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Ensaios-->COMO FALSIFICAR A DEMOCRACIA ou Os inimigos da dentadura -- 03/01/2000 - 17:08 (BENJAMIN BORGES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OS INIMIGOS DA DENTADURA
OU
COMO FALSIFICAR A DEMOCRACIA
(OU AINDA, O TOTALITARISMO DAS CATEGORIAS ECONÔMICAS )


As sucessivas crises ocorridas no México, na Ásia, e mais recentemente na Rússia desencadeou discussões públicas, nas rádios e nas TV s, que parecem inacessíveis a quem não tenha noções adiantadas de matemática financeira. E, se consideramos que o 3º Mundo — ou os 'países emergentes', como dita a última moda — ainda luta contra o analfabetismo, disso concluímos que tal discussão está bastante restrita, limitada a um elite; mais ainda, a uma parte da elite, a elite de iniciados nos mistérios da ciência econômica.

Qualquer conversa de mesa de bar ou de praça de cidade do interior é insustentável se o seu interlocutor não domina as categorias econômicas em voga: déficit público, banda de variação cambial, balança de pagamentos, mercado de capitais e etc. Além do que o indivíduo mais comum se sentirá um perfeito alienado se não conseguir decifrar as relações existentes entre a alta de juros no Brasil e as estratégias de acusação dos advogados da Srta. Monica Lewinski; ou a relação entre as ameaças de Impeachment de Clinton e baixa de juros nos EUA.

As categorias econômicas são, pois, imprescindíveis para alguém que deseja se sentir plenamente integrado ao mundo do final do milênio. Sem dominar o léxico econômico parece impossível compreender os fatos mais prosaicos da vida comum. Desconfio até que não se pode chupar um Chicabon se você não fez pelo menos um curso de macro-economia.
A economia se apresenta agora como a mais concreta das realidades possíveis; mais concreta que um paralelepípedo, diriam alguns. Falando em economia, o velho Marx, num dia desses, um dia qualquer, deu um conselho à sua filha adolescente — essa curiosidade é contada em qualquer biografia de Marx, das mais famosas até aquelas que se vendem em bancas de jornal. Disse: 'desconfie de tudo, sempre' — ou algo do tipo, não me lembro bem das palavras exatas. (Recorri a Marx porque é uma figura envolta em uma aura de admiração, para alguns, e de polêmica para outros.) Mas, de qualquer forma, este conselho faz parte do ideário de qualquer indivíduo do mundo moderno, e que tenha um espírito interrogativo sobre o mercado de verdades que existe por aí. E nesse momento em que economia parece se estabelecer como realidade única e imperativa — que lembra o papel da religião na antigüidade e em boa parte da medievalidade da Europa Ocidental — os contrastes surgem para os observadores com maior nitidez.

Os regimes totalitários e/ou fascistas servem como contraponto para a análise dos conflitos entre visões de mundo discordantes, onde a visão hegemônica declara todas as outras automaticamente excluídas de validade. Não quero com isso dizer que vivemos sob um regime semelhante ao totalitarismo; seria um absurdo e prova de tremenda ingenuidade afirmar qualquer coisa nesse sentido — o que acontece hoje é muito mais sofisticado. Contudo, no plano do estabelecimento das idéias hegemônicas existem alguns paralelos que podem ser traçados.

Os regimes totalitários afirmam seu projeto nacional como o único possível. No seu processo implantação surgem as figuras políticas discordantes. Estas figuras são algumas vezes até simetricamente opostas e, por isso mesmo, são declaradas inimigas da Nação. O ato de deslegitimação da oposição desestimula e corta as possibilidade de diálogo entre percepções políticas divergentes — que é o que move a democracia. O regime totalitário marginaliza a oposição criminalizando as vozes contrárias. Esse é o bê-a-bá do totalitarismo, lugar comum em qualquer análise.

Mas que paralelo pode ser traçado entre o totalitarismo e o contexto político em que estamos inseridos?

