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Ensaios-->Semiótica Atomizada -- 12/03/2000 - 21:02 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- A SEMIÓTICA ATOMIZADA


Os avanços relativamente recentes da semiótica - hoje percorrendo um vasto e disperso caminho que vai da semiótica geral à microbiosemiótica - têm permitido que essa ciência comece a experimentar, ela mesma, a necessidade da qual surgiu como solução provisória: o advento de uma ciência que explique sistematicamente os mecanismos que operam na/a mente humana para gerar a produção de sentido.

O semioticista alemão Winfried Nöth, da Universidade de Kasssel, autor da arqueológica obra Handbook of Semiotics questiona-se sobre o posição atual de uma disputa velada de hegemonia entre a Semiótica e as denominadas Ciências Cognitivas: 'Será que o crescimento recente das ciências cognitivas não é um índice de substituição iminente da semiótica pelo novo paradigma?'(1994:74). Segundo o mesmo autor, Thomas A. Sebeok, grande enciclopedista da semiótica e fundador, dentre outras, da zoosemiótica e da cartosemiótica, teria declarado que 'a semiótica é uma ciência cognitiva avant la lettre e que as Ciências Cognitivas são, em si mesmas, variantes da semiótica'.

Opostas e/ou complementares, ambas possuem em comum a crença inabalável numa transdisciplinariedade sem preconceitos que abre as portas da investigação intelectual. Paradoxalmente, porém, a transdiciplinariedade operada pela semiótica possibilitou especializações em áreas do conhecimento onde, anteriormente, a diversidade e a complexidade tornavam impossíveis o estabelecimento de paradigmas. Tornou-se, dessa forma, a própria semiótica um território de especializações paradigmáticas para as quais a contribuição multidisciplinar muitas vezes é encarada como ameaça de desestabilização, quando deveria ser entendida como fonte de enriquecimento ou de ampliação do conhecimento.

Estaria, assim, a semiótica voltando-se contra si mesma, vitimando-se em desautorização pelos mesmos argumentos que utilizou para afirmar-se como vanguarda na era da interdisciplinariedade? Ou tais aparentes especializações estão destinadas a convergirem para um ponto comum, ponto este já experimentado muito antes, no tempo, quando não havia propriamente uma intenção específica em disciplinar e delimitar espaços para a atuação do conhecimento?

Independentemente do âmbito para onde apontem algumas de nossas considerações, julgamos importante, nesse momento, evidenciar traços comuns e fundantes que permeiam semióticas diferenciadas seja pelas peculiaridades do objeto de pesquisa eleito, seja pela necessidade de afirmação e delimitação de fronteiras de sua atividade e dos objetivos a que se propõe.

Trataremos - ainda que rapidamente e supondo que nosso leitor possua alguma iniciação na área - daqueles elementos que funcionam como unidades de referência para cada uma das três vertentes da semiótica que arrebanham, em nosso meio, maior número de pesquisadores: a semiótica norte-americana , de inspiração peirceana; a semiótica francesa, de vertente saussuriana e greimasiana e a semiótica da cultura, de inspiração eslava.

Estaremos, assim, num primeiro momento, tecendo considerações sobre semelhanças e diferenças, possibilidades de encontro e desencontro no confronto entre SIGNO, NARRATIVA e TEXTO CULTURAL. No momento seguinte tentaremos localizar nossa 'polêmica' no páteo comum de uma semiótica sem nome desenvolvida por volta do ano 400 D.C. por um pensador católico inspirado em Platão e afinado com os epicuristas, que ficou conhecido na história do pensamento ocidental pelo nome-título de Santo Agostinho.



II - O SIGNO, OS OBJETOS E OS INTERPRETANTES

A teoria dos semiótica de Charles Sanders Peirce está assentada no princípio segundo o qual o homem jamais terá acesso à realidade tal como ela é, visto que tudo o que existe não se apresenta; apenas se representa por sinais captáveis pela percepção do observador. Para Peirce, tudo o que existe é entidade semiótica. E essa noção se aplica até mesmo para uma idéia, pela competência que qualquer idéia tem de referir-se a outras.

