, a cada minuto de caminhada ficava mais e mais alto. Enfim chegamos, era o paraíso, o ruído da água era tão forte que tínhamos que falar bem alto para conversar. Borboletas festejavam a beleza da natureza. A água era cristalina. A cascata tinha 30 metros, ficava totalmente dentro da mata. Havia uma pequena clareira que chegava a uma pequena praia de areia junto ao lagoão onde caía a cascata. O Vô desencilhou seu cavalo, puxando pelas rédeas, levou até dentro dágua e deu um banho, amarrou o animal em uma árvore e só então foi tomar seu banho. Observei e fiz o mesmo.
Nadamos, mergulhamos e brincamos bastante, saímos da água e o Vô preparou um lanche. Fez fogo e com auxilio de uma pequena grelha, assou lingüiça, tomates e cebola que colocamos no meio do pão francês. Não lembro de ter comido lanche mais saboroso. Antes de irmos embora, limpamos tudo, inclusive o lixo que não era nosso. Na saída o Vô olhou para a cascata, em seguida olhou para cima e disse:
_ Obrigado senhor, por fazer esse lindo jardim para nos alegrar.
Durante a volta, quando descíamos uma barranca de pedras para cruzar um rio, o cavalo do Vô escorregou e caiu, o Vô, com muito reflexo e perícia, só levantou a perna para não ser esmagada pelo peso do cavalo e rolou para trás, nada grave aconteceu, somente escoriações leves no cotovelo. O cavalo se machucou um pouco mais forte, por ter caído nas pedras, ficou sangrando em um corte acima do joelho.
O Vô, primeiramente sentou-se no chão encostado em uma pedra, respirou fundo, olhou para mim sorrindo e disse:
_ Não te assusta meu guri, as vezes podemos cair do cavalo. Mas não houve nada, meu filho, fique tranqüilo.
Levantou, pegou o cavalo pelas rédeas, desencilhou, levou até o rio, lavou e limpou bem o ferimento com sabão e amarrou um pano. Voltou para a margem e calmamente encilhou o Zaino, como era chamado seu cavalo. Montou novamente, cruzamos o rio e seguimos o passeio.
_ É, filho, se estivéssemos em casa, na segurança da minha sala, assistindo TV, com certeza isso não teria acontecido. E deu uma boa gargalhada.
Para encerrar com chave de ouro, na chegada ao sítio assistimos a um lindo por do sol. Daqueles que o céu fica todo colorido e a passarada se alvoroça. Me senti cansado, larguei o cavalo no galpão e fui para dentro de casa, tomei água gelada, deitei no sofá, tirei as botas, fechei os olhos e relaxei por alguns minutos. Achei que o Vô também já estava vindo para dentro de casa, como não apareceu fui a sua procura, cheguei no galpão, ele já tinha desencilhado e dado banho nos dois cavalos, conversava e fazia carinho no seu cavalo como se fosse uma criança. Passou medicamento no ferimento que já não sangrava e soltou o animal. Somente depois de cuidar dos animais e guardar todos os apetrechos que usamos no passeio, ele foi para casa, tomou um banho e foi para a cozinha.
_ O que você quer jantar filho ? Perguntou ele.
_ O senhor é que sabe. Respondi
Abriu o refrigerador e disse:
_ Bendita Dona Lurdes. A nossa janta já está pronta, meu filho. Coloque a mesa, enquanto eu aqueço.
A Dona Lurdes Havia deixado pronto uma bela janta, charque à mineira, feijão mexido e uma salada apetitosa.
Jantamos com música, o Vô ligou o seu toca-discos e colocou um bom e velho vinil do Grand Muller e orquestra.
Após a janta, preparou uma caneca de chá e foi caminhar até o lago. Sentado em uma cadeira na varanda, fiquei olhando o Vô. Achava que ele tinha ido buscar algo. Estava uma noite quente e com luar. Ele caminhou um pouco e quando terminou o chá, voltou.
_ Vô, que o senhor foi fazer lá no lago ?
_ Fui fazer uma coisa muito complexa. Você não sabe ?
_ Não.
_ Fui escutar os grilos e ver os reflexos da lua no lago.
Eu estava bastante cansado. Não entendo de onde o meu avô tirava tanta energia. Caí morto na cama e ele ainda ficou lendo um livro.
Acordei cedo, estava chovendo e a temperatura tinha caído bastante, ideal para continuar deitado na cama só escutando os pingos.
_ Vamos lá gurizão, já são 8 e meia, levanta ! Não gosto de tomar café sozinho. Gritou o Vô.
