HOMENAGEM-
AOS HOMENS DE MÁQUINA.
Ana Zélia
AOS HOMENS DE MÁQUINA, A MEU TIO ELIAS MESQUITA DE SOUZA, desaparecido em Belém do Pará em 1962, após ter saído de Manaus no N/M RIO JAMARY e em especial aos amigos maquinistas.
Homens-crianças que durante toda a vida brincam.
Seu brinquedo predileto- As Máquinas.
Tua infância por certo foi a de sempre brincar com cacarecos. Agora crescidos continuam a colecioná-los. São pequenos parafusos, aruelas, arames, grampos, alicates, chaves de toda a espécie, lâmpadas, fios, cabos.
Se teu brinquedo é mais sofisticado colecionas também mapas, plantas baixas, painéis, gravuras, etc. etc...
Quando crescerás? Quando? Por certo nunca, pois quando a velhice chegar ou te bater a porta, terás contigo a felicidade de continuares criança, POIS TEU BRINQUEDO NÃO MUDARÁ.
Os cacarecos estarão sempre presentes em qualquer lugar do teu lar e transferirás por tradição a teus filhos que te deu alegrias infindas, te fundiu a cuca, te embranqueceu os cabelos, quase te levou á loucura. Tanta preocupação te deu.
Mesmo curvado pelos anos, contarás a teus filhos, a teus netos, tuas aventuras que foram tantas, amorosas, sempre em cada porto uma concorrente, um passatempo momentâneo, uma suporta rival, uma ilusão banal.
Ainda assim te restará o porto por onde passaste tantas vezes de porte erguido, ombros largos, capanga nos braços, roupa branca ou o cáqui tradicional, característica de que o óleo só se coaduna com ele. O branco é para as ocasiões especiais. O símbolo sagrado de tua profissão. As palhetas da mulher amada em ouro maciço. Quem não as inveja.
Ninguém conseguiu ou conseguirá receber de ti mais carinho que ela. As mulheres que te amam, que tentaram ser dela rival, sofrem na pele a rejeição por amor a ela. Quando a manhosa quer carinho, reclama, finca o pé, bate pino. Pará. Aí toda a equipe se movimenta, correm de um lado para o outro. É tão manhosa que se óleo que a alimenta derrama sobre sua pele macia, ela exala um cheiro forte de queimado assustando a todos os seus servos. Tantas vezes prega peça. Quando até fumaça deixa transpirar pela chaminé da caldeira.
Outra hora a matreira colabora. Ai seus servos passam a ser senhores e cheios de si exclamam; principalmente em passagem de quarto. “Tá manso!”, “Tudo safo!”. A terminologia que usam difere da popular, tudo nela é exclusivo.
Mulher brejeira, ta ai. Vem a gíria diferente pra confundir aqueles que nem percebem o que ela é. Á pé de galo!, de coruja!. Nada mais é que tudo bem. A terminologia das máquinas não difere da linguagem universal, mas pelo jeito de ser dela, tudo lhe é especial.
Maquinistas, motoristas fluviais, chefes de máquinas, Supervisor, mecânicos navais. Amas tanto a esta mulher que por ela perdes tua juventude, paz, até teu lar. Por ela, trocas os carinhos de tuia esposa e de tuas mulheres, o conforto do teu lar, lares, dás tudo de ti a ela, mas ela também retribui. Ou te dá fama, glória ou te destrói. Tua falha com ela jamais será perdoado. Chegam a dar tantos ápodos que por horas te confundem, se és maquinista ou servo relapso, empregado desqualificado, imperito, negligente até e tantos outros.
Se a perfumas demais ou se a ingrata está com sede e bebe mais óleo que o necessário, passas a ser bebedor de óleo e não ela. Quanto sofres e quanta preocupação dá aquém te ama por culpa dela.
Recebes um premio se vacilas o desemprego. Teus filhos, família, todos pagam, porque pra marinheiro sem navio é barco sem rumo, perdeu a quilha.
Homens de máquina. Como os invejo porque jamais serei maquinista, o preconceito ainda perdura, te invejo porque tua felicidade é infinda, serás sempre homem-criança.
Artigo escrito à bordo do N/C “AMAPÁ”, da extinta ENASA, em 19.02.1985 às 19h.
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Nota da autora- Noventa e nove viagens nos Catamarãs da ENASA, AMAPÁ, RONDÔNIA, RORAIMA, AMAZONAS e PARÁ, consegui ver o que nenhum mortal, a não ser que seja poeta ou apaixonado, as máquinas falam, reclamam e param. Como os humanos, meus amigos quase todos se foram, ou abandonaram os rios, estão ancorados em portos mortos. Manaus, 12.12.2010. Ana Zélia
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