Peirce entende que os sinais emitidos pela inalcançável realidade - seus procuradores bastantes - são o único meio de conhecimento, a única forma de travar contato e reconhecer uma existência, qualquer que seja sua natureza. Dentre as diversas e esparsas tentativas de definir o que venham a ser esses sinais ou signos, algumas se impõem de forma mais evidente pela clareza, atributo escasso na exaustiva obra de um autor que, paradoxalmente, se tornou muito conhecido por ter escrito um texto intitulado Como tornar claras nossas idéias . Vejamo-las:

Um signo ou representamen é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém; isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou, talvez, um signo melhor desenvolvido. Ao signo assim criado, denomino interpretante. O signo representa sempre alguma coisa, seu objeto. (1984:94)

A palavra Signo é usada para denotar um objeto perceptível, apenas imaginável ou mesmo insusceptível de ser imaginado em um determinado sentido (1984:95).

Um signo ou representamen é um primeiro que se põe numa relação triádica genuína tal para com um Segundo, chamado seu Objeto, de modo a ser capaz de determinar um Terceiro, chamado seu Interpretante, o qual se coloque em relação ao Objeto na mesma relação triádica em que ele próprio está com relação a esse mesmo Objeto (1984:115).

Signo é qualquer coisa que leva algo diverso (seu interpretante) a referir-se a um objeto a que ele próprio se refere (seu objeto) de maneira idêntica, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo e assim por diante, ad infinitum(1984:130).

Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo, e da qual a causa mediata é o objeto, pode ser chamada o interpretante. (in Santaella 1994:58)

Se tudo o que entra em contato com a percepção de um observador é um signo, se todo signo só pode ser explicado por outros signos e se tudo que nos vem à mente já é signo, não há dúvidas de que vivemos num mundo de signos, sinais ou sintomas de algo que insiste em se apresentar , mas que não o pode fazer de outra forma que não através de representação. Seríamos, pois, interpretantes (sígnicos) de uma realidade que não conhecemos senão através de uma outra interpertação já contida em cada signo, visto que cada signo carrega em si sua explicação ou interpretação igualmente sígnica.

Portanto, se cada signo contém os elementos de sua interpretação, cada signo é, na verdade, um condensado de outros signos. E essa unidade jamais poderá ser logicamente atomizada sob pena de desautorizar a principal premissa que sustenta sua existência e possibilita sua conceituação. Um signo sem interpretante, qualquer que seja sua natureza, não pode ser entendido como signo. E seria indefinível em qualquer nível, seja como sensação, como existente físico ou como uma idéia ou convenção arbitrária.

Esses três níveis, presentes em proporções desiguais no âmago de cada signo, constituem outro pressuposto central que sustenta a teoria peirceana: segundo a maior ou predomínância de interpretantes comprometidos com cada um deles, o signo assume o caráter de ícone, índice ou símbolo. Ou seja, se um signo possui maior número de interpretantes arbitrários ou de lei, ele fatalmente será um símbolo; se seus interpretantes estiverem situados no campo das sensações, ele será um ícone, e se os interpretantes estiverem comprometidos com a existência física aferível por constatação dos órgãos dos sentidos e inferível logicamente, o signo em questão será um índice.

Além de reconhecer que um signo é o resultado de seus interpretantes, Peirce ainda salienta que um signo representa seu objeto, que também é um outro signo. Nessa meta-representação, o signo que o signo representa é denominado por Peirce objeto imediato e é constituído pelo conjunto de percipuum (unidade de percepção) formado a partir dos perceptos que o hipotético objeto real ou dinâmico emite. Dessa forma, vemos que a natureza sígnica do conhecimento não se localiza apenas a partir do evento representativo mas situa-se antes mesmo da formação do signo que se oferecerá à interpretação pelo interpretante mental

Por isso, pelas inúmeras tramas semióticas que convergem e divergem no processo de significação, Peirce afirma que 'nenhuma cognição, nenhum signo é absolutamente preciso...'(in Santaella 1993:58). Podemos assim concluir, ainda que provisoriamente, que a unidade básica da semiótica peirceana é irredutível a si mesma e não determina com precisão o objeto do conhecimento, suas fronteiras, sua alteridade ou mesmo sua essencialidade existencial. Em outras palavras, um signo jamais será o que é, visto poder ser inclusive o que não é.