Levantar cedo para tomar um café com meu avô, para mim, sempre foi um ótimo programa. Ele estava com um ótimo humor, tomamos um gostoso café e damos boas gargalhadas com suas histórias de conquistador, na juventude. A Dona Lurdes chegou e começou a fazer o almoço. Vovô agradeceu e elogiou muito o jantar que ela deixou preparado no dia anterior. Passamos para a varanda, do lado de fora da casa, e continuamos a conversa. Então eu toquei em um assunto que achava que seria delicado, entretanto não foi:
_ Vozinhô... hmm
_ Fale o que pensou ! Disse ele, olhando ao longe.
_ Ontem à noite, quando o senhor foi caminhar e disse que teria ido escutar os grilos...
_ Sim, o que tem ? Eles estavam grilando. He he
_ Sei lá, eu achei que o senhor teve um momento melancólico e lembrou da vó. Então saiu para dar uma caminhada e pensar nela. Foi isso ?
_ Não filho. Não foi isso. Não tem nada a ver.
_ Então desculpe Vô. Eu viajei mesmo.
_ É o seguinte filho: Tive muito amor na minha vida. Eu e sua avó curtimos um grande amor durante toda a vida, criamos os filhos, trabalhamos, tivemos amigos verdadeiros, conquistamos coisas e sonhos, viajamos...fomos em todos os lugares. Foi muito bom. Aliás, “é” muito bom. Porque tudo isso está aqui dentro guardado. E o que mais importa senão as sensações ? Não sou triste por ela ter morrido antes de mim. Alguém teria que ir antes, e acho bom que tenha sido ela, sei que ela sofreria muito a minha falta. Cada fase da vida tem suas coisas mas tudo está certo. Hoje, não sinto falta de amor na minha vida. Talvez por estar totalmente saciado da quantidade de amor que alguém pode ter recebido na vida. Então lambo os beiços, olho para cima e digo: Muito obrigado, foi muito bom. E observo à minha volta o que tenho de bom e o que posso fazer que me dê prazer e alegria... ter um bom cavalo, passear com meu neto, tomar um gostoso chocolate quente na varanda, plantar minha horta, ler meus livros, ter alguns amigos... e sou muito feliz assim.
Vi no meu avô uma pessoa resolvida, sem mágoas com a vida. Pensei: Quem me dera, chegar na sua idade assim com uma cabeça legal, alegre e disposto.
Dando uma olhada no galpão, achei uma linha de pesca, fui convidar ele, estava lendo, não quis incomodá-lo. Peguei uma cadeira de praia e umas minhocas e fui até o lago tentar a sorte. Me instalei no trapiche, peguei somente um peixe pequeno, devolvi para a água. Estava voltando para casa para o almoço e de longe vi o Vô me observando, sentado na varanda.
_ E aí pescador, como foi ?
_ Não peguei nenhum peixe que desse para comer. Acho que realmente não sei pescar. Falei desanimado.
_ Não fique triste filho, à tarde, após o almoço vamos dar uma tentada se achamos por onde eles andam. Queres ?
_ Claro. Vamos sim.
Naquele dia Dona Lurdes serviu o almoço na varanda lateral, era um ambiente muito gostoso e aconchegante.
O cardápio foi uma macarronada com um gostoso molho de legumes e azeitonas pretas, o Vô abriu um vinho tinto e serviu um cálice, pediu para que Dona Lurdes preparasse um suco de laranjas pra mim. De sobremesa, uma ambrosia. Foi um almoço simples mas marcante. O Vô comia com calma e sempre contando suas interessantes histórias. Para completar tomamos um chá. Damos uma caminhada até o galpão, depois ele foi para o seu quarto, leu um pouco e dormiu outro tanto. Eu também dormi, no sofá da sala, estava folhando umas revistas velhas e o tic-tac do relógio de parede me hipnotizou, quando me dei por mim já estava acordando. O Vô estava na varanda comendo uma maçã.
_ E aí pescador, vamos ? Disse ele sorrindo.
_ Vamos nessa Vô.
Ele pegou alguns apetrechos e equipamentos, descemos até o trapiche, colocamos o bote na água. O mais gostoso era que o pequeno barco não tinha motor, era somente o ruído dos remos, o Vô gostava de remar. Enquanto nos deslocávamos para o meio do lago, o Vô falava sobre as técnicas que utilizava para pescar, dos tipos de iscas, dos anzóis, e vários outros macetes. Fundeamos a pequena embarcação de madeira no que parecia ser o meio do lago. Colocando em prática as técnicas do Vô, saí na frente, em poucos minutos fisguei dois peixes de um quilo, o Vô pegou um bem pequeno que devolveu para a água.
