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Ensaios-->TANKAS E HAICAIS: UMA LEITURA DE REIKA, DE HELENA KOLODY -- 21/03/2000 - 01:16 (Antonio Donizeti da Cruz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TANKAS E HAICAIS: UMA LEITURA DE REIKA, DE HELENA KOLODY

Antonio Donizeti da Cruz
Unioeste - Doutorado - Ufrgs - Capes-Picd



A poeta Helena kolody, filha de imigrantes ucranianos, é um dos nomes mais expressivos da poesia contemporânea paranaense. Desde Paisagem interior (1941), quando surge para a literatura brasileira, a Reika (1993), sua poesia evolui no sentido de síntese reflexiva, concisão e alto grau de lirismo espontâneo, contido, com uma linguagem altamente condensada.

Helena tem publicados doze livros de poesia e doze antologias ou coleções, além de um número significativo de poemas dispersos em jornais e revistas especializados. A Poeta vem recebendo destaque junto à crítica paranaense e brasileira por sua constante produção poética. Segundo Wilson Martins, Helena Kolody vive o paradoxo de ser, enquanto poeta, uma 'figura
exponencial das letras paranaense', sem ter gravado o seu nome e sua obra no quadro mais amplo da literatura brasileira. Ela é, com certeza, 'poeta do Paraná não apenas pela naturalidade regional, mas também por haver acrescentado a voz do imigrante à temática da poesia brasileira' (1995: 52).

Alice Ruiz afirma que a 'marca registrada' da poesia de Helena Kolody são 'a viagem da linguagem e o exercício do corte preciso' e que 'Helena nos mostra, como um mestre zen, que a poesia está nas coisas, é só acertar o olhar' (1995: 50-51). Destaca ainda,

o máximo de poesia é a poesia mínima. Síntese, concentração de
informação, concentração de beleza. Implosão. O não à
redundância (...). Poesia não é perfumar a flor. Poesia é o perfume
da flor. Tal como a poesia de Helena Kolody. Essa paranaense
encantada e cheia de luz que em 1941 já publicava Haicai
enquanto a maioria só publicava soneto (idem: 51).

Helena Kolody é a poeta do cotidiano, das realidades simples e comuns, interpretadas por sua sensibilidade e lirismo contagiante e libertador. Sua poesia, profundamente lírica, com acentos existenciais, transparentes, revela uma construção poética alicerçada a partir das coisas simples e cotidianas.

Nas primeiras obras de Helena percebe-se que a poeta vai se encaminhando cada vez mais para a poesia intimista, confessional e auto-indagadora em que predomina o subjetivismo, a introspecção e o mergulho no mundo interior, no qual o Eu vai se desdobrando em imagens,
deixando transparecer uma consciência de mundo projetada na questão pessoal e social. Todavia, em suas obras posteriores, nota-se que aos poucos seus poemas vão se tornando sintéticos, condensados. Cumpre destacar que já em sua primeira obra, Paisagem interior, são publicados três haicais: Prisão, Arco-íris e Felicidade, e que segundo Reinoldo Atem, 'são os primeiros publicados no Paraná e demonstram sua tendência permanente e contínua para a brevidade reflexiva' (ATEM, 1990: 159).

Em Música submersa (1945), obra seguinte, percebe-se alguns poemas sintéticos, entre eles o haicai Pereira em flor (Viagem no espelho), elogiado por Carlos Drummond de Andrade, que diz ter encontrado com alegria poemas como esse, 'em que à expressão mais simples e discreta se alia uma
fina intuição dos ‘imponderável poéticos' (In: Rumo paranaense, 1970: 4). Leia-se o poema:

De grinalda branca,
Toda vestida de luar,
A pereira sonha (p.189).

No poema ocorre uma personificação da pereira. As imagens são singulares. A flor da pereira é símbolo do caráter efêmero da existência. A respeito desse haicai, Helena relata de que forma surgiu o poema:

Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair da casa
de uma amiga, dei com aquela pereira completamente florescida,
banhada pela luz da lua cheia. A beleza do quadro foi um
impacto na minha sensibilidade. Fiz o poema bem mais tarde.
Associei a pereira com uma noiva: a noiva toda vestida de branco,
sonhando, como a pereira ao luar (1986: 22).