O signo peirceano, base fundamental para o entendimento não só da semiótica como também de seus estudos sobre a filosofia, a lógica, as formas de raciocínio, a percepção e a linguagem de modo geral, dará sustentação às famosas teoria da falibilismo e do pragmatismo.

Para Peirce, o pragmatismo 'é um princípio regulador da Lógica, que prescreve o exame entretido de hipóteses' (Santaella, 1992:138). Em sua teoria dos signos, Peirce demonstra que um um signo só adquire dimensão pragmática quando atinge aquilo que denomina a categoria da 'terceiridade', ou seja, quando sua existência real pode ser representada por convenção, por arbitrariedade ou por lei. Para tanto, o signo tem de passar pela categoria da 'segundidade', onde a evidência de sua ação é prova de sua existência .

Já a teoria do falibilismo admite que, por ser sempre relativo, um signo jamais chegará a traduzir integralmente a natureza de seu objeto, estando, portanto, sujeito a erros:
'Em oposição a qualquer dos dois extremos, seja a do apreço a fundações últimas, seja o das variadas versões do relativismo, encontra-se em Peirce uma oposição intermediária, bem mais complexa e intrincada do que esses dois limites antagônicos e rivais. Ele nunca cessou de insistir que não há coisas tais como fundamento último, verdades absolutas e certezas inquestionáveis. Ao contrário, batizou sua doutrina filosófica de Falibilismo que, afirmando a natureza eminentemente falível do ser humano e de todos os seus feitos, nega o dogmatismo em quaisquer de suas formas. reconhecer o falibilismo, entretanto, não significa cair no pessimismo do cínico.'(Santaella 1992:153)

Além do vulto de tais contribuições para o estudo da produção de sentido, da filosofia e da psicologia, Peirce vai nos legar uma teoria semiótica ao mesmo tempo simples e complexa, pragmática e falível, e infinitamente progressiva. As relações dinâmicas entre o signo e seus objetos, entre o signo e seus representantes e entre seus objetos e interpretantes imediatos foram estudadas por Peirce em abordagens triádicas, cuja lógica aparente e incontestável conduziu à elaboração de centenas de tricotomias, capazes de dar conta das inúmeras nuances que permeiam o processo de produção de sentido. O objetivo de Peirce - como reconhecem muitos de seus intérpretes - era chegar à verdade, partindo do princípio de que ela é inacessível.

III - O SIGNO LINGÜÍSTICO, A NARRATIVA E O DISCURSO

Tem-se como praticamente inquestionável que a semiótica européia propriamente dita teve seu início com o curso de Lingüística Geral proferido por Ferdinand de Saussure na Universidade de Genebra em 1920. A língua passa a ser entendida como um sistema ou estrutura baseada em leis e regras orgânicas que serviriam para explicar toda e qualquer produção de sentido nas relações comunicativas humanas.

Ele entendia a língua como um sistema de valores diferenciais no qual cada elemento só adquiria função em oposição a outros. Por esse motivo, é nas relações intrasistêmicas que os elementos básicos se afirmam e produzem sentido. Só comungando um mesmo código de relações uma determinada comunidade adquire a competência de se comunicar. À língua - conjunto social articulável de convenções - Saussure contrapõe a fala - sistema individual de comunicação onde os elementos sociais interagem com fins particulares. O signo lingüístico seria, para ele, o resultado da reunião do significante com o significado (a imagem acústica ou o conceito).

Além de fundar uma ciência para explicar a linguagem verbal, Saussure previu a necessidade do aparecimento de uma outra ciência que desse conta de explicar fenômenos comunicativos mais amplos, tais como os mitos, a simbologia, a comunicação não-verbal em todas as suas manifestações. Tal ciência vai surgir apenas quando, por volta dos anos 50, o recrudescimento dos meios de comunicação de massa passou a exigir estudos que dessem conta da explosiva diversidade de linguagens. A semiologia dessa época permaneceu fiel à lingüística, utilizando-a como matriz e articulando seus modelos básicos para gerar as explicações que os novos tempos exigiam.