_ Meus parabéns pescador, tu estás te indo muito bem mesmo. Disse ele faceiro.
Se passaram mais 30 minutos e não pegamos mais nada. Foi sorte de iniciante, pensei. Vô Augusto puxou sua linha, ficou parado observando para todos os lados, o movimento da água, os pássaros e sei lá o que. De repente puxou a pequena âncora, e remou mais alguns minutos, enquanto remava me disse:
_ Nós aqui, somos como deuses senhores da vida e da morte, lançamos as linhas e escolhemos quem vive ou quem morre e ainda é comido frito. Para os peixes, que não tem consciência de nada disso, apesar de estarmos fisicamente muito próximo deles, estamos em outro mundo, inatingível e incompreensível para eles.
Fiquei pensando que o Vô deve ter lido algum livro de ocultismo.
Fundeou novamente e reiniciamos a pesca. Fisguei um pequeno, devolvi. Então ele fisgou um peixe lindo, tinha 4 quilos, sabiamente o Vô foi cansando o animal, dando linha e puxando, dando linha e puxando, se puxasse de uma só vez podia arrebentar a linha ou o beiço. Depois daquele de 4, ele ainda pegou outro de dois quilos. Voltamos para casa tranqüilos, alegres e faceiros. Vô Augusto remava devagar mas continuamente, assobiava uma alegre canção. Aquela pescaria com meu avo foi um dos momentos mais gostosos de minha convivência com ele. Enquanto ainda voltávamos e o sol se punha, pedi para remar um pouco e perguntei:
_ Vô, me diz...
_ Fala pescador.
_ Tu andou lendo livros de ocultismo ?
_ Até andei lendo mesmo. Mas essa conversa de “sermos deuses” é mais ou menos assim mesmo. Para certas coisas na nossa vida, somos deuses. Para outras, somos formigas.
Chegamos em casa e ele me disse:
Precisamos de boa companhia para comer esses peixes !
pelo telefone o Vô convida um casal de amigos que moravam em um sítio próximo. Ao som de Glenn Muller e sua orquestra, o Vô Augusto foi para cozinha, sua alegria estava contagiante. Fui escalado de auxiliar de cozinha.
_ Descasque essas batatas.
_ Por favor, vá até a horta e colha um molho de manjericão e outro de manjerona.
_ Descasque esses dentes de alho, por favor, filho.
_ Abra o vinho !
_ Coloque a mesa com a toalha branca.
_ Abra o vidro de alcaparras e depois tire o caroço das azeitonas.
Eu achava muito legal o meu avô na cozinha.
Ficou um cardápio dos deuses, o peixe foi grelhado e com legumes refogados como acompanhamento. Chegaram os vizinhos, para nossa surpresa trouxeram junto uma parente que estava passando uns dias por lá. Era Maria Helena, uma interessante mulher de 52 anos, alegre, elegante e bonita. Sentamos à mesa, jantamos, o meu avô e o vizinho contaram muitas histórias de cavalgadas e pescarias, Maria Helena, que era juíza, falou das injustiças do seu trabalho. Acabamos de jantar e continuamos à mesa conversando. Tirei a louça e servi um chá. O Vô Augusto levantou-se caminhou até o toca discos, procurou um disco, colocou um jazz lento, cantado por Billy Holiday, aumentou o volume, foi até a mesa e perguntou para Maria Helena:
_ Gosta de dançar ?
_ Muito. Respondeu.
Educadamente pegou sua mão, conduziu-a até o meio da sala e dançaram. Dançando eles conversavam amenidades e sorriam um para o outro. Estavam muito alegres. O casal de vizinhos também dançaram uma ou duas, depois fomos sentar na varanda, onde contaram mais algumas histórias, eu só escutando.
Na manhã seguinte acordei cedo, aproveitei que levantei antes do Vô e preparei um café pra ele, servi na varanda. Ele apreciou muito, apesar de eu não saber preparar nenhuma gostosura das que ele fazia pra mim.
Em seguida chega Dona Lurdes, o que foi muito bom, pois havia toda a louça da noite anterior para ser lavada.
