Perguntei para a secretária da agência se já havia folheado os jornais. Respondeu que não tinha o hábito da leitura dos periódicos, pois estes só traziam sofrimento e dor.
Talvez estivesse com depressão ou menopausa, pois a idade estampada nas faces não podia ser negada.
Indaguei sobre os programas de televisão. Respondeu que também não assistia, apenas os de receitas culinárias. Queria apenas comer e ser feliz.
A mulher reduziu o planeta apenas a prateleiras de ingredientes e utensílios, mas ainda assim conseguia viver.
Talvez tenha durado mais na empresa do que eu, esperando um mundo mais maluco. Mas se estiver viva tem grades nas janelas, não sai mais de casa e pode estar com um sério problema de obesidade mórbida.
Esqueci o nome, mas ela lia todos os dias O Pequeno Príncipe, achava que o governo militar era muito justo e que não era correto ninguém fazer oposição.
Seu mundo estava reduzido aos esquilos, Ã s flores, Ã vontade de conhecer o paraíso, onde entabularia conversas gratificantes com Adão e Eva, com certeza seus pais.
Tentei conversar com ela mais do que cinco minutos. Na segunda vez que trocamos palavras entregou-me uma carta de demissão. A empresa passava por uma fase difícil, eu era solteiro e ficara no topo da lista.
A mulher escreveu: Demitido por contensão de economia .
Demitido eu entendi. Contensão talvez fosse uma palavra ligada a fenómenos físicos - com tensão . Economia é a arte de administrar racionalmente os recursos.
Fiquei com vontade de perguntar se ela escreveu aquilo sozinha ou foi ajudada, mas poderia ferir os sentimentos da infeliz.
Corri para o banco em busca do vil metal, deixando para trás aquele emprego. Mas guardei bem o episódio do ser humano que se engana, se deixa levar por medo de encarar a vida.
O produto que os jornalistas oferecem é o que encontram nas ruas. Lendo poesias a alma se eleva. Por falta de conhecimento alguém pode se dar mal. Pensei na palavra adequada para aquela mulher...não. Panaca ficaria muito pesado. Ingênua? Talvez...