Os conceitos linguístico-semióticos desenvolvidos e ampliados pelos continuadores de Saussure acabaram por formar aquilo que Lúcia Santaella denomina 'o núcleo de futuras semióticas especiais' (1994:73-81). Um desses continuadores e também crítico da teoria inicial de Saussure, L. Hjemslev, aplicará os princípios metodológicos dessa nova ciência à teoria literária, estimulando a extensão desses estudos a outras áreas do saber, tais como a antropologia e sociologia. Hjemslev ampliou o sentido de signo originariamente proposto por Saussure, admitindo que ele pode ser mais que uma palavra, que pode, por exemplo, ser constituído por uma frase ou um discurso num ato de fala (processo que denomina semiose ).

Dentre as semióticas especiais ou especializadas destacamos para a presente abordagem a semiótica francesa de Algirdas Greimas, influenciada por Sausurre e Hjmeslev e derivada da Lexicografia de Sapir/Whorf, da Semântica Estrutural de B. Pottier e da Semântica Lingüística de Oswald Ducrot.

Greimas considera secundária a questão do signo. Entende que 'o exercício da linguagem produz a manifestação semiótica sob a forma de encadeamento de signos' (1985: 422-423). Porém, ao propor metodologia de análise para explicar fenômenos lingüísticos, conclui que 'a análise dos signos produzidos pela articulação da forma da expressão e do conteúdo só é possível quando os dois planos da linguagem são antes dissociados para serem estudados e descritos, cada um separadamente.'(1985:422). Em outras palavras, Greimas não parte do signo para montar sua metodologia, mas daquilo que posteriormente denominará 'figuras', ou seja, unidades narrativas que produzem um bloco de significação. Sua semiótica estará mais preocupada em descrever os processos de construção de sentido do que em entender os mecanismos de representação da realidade. Diferentemente de Peirce, Greimas não procura a verdade. Ele a admite como pressuposta e dirige seu trabalho para a montagem de instrumentos eficazes de análise das articulações do discurso (e da retórica) com base nos modelos até então conhecidos da linguagem verbal.

Assim como acreditava Saussure, Greimas preconiza uma semiótica que se constrói nas relações e que jamais poderá ter o estatuto de ciência acabada. Porém, segundo Eric Landowski, Greimas não construiu ele mesmo uma teoria; apenas sistematizou princípios metodológicos de análise e estimulou a continuação dos estudos por ele iniciados. Dentre as maiores contribuições para a construção dessa semiótica encontram-se os trabalhos dos estruturalistas dos anos 60 e 70 e os estudos sobre a gramática gerativa e transformacional realizados por Noan Chomski.

O percurso gerativo, um dos princípios básicos da semiótica greimasiana, pretende explicar a produção de sentido através de uma sucessão de três patamares, partindo do mais abstrato para o mais concreto, do mais profundo para o mais superficial. Esses três níveis são denominados 'nível profundo, nível narrativo e nível discursivo (...) Em cada um deles existe um componente sintático e um semântico (...) e a distinção entre sintaxe e semântica não decorre do fato de que uma seja significativa e outra não, mas de que a sintaxe é mais autônoma do que a semântica, na medida em que uma mesma relação sintática pode receber uma variedade imensa de investimentos semânticos' (Fiorin,1992:17-18)

As relações que ocorrem no nível fundamental ou profundo caracterizam-se pela oposição semântica - conforme já anunciara Saussure. 'No entanto, para que dois termos ou conceitos possam ser apreendidos conjuntamente, é preciso que tenham algo em comum, e é sobre esse traço comum que se estabelece uma diferença'(1992:19). Tal diferença pode apresentar-se como contraditoriedade ou contrariedade. Conotados e avaliados positiva ou negativamente, os pólos de tais relações dão origem a sub-contrários que manterão para com os seus elementos geradores relações de implicação necessária ou de complementariedade. Nesse esquema de análise, conhecido como 'carré sèmiothique', os contrários são pólos categoricamente opostos, os contraditórios são flexíveis, assimétricos e mutantes e os sub-contrários constituem estratégias de superação dos impasses criados pela diferença.