Helena acredita que as impressões apreendidas vão se acumulando em seu inconsciente e elaborando uma espécie de húmus, no qual se misturam impressões de muitos tempos, e desse húmus brota o poema. Nesse sentido, o poema é 'a metáfora do que o poeta sentiu e pensou; é a ressurreição da experiência e sua transmutação' (PAZ, 1991: 19).

Em relação ao processo de composição poemático a que se refere Helena Kolody, assemelha-se ao que Octavio Paz afirma a respeito da experiência do poeta. Suas experiências diárias não se compõem de idéias ou de sensações, mas de idéias-sensações que se manifestam no interior do poeta e são, por natureza, evanescentes. A linguagem, num primeiro momento, apreende àquelas sensações, depois as fixa, muda-as, ransforma-as. O poeta repete a operação do que viu e sentiu de maneira infinitamente mais complexa e refinada. Assim, o poeta ao nomear o que sentiu e pensou, apresenta formas e figuras que são combinações rítmicas nas quais o som é inseparável do sentido. Tais formas e sentidos têm o poder de produzir sensações e idéias-sensações semelhantes, mas não idênticas às da experiência original vivenciada pelo poeta (idem: ibidem).

Em 13 de junho de 1993, a comunidade nipo-brasileira de Curitiba, em comemoração aos 300 anos de Curitiba e aos 85 anos de imigração japonesa, homenageia a poeta Helena Kolody com a outorga do nome haicaísta REIKA, em reconhecimento à dedicação, divulgação e grandiosidade que deu à poesia de origem japonesa: o haicai.

Reika (nome poético, ou nome de haicaísta), composto por dois ideogramas específicos, Rei e Ka, pode ser traduzido como 'Perfume da literatura', ou 'Renomada fragrância de poesia', ou ainda, 'Aroma da poeta maior'. O nome (Reika) sugere na língua japonesa, algo como um perfume
que vai se espalhando pelo ar, cujo aroma é a poesia. Não é uma tradução fácil, pois não se refere ao perfume em si, mas ao contágio ou vibração que envolve as pessoas pelo encanto que a poesia emite (OSAKI & OSAKI, 1993: 2).

No que diz respeito à forma poética de composição, o haicai, Helena Kolody assimilou muito bem essa forma de poesia. Segundo a Autora, foi através do Jornal de Letras e da correspondência com a escritora paulista Fanny Dupré, que teve conhecimento da poesia japonesa, em especial o haicai..

Segundo Cláudio Daniel, o haicai, bem como toda a arte zen (os arranjos florais, a cerimônia do chá, as técnicas marciais), não é somente uma experiência verbal. Ele existe 'apesar' da linguagem, pois o alfabeto de ideogramas (kanji) registra 'imagens' enquanto que o Ocidental registra 'idéias/sons (presentes no silabário)'. Com sua escrita icônica, os haicais japoneses têm sua origem no canto e 'faziam parte de diários de viagem (nikki), num diálogo prosa/poesia e eram desenhados em um quadro (zenga)'. Assim, 'o poema fazia parte de um todo plástico' (1998: 51).

O tanka é um poema clássico japonês, composto por trinta e uma sílabas distribuídas em estrofes de cinco versos. O haicai e o tanka são formas de composição da arte japonesa, que revelam momentos 'tensos e transparentes', 'instantes de equilíbrio entre a vida e a morte. Vivacidade:
mortalidade' (PAZ, 1991: 198).

Reika reúne 28 poemas (haicais e tankas). Foi uma iniciativa de Nivaldo Lopes, que num trabalho em tipografia manual edita o quinto exemplar da sua editora Ócios do Ofício, e o terceiro da coleção Buquinista, da Fundação Cultural de Curitiba.

O haicai intitulado Alquimia (RE), com seu caráter ideográfico expandido: 5-7-5 sílabas aliterativas e assonantes, revela que a poesia pode ser pura alquimia:

Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz (p. 25).