Durante a manhã ele me ensinou a fazer uns trabalhos de marcenaria. Almoçamos. Após o almoço o Vô dormiu um pouco. Acordou e me convidou para dar uma caminhada até o alto de um morro próximo. A trilha era muito bonita, uma parte por mata nativa e outro trecho pelo bosque de pinheiros. Cruzava também pequenos córregos. A subida era bastante íngreme e de vez em quando ele parava de caminhar, encostava-se por alguns minutos em uma árvore para retomar o fôlego. Numa dessas paradas ele me disse:
_ É filho, a vida é mais ou menos como subir um morro, você passa a maior parte do tempo querendo chegar lá em cima, no topo, imaginando que de lá, olhando tudo de cima, vai se sentir seguro e tranqüilo. Se correr muito pode morrer do coração e nunca chegar. Se andar muito lento, pode morrer de velho pelo caminho e além disso se sente mal em ver os amigos passarem por você. Então a vida mais ou menos te obriga a manter um ritmo forte. Uma passada firme, não pode relaxar. Um belo dia, ou não tão belo assim, você chega lá, bem no topo. Então parece que tudo perde a graça, então você se dá conta que a caminhada é que foi a vida. Com quem você caminhou. Quem te ajudou. Quem secou tuas lágrimas e riu contigo.
Continuamos, observei que o Vovô não recuperava mais o fôlego e suava demais.
_ Vô !
_ Fale filho. Respondeu ofegante mas sem parar de caminhar.
_ Tô cansado. Quem sabe voltamos daqui ?
Então ele parou de caminhar, olhou para mim sorrindo e disse:
_ Filho... Não te preocupes comigo, estou bem. Não beba toda a água de uma só vez, me alcance o cantil, por favor.
Continuamos, aproximando-se do topo saímos de bosque de pinheiros e entramos numa região descampada e com vegetação rasteira. A vista era muito linda. O ponto mais alto da região. Caminhamos até a parte mais alta do cume, sentamos numa pedra e o Vô tirou da bolsa uma faca, laranjas e maçãs. Contemplamos a paisagem. Após alguns minutos sem falarmos nada, olhando para o horizonte ele disse:
_ Sabe filho, esse lugar aqui é um dos lugares mais puros que conheço. Isso só porque o homem ainda não chegou aqui com seus condomínios e lixos.
Quando morrer, se possível, gostaria que meu corpo fosse enterrado aqui no alto desse morro, para que volte de onde saiu, da terra. Meu espírito, sinceramente, não faço a menor idéia para onde possa ir, se é que vai para algum lugar.
_ O senhor não vai morrer, Vô.
_ He he... Claro que vou, meu filho, a única coisa certa que há na vida é que todos vamos morrer. Mas não é motivo de angústia, é natural, é normal. Da mesma forma que nascem centenas de crianças a todo minuto. Sei, ficamos tristes quando morre uma pessoa querida, mas o caminho natural da vida é esse. Veja aquela águia voando, milhares de gerações de águias nasceram e morreram aqui nessas montanhas até que essa aí passasse voando por cima das nossas cabeças. O meu desejo é que você voe bem alto e que seja o mais livre que puder.
Descemos o morro, chegamos em casa já quase noite, o Vô estava ofegante e cansado. Fez um lanche rápido e foi dormir cedo.
Pela manhã acordei com umas vozes diferentes. Quem será ? Em seguida identifiquei. Eram meus pais que haviam voltado para me buscar. Ainda pela manhã fomos dar uma caminhada, eu, o Vô e meus pais, fomos até uma trilha que não conhecia, próximo do lago. Chegamos com fome.
A mesa do almoço foi colocada na rua, estava linda, com saladas coloridas enfeitando. O dia estava lindo e todos estavam alegres. À noite também foi muito agradável, fomos todos observar o céu estrelado, o Vô identificou algumas constelações, aproveitando para mostrar seus conhecimentos em astronomia. Foi um dia que para sempre ficou muito vívido na minha memória.
No dia seguinte parti com meus pais. Em seguida começaram as aulas e naquele verão não voltei mais no sítio. Durante aquele ano letivo me apaixonei por uma colega que pertencia a uma série acima da minha. Ana era maravilhosa e um ano mais velha do que eu. Fiquei tão apaixonado que até comecei a ir mal nas provas do colégio. Quando eu a via desembarcando do carro dos seus pais na frente da escola, meu coração disparava, ela sorria pra mim e eu derretia todo, um verdadeiro abobado. Terminou o ano letivo, passei todo o período de férias namorando. Fiz uma terna amizade com os pais dela. Estando na sua casa me sentia completamente à vontade. Durante o período de férias somente visitei o Vô uma vez, junto com meus pais e, logicamente, a namorada, fomos em um dia e voltamos no outro, quase nem conversei com o Vô. Durante aquele verão fui convidado pela sua família para veranear na casa de praia deles, foi muito bom, me sentia no céu com ela de namorada. Em seguida já começou outro ano letivo. Já haviam se passado dez meses de namoro e eu já pensava até em casar. Um Domingo à tarde estava na casa dela, estávamos no sofá assistindo um filme, tocou o telefone, ela atendeu, seu rosto ficou vermelho, visivelmente atrapalhada, deu respostas curtas e evasivas. Do tipo: Aham... é... Depois ... Não... tá... nos falamos ... tchau.