Na análise do nível narrativo são abordadas as possibilidades relacionais entre sujeito e objeto do discurso, 'dois actantes que se pressupõem reciprocamente por intencionalidade' (Landowski, 1992:68). As possibilidades mutantes do sujeito em relação aos diversos objetos, caracterizados pelo maior ou menor grau de conjunção ou disjunção, estabelecem modalidades de ação transformadora que são estudadas em quatro instâncias: contrato, competência, performance e sanção. Estabelecido um contrato de relação, o destinador da ação (detentor da competência) promove uma performance transformadora que altera o destinatário e gera uma sansão que pune ou recompensa sujeito e objeto. A unidade narrativa é o texto que compreende tal dinâmica. E esse texto será considerado - para além do signo - o ponto de referência da semiótica greimasiana.

Na dimensão discursiva - terceiro, último, mais concreto e mais superficial patamar da análise greimasiana - os valores e a temática textual dão lugar ao estudo da figurativização. É o tempo-espaço quando-onde os atores utilizam-se de múltiplas estratégias (retóricas, dramáticas, míticas, simbólicas, etc...) para atingirem seus objetivos interacionais e, consequentemente, comunicativos.

Do projeto greimasiano original desprenderam-se - especializando-se - algumas semióticas direcionadas a objetos empíricos. Uma delas, a denominada 'Sóciossemiótica', desenvolvida por Eric Landowski, J. M. Floch, Paolo Fabri, M. P. Pozzato e A. Semprini, dentre outros, interessa-se por investigar fatos políticos, econômicos e sociais e demais fenômenos históricos, aproximando-se - por afinidade - das ciências sociais, da antropologia e da psicanálise. É essa vertente da semiótica francesa que vai interessar-se por abandonar - em certa medida - as discussões sobre a teoria semiótica para focalizar seus reflexos na análise das paixões, dos ciúmes e dos vícios humanos .

IV - A CULTURA EM TEXTOS E EM UNIVERSAIS

A abordagem semiótica da cultura foi iniciativa dos estudiosos estonianos e russos das escolas de Tartu e Moscou no final dos anos 60. Eles definiram a cultura como um conjunto de sistemas de crenças e valores que mantém coeso um determinado grupamento humano e permite sua interação com o mundo. Tais sistemas, referidos por eles como sistemas modelizantes secundários, estão presentes não somente nas artes como também em todas as demais atividades caraterísticas de uma comunidade.

Muito mais ligada aos avanços da ciência moderna, da sociologia e da antropologia esta semiótica contempla as descobertas da Teoria dos Sistemas, não mais contrapõe cultura à natureza e tem sua preocupação centrada no estudo da comunicação, da interatividade social e do comportamento humano, entendidos como fenômenos da natureza.

'A primeira teoria formal dos estudos semióticos da cultura foi apresentada por Ivanov, Lotman, Uspenskij, Piatigorsky e Toporov no congresso eslavo de 1973. Eles cunharam a expressão Semiótica da Cultura para uma ciência na qual a cultura foi definida como do domínio da organização (informação) da sociedade humana em oposição à desorganização (entropia)'.(Schwimmer, 1986:162-166).

Num documento denominado Teses para Uma Análise Semiótica das Culturas , os princípios básicos dessa nova vertente são declinados e logicamente arranjados. Dentre eles, destacamos aquele que julgamos fundamentais:

'Nenhum sistema de signos possui um mecanismo que permita seu funcionamento isoladamente de outros sistemas (...) Toda questão científica considera questões particulares da semiótica da cultura, ciência da correlação funcional dos diversos sistemas de signos.'(tese 1.0.0)

'A cultura localiza-se sempre um âmbito delimitado ao qual se contrapõem os acontecimentos da história, de experiências e atividades que ficam fora dele.' (tese 1.1.0)

'Deste ponto de vista, a ciência se define no âmbito da organização (informação) na sociedade humana e em contraposição a ela está a desorganização (entropia) (...) isto confirma ainda que a ciência (no caso, a Teoria da Informação) do século XX não representa somente um metassistema, mas penetra seu objeto.' (tese 1.1.1)

'A cada tipo de cultura, historicamente corresponde um outro tipo de não-cultura que pertence somente a ela.'(tese 1.2.1)

'O âmbito da não-organização externa de um determinado tipo de cultura pode ser contruído como uma esfera especular àquela cultura.'(tese 1.2.2.)

