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Artigos-->É proibido proibir!: Modernidade e Tropicalismo -- 10/02/2002 - 16:17 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


É PROBIDIDO PROIBIR!,

MODERNIDADE E TROPICALISMO



Charles Odevan Xavier



O propósito deste artigo é fazer uma análise semiótica da composição É Proibido Proibir do baiano Caetano Veloso. Gravada em 1968 por Caetano com acompanhamento da banda Os Mutantes, a composição foi recebida com vaias nos festivais da época. Passados 35 anos de sua gravação, cabe analisar o texto escrito e sonoro da música, que pode ser vista como um poema programático do tropicalismo.

O começo da audição, marcada pelo atonalismo experimental, tem um clima sinistro como um pesadelo, característica que bem define a arte moderna da qual a composição faz parte. Mas nos acordes seguintes quando Caetano começa a cantar, o andamento passa a ser outro: romântico e melódico fiel ao verso: ?A mãe da virgem diz que não?, apesar de um riff de guitarra distorcido aqui e ali de fazer inveja as bandas de rock pesado de hoje.

E segue: ?e o anúncio da televisão/ estava escrito no portão?. Mostrando que o compositor baiano estava atento a influência da cultura de massa no cotidiano da sociedade da época. O lazer do show anunciado pela TV atrai a moça virgem mas preocupa sua mãe. O poeta de Santo Amaro da Purificação pode estar fazendo uma alusão revolução sexual da pílula anticoncepcional. Ou seja, se agora pode-se transar à vontade sem engravidar, o que impede a moça virgem de começar a chegar tarde arrumar emprego ter sua independência? Um assombro para as mães repressoras da época.

Ainda na mesma estrofe, Caetano canta: ?E além da porta, / há o porteiro, sim!?. Permite várias leituras. Uma delas é a de que as proibições (as portas) não existem sozinhas, não têm autonomia, há sempre um proibidor (um porteiro) por trás delas. E daí cabe aos ?barrados? identificar seus ?barradores?, que podem, inclusive existir dentro de nós internalizados. Outra leitura poderia ser a de que a Arte que sempre cantou o grandioso, o herói, também pode cantar o porteiro humilde, que abre as portas para os magnatas passarem. Ou seja, a temática moderna é outra: dá voz ao sem voz, ao menor, ao sem valor, ao excluído, ao porteiro que não chamamos pelo nome mas pelo cargo. Assim, devemos atentar que além do ônibus, há o motorista; da mesma forma que além do prédio, há o pedreiro, como bem captou a poesia de João Cabral.

Numa mesma estrofe o filho de D.Canô falou de várias coisas ao mesmo tempo, sem nexos coesivos muito fortes e sem maiores explicações, bem ao sabor da escrita moderna: descentrada, não-linear, caótica.

O refrão resume toda a contradição da Modernidade em negar a tradição, o estabelecido, o status quo: ?Eu digo não? e depois negar a negação: ?Eu digo não ao não?, mostrando que a atitude moderna é negativa, destrutiva, confusa. Como bem sentenciou o modernista Mário de Andrade: ?Não sabemos o que queremos, só sabemos o que não queremos?. E fecha com o famoso bordão do Maio francês: ?É proibido proibir!?, um genial paradoxo, quase oxímoro, que manda a lógica pelos ares, ao taxar a proibição da proibição. Em consonância com outros bordões do movimento estudantil francês: ?Sejamos realistas: exijamos o impossível!?, ?Sou marxista, tendência Groucho!?, o proibido proibir revela um descontentamento que a juventude da época tinha com a racionalidade ocidental e seus esquemas limitantes, presentes, inclusive, na esquerda ortodoxa. Uma vontade irreverente e urgente de mudar o mundo não de cima para baixo nem da esquerda para direita, mas de todos os lados, em todos os cantos e brechas. Não só nos palanques ou no parlamento, mas na sala de aula, na rua, em casa, na cama. Ou seja, não apenas mudar o patrão ou o empregado, mas sua mãe, seu vizinho, seu cachorro, seu papagaio, numa verdadeira revolução molecular no entender de Felix Guatarri.

Na estrofe seguinte o lirismo amoroso é retomado: ?Me dê um beijo meu amor? e o arranjo volta a ser melódico, quase uma balada da Jovem Guarda. E segue: ?Eles estão nos esperando/ os automóveis ardem em chamas.? Desse modo, em meio a militância mais aguerrida, enquanto os manifestantes esperam para jogar seus coquetéis molotov nos carros da burguesia, uma pausa para o amor, para recarregar as baterias. E continua: ?Derrubar as prateleiras/ as estantes/ as estátuas/ as vidraças/ louças/ livros, sim!? numa sanha iconoclasta que rompe com toda a ordem do logos ocidental, toda as classificações, rotulações, ídolos. Destruir tudo que é modelo (estátuas), tudo que é transparente, denotativo, prosaico (vidraças), tudo que é raro (louças), tudo o que é documento (livros).Desse modo, começar tudo de novo, do zero. Nessa passagem tanto se percebe os demolidores modernos: Nietzsche, Bergson, quanto a fúria do futurista Marinetti que bradava pela destruição dos museus e bibliotecas.

E antes de repetir o refrão Caetano recita um introspectivo fragmento do perturbador Fernando Pessoa. Depois do refrão, o atonalismo retorna com barulhos estranhos, sons de objetos quebrados, vozes, que remetem à música erudita contemporânea ( Stockhausen, Boulez, Schaeffer) num ensurdecedor e furioso grand finale.

Caetano revela nesta verdadeira carta de princípios, a filiação do tropicalismo à Modernidade de uma forma bem brasileira: ora amorosa ora nervosa.



charlesodevan@bol.com.br

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