_ Quem era ? perguntei.
_ Uma amiga.
_ A tá. Uma amiga ? E porque ficou vermelha ?
_ Eu, vermelha ? Tá louco cara ! Não pega no meu pé !
Pra encurtar o caso, no outro dia, durante o intervalo das aulas, um colega me chamou em separado e me deu a triste notícia que não queria ouvir: Ele teria visto Ana, Sábado à noite, entrando em um carro com um cara bem mais velho do que nós. E os viu se beijando. Naquele Sábado ela me mandou pra casa mais cedo porque queria dormir.
O mundo desabou pra mim. Foi horrível. Imediatamente fui correndo falar com ela, atrapalhei uma aula e fiz um vexame. Ela saiu da aula e no corredor já pressentindo o que estava acontecendo disse:
_ Desculpe, não tenho mais nada pra falar contigo. Pega os teus CDs e tuas coisas com a empregada lá na minha casa quando quiser. Desculpe. Tchauzinho. E voltou para sala de aula.
Ficou tudo preto e branco. Chorei a perda. Tive dificuldades para passar para o ano seguinte, precisei fazer várias provas de exame. Estudei e passei para o ano seguinte. Já de férias, ainda estava muito triste. Até porque, por namorar Ana por todo aquele tempo me desenturmei dos amigos. Fiz a mochila e fui para o sítio. Chegando lá o Vô me recebeu com muita alegria.
_ Dona Lurdes. Almoço especial hoje, por favor, porque meu neto está aqui e ele é muito especial. Disse ele sorrindo.
Sentamos na varanda, o Vô descascava uma laranja enquanto conversávamos.
E aí pescador, e a noiva ? Quando é o casamento ? Disse sorrindo.
Emocionado e com os olhos rasos dágua, contei toda a história pra ele que ouviu atentamente.
_ Sinto muito filho. Os relacionamentos são assim. Tanto podem durar para sempre sendo a cada dia melhor do que o outro. Como podem haver mudanças de rumo de uma ou outra parte, por um motivo ou outro. O que importa é que se não está bom para um, já é o suficiente para não estar bom para ambos. Pois para haver equilíbrio tem que haver desejo das duas partes.
_ Mas estou muito triste, Vô.
_ Não pescador, tu não está triste. Estás machucado e te sentindo pequeno por causa da traição. Isso vai passar.
_ Sei que é idiotice mas meu desejo é passar na frente da turma com uma namorada linda, só pra provar pra ela que não me afetou.
_ Creio que não deves pensar assim filho. Não tens que provar nada pra ninguém, senão pra ti mesmo. Pense que se não deu certo é porque é o melhor para ti. E com certeza vão aparecer outras oportunidades. Tu estás recém começando tua carreira de relacionamentos. Tente manter um sentimento de amizade por ela. Não tenha raiva. Mesmo que ela tenha te dado motivos. Se essa moça for inteligente como me disseste, mostre pra ela que perdoou. Estarás dando uma verdadeira lição de vida nela.
Após o almoço, que estava maravilhoso, - tinha até sagú – fui dar uma caminhada até o lago, sentei no trapiche e fiquei pensando sobre o que o Vô me dissera. No outro dia cedo tomei café com o Vô e peguei a estrada, voltei para cidade.
- Tenho coisas a fazer. Disse para o Vô, que nada me perguntou.
Cheguei em casa fiz um cartão com os dizeres:
“Ana, sinto muito que não tenha dado certo. Te perdôo e compreendo com todo o meu coração. Amigos. “
Comprei uma rosa branca e entreguei junto com o cartão para sua empregada. Voltei para o sítio, aliviado, me sentindo bem melhor, apesar de ainda sentir um nó na garganta quando lembrava de seu sorriso. Cheguei a tardinha, o Vô estava tirando as encilhas do seu cavalo, havia feito um passeio até o topo do morro à tarde.