O poeta, inventor de formas e sentidos, é capaz de transformar em palavra 'tudo o que toca'. O poder das palavras 'antigas' são lapidadas pelas suas 'mãos inspiradas', nascendo assim, 'novas palavras'. O torneio coloquial e semântico revela o poder de nomeação da linguagem. A poeta é capaz de síntese perfeita, baseando-se no jogo de palavras e no seu poder de revelação, pois seu texto convida à participação do leitor, com alto grau de comunicabilidade.

O tanka Sabedoria (RE) mostra a temática do efêmero, da brevidade da vida, do tempo e da saudade. Em seus versos salientam-se o exercício lúdico, as pausas dos versos, os acentos poéticos, as ligações dos segmentos frasais e o conteúdo das recordações do sujeito lírico, que inquieta-se perante à vida:

Tudo o tempo leva.
A própria vida não dura.
Com sabedoria,
colhe a alegria de agora
para a saudade futura (p.60).

Há uma perfeita relação semântica entre os versos do poema, revelando que a vida é finita como as coisas que passam. O texto aponta para uma questão fundamental: o ser humano, como todas as formas de vida, tem um prazo a cumprir na existência terrena. Daí a necessidade de buscar com sabedoria 'a alegria de agora', ou seja, urge cultivá-la, de maneira 'plena', tendo em vista 'a saudade futura'.

Os versos são marcados por um lirismo pungente. No último verso do poema, os três signos: 'sonho', 'tristeza' e 'solidão', denotam a introspecção do sujeito lírico, que se sente inquieto perante a vida. As enumerações contribuem para a manutenção do ritmo do poema. O tom de indagação que norteia o poema revela um conflito entre o 'eu' e o mundo circundante. O
questionamento da linguagem pode estar relacionado à consciência tensa, inquieta do Eu poético,
em constante interrogação.

Em Os tristes (RE), poema haicai, aparece de forma clara a inquietação do sujeito lírico enquanto questionamento:

Em seus caramujos,
os tristes sonham silêncios.
Que ausência os habita? (p.33).

São versos revestidos de um lirismo singular. Salienta-se a temática da solidão, pois em 'ausência' e 'silêncios', os tristes sonham. A imagem do caramujo remete à idéia de isolamento e introspecção. No verso final, destaca-se a indagação do sujeito lírico.

Aquarela (RE) é um tanka que revela um grau máximo de comunicabilidade e lirismo. A poeta trabalha a linguagem numa dimensão pessoal e síntese perfeita, enfatizando paralelismos em oposição. Sua poesia busca o instantâneo e a integração da vida e da natureza. Leia-se o poema:

Sol de primavera.
Céu azul, jardim em flor.
Riso de crianças.
Na pauta de fios elétricos,
uma escala de andorinhas (p.55).

Marcada por uma surpreendente força lírica, a linguagem do poema conjuga a relação do sentimento vital integrada à constante renovação cíclica da vida. Essa tanka é um hino de graça e louvor à vida. Os elementos da natureza se relacionam de maneira harmoniosa. No 'coração do poema' destaca-se o verso 'riso de criança', que simboliza a simplicidade natural, a espontaneidade.

Saudades (RE) é um haicai que tem por musa a natureza. O poema evoca um lirismo nostálgico, numa linguagem lúdica, metafórica e organizada, que se pode constatar em versos de puro 'engenho' criativo:

Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades (p. 21).

Este poema de forma miniatural, tematiza a saudade e a natureza. O canto do sabiá, mesmo distante, é capaz de despertar o 'canto' da poeta, em que ela transforma em palavras, esse 'despertar inquieto', sua observação atenta à natureza, seu encantamento lúdico com a linguagem.

O haicai é uma forma de poesia japonesa, pequeno poema de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas sucessivamente. Ele evoca uma singela e delicada impressão do mundo, da natureza, do homem, das plantas ou dos animais; às vezes com um refinado toque de lirismo de caráter melancólico ou nostálgico, outras, com um rasgo de ligeiro humor (HUIZINGA, 1990: 138).