Não é novidade dizer que o Plano REAL foi carro de frente da campanha presidencial de 1994. E isso aconteceu porque as evidências matemáticas do Plano se transfiguraram num discurso por demais eloqüente para que as pessoas fechassem os olhos para alguns fatos óbvios: queda brusca da inflação, mais frango na mesa, mais iogurte nas geladeiras e até mesmo mais dentaduras na boca dos brasileiros; uma certa parcela da população ingressou na casta dos assim denominados consumidores — que hoje é mais ou menos sinônimo de ser-humano , ou seja, quem não compra não faz parte da humanidade, está fora.

Entretanto, o sucesso desse projeto — o REAL — depende da mobilização da sociedade: ou todos cooperamos para o sucesso dessa moeda , ou voltamos ao reino do caos , da desordem , da inflação.

Muita gente deve ter balançado a cabeça afirmativamente pois esquecemos que isso não é uma realidade a priori, é um discurso entre vários possíveis. E o que temos aí é uma dicotomia excludente cuja equação é simples: REAL=felicidade=não inflação=consumo=frango=iogurte=dentadura; onde qualquer coisa diferente é = inflação=não consumo=fome=caos.

O nome do projeto nacional é REAL, ou seja, a estabilidade da 'moeda'. A única realidade no contexto do cenário político nacional é, pasmem, uma 'moeda'! Como a realidade é esta, as categorias econômicas também se afirmam como 'a' realidade. Nesse sentido o discurso dicotômico e excludente considera as vozes discordantes do projeto nacional como inimigos . A equação aqui também é simples: inimigo do projeto=inimigo do REAL=inimigo da estabilidade=inimigo do consumo=inimigo do frango=inimigo do iogurte=inimigo da dentadura (e a esquerda, desorientada, aceitou o papel deste último personagem, o Iminigo)

Mas o problema mais preocupante, aquele que diz respeito à saúde da democracia, ainda não foi colocado claramente.

As falsas dicotomias, estrategicamente construídas de acordo com o contexto, eliminam a oposição, qualquer que seja. Da mesma forma como a oposição no totalitarismo é colocada sob o signo da não-legitimidade e, não raro, da ilegalidade. Contudo, sob formas diferentes: enquanto nos regimes totalitários a não-legitimidade é declarada recorrendo-se ao Código Penal, aqui a não-legitimidade se constrói recorrendo-se a técnicas de marketing político — que aliás, não por acaso nasce sob o Nazi-fascismo. As vozes discordantes ou são demonizadas ou ridicularizadas. Quando qualquer oposição se mete a operar com as categorias econômicas eles são demonizados como precursores do caos , pois as vozes hegemônicas anunciam que o desvio do projeto nacional levará ao reino das trevas, ao Apocalipse. Quando a oposição recusa-se a utilizar da lógica econométrica e se volta para o 'homem', eles são ridicularizados pois segundo as vozes hegemônicas é impossível cuidar do homem antes de organizar a economia.

A conseqüência desse tratamento das questões políticas ameaça o jogo democrático. As categorias econômicas, como subproduto de um projeto político específico, foram elevadas ao status de única realidade possível. E, assim como no totalitarismo, qualquer pessoa que não opere com estas categorias corre o risco de ser calado arbitrariamente, como um criminoso, ou ridicularizado publicamente, como alguém que usasse paletó de lã inglesa em pleno verão carioca.

Desse ponto de vista a democracia está sofrendo um sério problema de falsificação. A economia parece que já estabeleceu um Império totalitário, e corre-se o risco de que ela, como uma realidade autônoma, devore até mesmo quem lhe sustenta. A população, por sua vez, endossa um cheque em branco ao depositar a sua fé no projeto hegemônico por sentir-se incompetente para compreender e discutir com os técnicos do B.C. sobre os detalhes econométricos do plano.

Contudo, o que nunca se discute — e não sem razão — é que a própria economia é uma subcategoria que se articula sob a égide das decisões políticas. E isso fica bem claro quando o Presidente do Federal Reserv — uma espécie de Banco Central dos EUA — vai para a frente das câmaras e num quadro ao lado vemos que o índice Dow-Jones se movimenta, para cima ou para baixo, como uma mulata sambando ao som do batuque do anúncio de simples intenções .

Brasília, 19 de dezembro de 1997

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