_ Tudo bem, Pescador ? Como está tudo, lá na cidade ? Perguntou ele com seu habitual bom humor.
_ Está tudo bem, Vô.
Embora não tenha me perguntado, senti que ele estava aflito, que não estava entendendo o que estava acontecendo com seu neto. Depois de lavar e soltar o cavalo no campo, fomos caminhando em direção à casa, ele me abraçou carinhosamente.
_ Vamos tomar um café na varanda ?
_ Sim Vô, vamos. Respondi.
Fez suco de tangerina pra mim, passou café pra ele e por fim abriu a geladeira e trouxe uma deliciosa torta de chocolate com morangos – colhidos na horta -. Sentamos à mesa da varanda, num clima muito agradável, saboreamos a torta e tivemos um maravilhoso momento de harmonia. Contei pra ele sobre Ana, o que sentia, o cartão, e que havia feito, inspirado no que ele havia me dito no dia anterior.
_ Meus parabéns filho, você agiu muito bem.
No outro dia o Vô me acordou cedo.
_ Bom dia. Você sabe usar um machado ? Eu só abri os olhos, ainda meio perdido. E ele parado na porta do quarto continuou :
_ O seu suco já está na mesa. Temos trabalho essa manhã, filho. Vamos cortar uma árvore que caiu no meio da trilha e impede a passagem.
Para mim quilo não era trabalho algum. Era puro prazer. Tomamos o café, encilhamos os cavalos, munidos de machados e a moto-serra, saímos ainda cedo para a tarefa.
Passamos toda manhã no local, era uma grande árvore que havia caído com uma ventania, cortamos as toras grandes e arrastamos com os cavalos, os galhos menores, que seriam aproveitados como lenha, cortamos e fizemos fardos que arrastamos com os cavalos até o local onde se pudesse chegar com a caminhonete. Já eram 13 horas quando, cansados, estávamos chegando em casa, de longe vimos, junto da casa, um carro vermelho.
_ Não tenho a menor idéia de quem possa ser, Pescador.
_ Tampouco eu, Vô.
Curiosos fomos nos aproximando, apeamos no galpão e amarramos os cavalos sem desencilhar. Chegando na porta da cozinha, a Dona Lurdes olha pra mim e diz :
_ Tem visita pra você, rapaz. Está na sala, aguardando desde às 10 horas.
_ Olá ! Disse Ana, me surpreendendo. Fiquei alguns segundos sem saber o que fazer ou pensar.
_ Vou desencilhar os cavalos. Disse o Vô.
_ Oi Ana. Tudo bem ?
Ela estava sentada em uma poltrona, sentei em uma outra que havia na frente.
_ Sim, tudo bem... Eu vim aqui pedir desculpas por ter feito o que fiz. Não agi correto com você que sempre foi muito legal comigo. Há varias formas de dizer para o namorado que não se quer mais continuar. Eu escolhi a pior. Fui muito má. Me perdoe...
_ Sim Ana, claro que eu te perdôo. Embora esteja machucado e saiba que nosso namoro terminou realmente e isso seja o pior pra mim, tenho muito carinho por ti. Levantamos, dei um abraço de irmão e um beijo de tia. Ela me olhou com os olhos rasos d’água e disse sorrindo:
_ Obrigado. Me sinto bem melhor.
Insisti que almoçasse mas não quis, fomos até o galpão, se despediu do Vô com um beijo, entrou no carro e foi embora. Fiquei me sentindo muito estranho, tinha motivos para ficar triste, por não ter dado certo; e motivos para ficar alegre, pois já que terminamos, pelo menos ficamos amigos. Ficou um silêncio... um vazio.
Dona Lurdes chamou para o almoço, a comida estava na mesa, sentei, estava com um aperto no peito.
_ Desculpe Vô. Está tudo bem, mas não vou poder almoçar com o senhor. Fiquei sem fome. Vou dar uma volta.
_ Não tem problema, filho. Sinta-se à vontade.
Encilhei meu cavalo e saí a galope pelo campo, segui por uma estrada que é coberta de grandes árvores, continuei a galopar, me corria lágrimas, algumas eram por causa do vento.
O cavalo cansou, parei em uma ponte de madeira. Dei água e amarrei o animal em um galho de árvore, sentei em uma pedra, fiquei observando a correnteza da água. Na verdade nem estava vendo nada, estava acalmando meus leões e me harmonizando.
Cheguei em casa à tardinha, desencilhei o cavalo, comi uma maçã e fui dormir, estava cansado.