'... segundo uma descrição externa, a ampliação da esfera da organização traz a ampliação da esfera da não-organização.'(tese 1.2.3)

'A cultura se estrutura como uma hierarquia de sistemas semióticos que corresponde a um ordenamento mais estrito da esfera cultural que a circunda (...) É a estrutura interna, junto com a composição e coordenação dos signos sob sistemas semióticos, que determina em primeiro lugar o tipo de cultura.'(tese 2.0.0)


É possível observar, então, que a principal preocupação desses teóricos encontra-se localizada muito mais ao nível do objeto (os fatos de cultura) do que ao nível epistemológico, muito embora as próprias teses constituam o principal documento, o manifesto inicial e fundamental dessa nova semiótica.

Aos primeiros teóricos da semiótica da cultura juntaram-se outros estudiosos que ampliaram a compreensão de alguns dos princípios básicos, realçando ligações com outras áreas do saber e do fazer humanos até então desenvolvidas num esforço compartimentalizado em paradigmas que dispensavam o diálogo interdisciplinar. Antropológos, sociólogos, biólogos neurologistas, psicólogos, dentre outros, irão contribuir para o avanço dos estudos semióticos, ampliando a compreensão dos textos e, ao mesmo tempo, simplificando sobremaneira a abordagem da complexa trama da produção de sentido nas culturas.

Um dos exemplos de uma aparente simplificação de procedimentos que tornou mais instigante os estudos da semiótica da cultura foi a teoria dos Universais da Cultura levada a termo por Ivanov e desenvolvida por Ivan Bystrina. Segundo Bystrina , os universais são mecanismos básicos, pouco numerosos e que orientam quase todas culturas, podendo ser assim classificados:

a) a binariedade, tendência cultural a dualizar a percepção e as sensações, que encontra sua razão de ser na primeira realidade (natureza biológica);
b) a polaridade, arranjo polar e radical das dicotomias binárias;
c) a assimetria no percurso de um pólo ao outro, considerando-se que um deles sempre será negativo (e mais forte) e o outro positivo (mais fraco);
d) as estratégias de superação do determinismo da primeira realidade e das conseqüências inevitáveis da infração da lei natural, que se dão no plano simbólico, tais como a alteração dos pólos binários, a transpolarização, a união dos opostos pela mediação e a passagem pelas zonas cinzentas

Os universais que marcam, referenciam e fundamentam as 'criações culturais' são os mesmos que presidem os fenômenos da natureza biológica (primeira realidade, na terminologia bystriniana), razão pela qual a semiótica da cultura não encontrará mais motivos para respaldar a crença antropológica de que a cultura se opõe aos fatos da natureza.

Na base dos estudos da cultura está o texto cultural, objeto e instrumento metodológico para a investigação dos fenômenos culturais. Estudado pelo estônio Yuri Lotman em 'A Estrutura do Texto Artístico, foi desenvolvido por outros eminentes estudiosos da escola de Tartu, tais como Z. G. Mintz, A. K. Jolkovski e Bóris Uspenski , evidenciando o quão benvinda foi a interdisciplinariedade nessa vertente semiótica.