O haicai intitulado Depois (RE), com suas sílabas aliterativas e assonantes, aponta para a relação do homem com à natureza. O momento presente inquieta o eu lírico que sabe de sua situação enquanto 'viajante das galáxias'. A afirmativa do sujeito lírico é de uma originalidade
singular:

Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
Universo afora (p.25).

A temática da transitoriedade do ser, faz-se presente nos versos do poema, situando o onde, o quando e o que do acontecimento poético. No haicai, Desafio (RE), o sujeito lírico declara:

A vida bloqueada
instiga o teimoso viajante
a abrir nova estrada (p.35).

Nos versos do poema, percebe-se as ligações dos segmentos frasais, a sonoridade e o jogo de palavras. O texto mostra que é necessário vencer os obstáculos da vida, para 'abrir novos caminhos'. A estrada é símbolo de viagem e transitoriedade do ser que está sempre em busca de realizações.

A consciência da brevidade da vida e o futuro incerto faz com que o sujeito lírico valorize o momento presente. A morte é vista como um processo natural, surgindo como uma perspectiva certa da finitude do homem. A consciência de que a morte pode chegar a qualquer momento, não é obstáculo para que o sujeito lírico viva a cada instante, embriagando-se de alegria. A vida é para eu lírico um 'mistério'. E só o fato de existir, leva-o a sentir-se fascinado e amante da vida.

A concentração verbal do haicais e tankas kolodyanos operam numa economia de recursos que consegue o máximo efeito estético, numa linguagem sintética, cujo lirismo é uma forma peculiar de 'arranjo da linguagem' e de 'recorte do mundo'. Seus versos apresentam uma sonoridade rítmica e rímica marcadas pelo processo de elaboração criativo e lúdico.

Os poemas de Reika exploram basicamente uma das vertentes temáticas preferidas da poesia de Helena: o poeta diante de si mesmo e da poesia. Ela é poeta vigorosa que concilia perfeitamente a experiência da subjetividade com a objetividade, ou seja, emoção e razão, atualizando-se pelo nítido espírito de modernidade. Sua linguagem é densa de significação. Seus
versos são repletos de significados, sugestões e imaginação, que resultam numa poesia intelectual e emotiva, marcada pela síntese e pela moderna procura de uma semântica inventiva, instauradora de múltiplos sentidos, preocupada com a estética. Por essas razões, a poesia kolodyana se legitima,
à definição de Octavio Paz: 'Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza' (1982:15).



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATEM, Reinoldo. Panorama da poesia contemporânea em Curitiba. Dissertaçäo de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1990.

CRUZ, Antonio Donizeti da. Helena Kolody: a poesia da inquietação. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: PUCRS, 1993.

KOLODY, Helena. Reika. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba / Ócios do Ofício, 1993.

________.Viagem no espelho. Curitiba: Editora UFPR, 1997.

________.Um escritor na Biblioteca: Helena Kolody. Curitiba: BPP/SECE, 1986. 42 p.

WILSON, Martins. In:__. Helena Kolody [organizado por Paulo Venturelli]. Curitiba: Ed. da UFPR,1995 (Série Paranaense).

Helena Kolody por Helena Kolody. Curitiba: Luz da Cidade, 1997 (Coleção 'Poesia Falada', vol. 4. CD idealizado e produzido por Paulinho Lima – Trilha musical composta e executada por Iuri
Cunha).

HUIZINGA, Johan. A poesia e o jogo. In: __. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1990.

DANIEL, Cláudio. Haikai: som e imagem. Dimensão: revista internacional de poesia, Uberaba/Brasil, ano XVIII, n.27, p.51-53, 1998.

OSAKI, Rosa & OSAKI Chiyoe. Haiku no meigo: outorga de nome haicaísta REIKA. Curitiba, 1993.

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.

PAZ, Octavio. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

RUMO PARANAENSE, Curitiba, n. 35, p.4-6, [ca. 1970].

RUIZ, Alice. In:__. Helena Kolody (Organizado por Paulo Venturelli). Curitiba: Ed. Da UFPR,1995 (Série Paranaense).



Palavras–chaves: Haicais – Tankas – Helena Kolody
Área de Conhecimento: Literatura brasileira

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