Pela manhã, durante o café, conversamos bastante sobre amores. O Vô me contou sobre um caso que ocorreu durante sua vida, disse que tentou não ver, não sentir, mas não teve controle sobre a situação.
_ Conte mais Vô, estou gostando disso.
_ É a primeira vez que falo sobre isso, filho. Que fique somente entre nós, amigos.
_ Com certeza, Vô.
_ O seu perfume me embriagava, deixava fora de controle, tentava desviar o pensamento mas não conseguia, quando a via, me incendiava de paixão. Só consegui administrar essa energia depois que experimentei todos os seus sabores, e de novo e de novo.
Foi muito bom, mas também foi muito ruim. Fiquei com muita culpa. Gostaria que não tivesse acontecido. Antes de acontecer isso na minha vida, eu era diferente, tinha uma sensação que meu casamento era perfeito, que eu era um homem totalmente íntegro. Me senti controverso quando descobri que eu também tinha o meu preço, e que não tinha a lealdade e pureza que julgava ter.
_ E alguém ficou sabendo ?
_ Não filho, nem meu melhor amigo ficou sabendo. A primeira pessoa que toma conhecimento, és tu, e somente agora que o trem já passou a muito tempo. Não te decepcione com a integridade do teu Avô, filho. Sou uma pessoa absolutamente normal, tenho fraquezas... mas tenho fortalezas também.
_ Não estou decepcionado Vô. De forma alguma. Mas me diz: Como terminou a história ?
_ Conversamos, ela era uma mulher muito inteligente, concluímos que foi muito boa a aventura mas não deveríamos continuar. Não seria bom para ninguém. Combinamos uma despedida festiva e terminamos definitivamente. Ela acabou casando com um conhecido, nunca mais me olhou com cobiça, ficamos amigos. Passei um tempo meio triste, mas a vida continuou.
Passei mais uma semana no sítio com o Vô, me contou muitas outras histórias desde sua infância até outras mais recentes e divertidas, rimos muito. Foram dias e horas de puro prazer, que passaram muito rápido, mas que nunca sairão da minha memória.
Voltei para cidade, fiz uma viajem para praia com a família, sem namorada aproveitei para fazer muitos amigos e amigas, coloquei os pensamentos em ordem e voltei com toda a força para o último ano do colégio. Durante esse ano tive uns namoricos com uma e outra garota do colégio, mas nada sério.
No meio do ano conheci Rachel, era namorada do Rafael, um amigo, desde a primeira vez que a vi nos sintonizamos de uma forma arrebatadora. Não queria me apaixonar por ela, desviava o pensamento, namorava outra. Mas a coisa só ia crescendo. Cada vez que nos encontrávamos era uma loucura, ficávamos conversando o tempo todo. Aquilo começou a complicar a minha vida. Me sentia um canalha. O namorado dela, meu amigo, nada percebia, só queria jogar futebol e assistir filme pornô trancado no quarto com os amigos. Uma noite foi toda a nossa turma de amigos a uma pizzaria comemorar um aniversário, eu e Rachel sentamos próximos e passamos o tempo todo contando histórias, tagarelando bobagens e bebendo, parecia que não havia mais ninguém ali, éramos só nós. Na realidade não sabia se ela também estava gostando da novelinha ou se só me achava um cara legal para conversar. Nessa mesma noite, quando chegava em casa já tarde da noite – meio bêbado – abri a porta de casa e o telefone tocou, imediatamente atendi:
_ Alô !
_ Que alô nada cara. Tô ficando louca por ti ! Entendeu ?
_ Rachel ?!
E ela desligou. Mal consegui dormir aquela noite. Será que não era ela ? Ou foram meus amigos me sacaneando... pensava. Uma loucura gostosa.
No outro dia esperei na frente do colégio, passou por mim fingiu que nada houve.
_ Oi, tudo bem ? Cumprimentei todo faceiro e com o coração saindo pela boca.
_ Tudo. Não viu o Rafa ? disse ela segurando o riso com um cinismo debochado.
_ Não, não vi.
_ Tá, tchau ! E se foi pra aula. Ou estou enganado ou é louca mesmo. Pensei alto e já mudando meu foco de atenção.
Alguns dias depois estava na lancheria do colégio e chega o Rafa, me olhou e disse:
_ Cara, precisamos conversar !
_ Fale, o que houve ?
_ Sabe a Rachel ? To traindo ela, e to apaixonado pela Adriana. Não sei o que fazer.