Nas Teses Eslavas, o conceito de texto é reafirmado como unidade básica da semiótica da cultura e ponto de partida para o exame interdisciplinar - sincrônico e diacrônico - dos fenômenos da cultura:

'O conceito de texto, que é fundamental na semiótica contemporânea, pode ser considerado o anel de conjunção entre as buscas semióticas gerais e as buscas particulares dos eslavos. (...) Em tal contexto, o texto pode ser o primeiro elemento - unidade de base - da cultura.' (tese 3.00)

'O conceito de texto (...) não é aplicado apenas nas mensagens em língua natural mas também em qualquer veículo de significado global, seja ele um rito, uma obra de arte figurativa ou uma composição musical.' (tese 3.1.0)

'... a corrrelação do texto com o todo da cultura e com o seu sistema de códigos se manifesta no fato de que, a níveis diversos, uma mesma mensagem pode apresentar-se com um texto, como parte de um texto ou como todo o texto.' (tese 3.0.0)

O texto, um recorte observável e semioticamente analisável na sua estrutura interna e nas suas ligações intersistêmicas, não é mais uma entidade especulativa, para cuja definição ou apreensão é sempre necessário um pouco de metafísica. A organicidade de um texto é determinada pelo âmbito de sua existência e pela sua vinculação a um texto maior (no tempo e no espaço), de onde é necessariamente extraído. Por esse motivo, o texto pode ser considerado como um conjunto sistêmico de signos que permite uma leitura completa (do ponto-de-vista do objeto imediato peirceano) de um dado recorte de percepção, sem mutilá-lo do meio no qual interage.


V - ENCONTROS E CONFRONTOS

As diferentes estratégias de investigação da produção de sentido nas atividades comunicativas - que permitem a interação dos seres humanos com seu meio-ambiente e com os demais membros de sua espécie - parecem convergir para espaços que virtualmente coincidem, principalmente quanto ao objetivo maior de tais estudos. Procuram-se respostas que não apenas satisfaçam os impulsos de quem não se detém diante do inexplicável mas sobretudo que possam abrir caminhos capazes de ampliar o conhecimento, aprimorar técnicas e melhorar a qualidade da vida humana, seja proporcionando maiores situações de prazer e conforto, seja propiciando amplo domínio técnico sobre as adversidades e os acasos que possam trazer o infortúnio.

Porém, para alcançar esses ambiciosos objetivos - que não são privilégio da semiótica, seja ela de qual extração for - o caminho nem sempre é o mais curto, o mais simples. Também o melhor método nem sempre é aquele que procura ardilosamente descomplicar a emaranhada trama que protege a ignorância, como se esta fosse uma manta protetora de um conhecimento objetivo, inquestionável, acessível e sempre útil a quem quer que o revele. Aliás, muitas descobertas nas quais foram investidos anos de trabalho revelam-se inúteis, inócuas, mas nem por isso desmerecem o trabalho de pesquisa que as fizeram vir à tona porque enriquecem, sempre, o acervo das possibilidades de abordagem do objeto.

Outro ponto para o qual convergem as tendências semióticas de hoje é o entendimento consensual de que a assunção da complexidade da trama semiótica é um dos primeiros requisitos para se iniciar uma investigação do gênero. Supõem-se, pois, que o pesquisador possua um obstinado e inconfortável pendor pelo mistério e uma incrível resignação à possibilidade real e insistente do fracasso. Segundo Peirce, não é possível chegar-se à simplicidade - se é que ela realmente existe - sem assumir toda a compacta complexidade que a envolve.

Estão também de acordo todas as semióticas em estabelecer uma unidade mínima de sentido sobre a qual se deve agir. O signo, o signo lingüístico ou a narrativa e o texto cultural são unidades das três semióticas que resumidamente apresentamos na primeira parte deste trabalho. As diferenças que mantêm entre si representam as fronteiras que demarcaram para estabelecer o território de pesquisas e as feições de suas personalidades.

Entretanto, ao constatarmos as semelhanças que as três unidades básicas de três semióticas mantêm entre si, verificamos que é possível estreitar as oportunidades de colaboração recíproca em função do objeto investigado.

O signo peirceano, tomado como elemento básico e unidade fundamental da semiótica resulta de uma elaboração intelectual utópica, visto não poder existir senão através de outros signos que lhe dêem sustentação, ou seja, seus interpretantes (imediatos e finais) e seus objetos (dinâmico e imediato). Sua existência sem tais coadjuvantes é impensável e indemonstrável. Poderíamos, pois, dizer que o signo peirceano tem existência lógica, mas não operativa. Ora, se o signo só se apresenta como representação num processo dinâmico de trocas sígnicas - mais ou menos aquilo que Peirce denomina
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