_ Seja um cara legal. Diga que não quer mais e termina o namoro. Daí tudo termina bem.
_ Poisé... vou ter que fazer mesmo. Respondeu ele coçando a cabeça.
O que aconteceu mesmo é que ele não fez nada, em seguida Rachel ficou sabendo e terminou o namoro ela mesma.
Alguns dias depois, estava conversando com alguns colegas no bar do colégio. Como eu sempre falei muito no sítio do meu avô, eles propuseram em um fim de semana fazer um passeio de despedida com toda a turma até o sítio. E aconteceu, fretamos um micro ônibus e fomos em 12 pessoas, 5 garotas e 7 rapazes. Foi um passeio muito legal, apesar de ter chovido um dia inteiro. Mas o mais interessante mesmo é que Rachel era uma das garotas e estávamos cada vez mais amigos e próximos. Sentia que ela me queria mas tinha um medo que me paralisava. Fui progredindo lentamente naquela gostosa exploração. O Vô Augusto adorou, deu aulas de equitação, riu e se divertiu bastante. À noite as garotas dormiram em um quarto e a rapaziada espalhada pela casa.
Na volta fui sentado ao lado de Rachel, conversamos durante toda a viajem. Foi quando fomos nos despedir que segurei seu queixo e beijei seus lábios, ela me abraçou e começamos a namorar naquele instante. O ano letivo terminou e foi tudo bem, agora estava pensando na faculdade.
Durante o verão fui passar uma temporada no sítio com Rachel, estávamos apaixonados, foi maravilhoso, pescamos, fizemos trilhas, cavalgadas e muitos banhos em cascatas. O Vô e Rachel rapidamente ficaram muito amigos. Uma noite estávamos conversando e bebendo vinho após a janta, ele colocou uma música do Grant Müller, tirou Rachel para dançar – ele dançava muito bem, parecia deslizar pelo chão -. No outro dia Rachel me contou que enquanto dançava disse ao seu ouvido:
_ Filha: cuide bem do meu neto. Cuide para que ele, dentro do possível, não sofra. Acho vão ser uma bela família.
Aqueles dias que passei lá no sítio com Rachel e o Vô Augusto, foram os dias mais felizes da minha vida. Quando nos despedimos para ir embora aconteceu algo um tanto incomum. Fui dar um abraço no Vô, como sempre fazia, senti uma coisa estranha, um amor forte, uma saudade, ou felicidade, nem sei bem descrever. Então abracei forte o Vô, fiquei abraçado por alguns segundos, lembro do cheiro da sua roupa.
_ Eu também gosto muito de ti, Pescador. Disse ele sorrindo.
Viajamos para praia com a família de Rachel, quando voltamos, na mesma semana iniciamos os preparativos para a faculdade. No meio do ano prestamos vestibular juntos, passamos. Eu para Direito e Rachel para Nutrição. Estávamos com uma turma de amigos em um bar comemorando, de repente entra no bar meus pais. Vieram me avisar que o Avô Augusto havia morrido. Fiz uma reunião com meus pais e tios que também eram filhos dele, contei que o Vô havia pedido para ser enterrado lá em cima do morro. Não deram a menor importância, enterraram em um cemitério da cidade, daqueles tipo gavetas.
Para surpresa de toda família o Vô Augusto deixou um testamento, nele deixava a casa da cidade e mais um apartamento para os filhos, o sítio e tudo o que estava dentro, para mim, sendo que uma parte ficou para Dona Lurdes e seu marido.
As primeiras vezes que fui lá no sítio depois que ele morreu foram muito triste para mim, Rachel preferia não ir e eu ia sozinho, via ele em todos os lugares, ouvia seus assobios, ouvia seus passos, sentia seu cheiro. Fazia os passeios que costumava fazer com ele. Dona Lurdes e seu marido mantinham tudo em ordem. Eu e Rachel nos formamos no mesmo ano, casamos e tivemos dois filhos. Continuamos muito felizes, trabalhamos nas nossas profissões, passamos as férias e sempre que podemos vamos para o sítio.
Nunca cultuei o corpo, entretanto, para realizar o desejo do Vô, após passarem-se muitos anos, Providenciei para que os restos mortais do corpo do Vô Augusto fossem cremados.
Caminhando subi o morro do sítio, como ele costumava fazer, era um dia de vento, me senti alegre em poder realizar o desejo dele. Chegando no topo, abri o pote e joguei o pó do que restara de seu corpo, ao vento.

FIM
EM 2 OUTUBRO DE 2001
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