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Ensaios-->O Prazer dos Internautas -- 28/03/2000 - 15:06 (Fernando Antônio Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PRAZER DOS INTERNAUTAS
Fernando Antônio Gonçalves

A fase contemporânea da história dos homens, de uma mutabilidade desconcertante nos campos tecnológicos e comportamentais, é resultante de uma série de sintomas. Explícitos uns, outros nem tanto, os demais profundamente fincados num mundializante inconsciente coletivo, irreversivelmente desregionalizado pela ação de moderníssimos sistemas comunicacionais, as infovias sendo o mais evolucionário de todos. Tudo incrivelmente convergente com o pensar do notabilíssimo Fernando Pessoa, poeta português agora redescoberto pela inteligência intuitiva do mundo contemporâneo.
Através de um texto do autor de Tabacaria, “o mais belo escrito do mundo”, segundo uma jornalista francesa, podemos avaliar a sua acuidade sensual invulgar, esplendorosamente antecipatória aos tempos de agora: “A nossa época é aquela em que todos os países existem, mais materialmente do que nunca, e pela primeira vez, intelectualmente, existem todos dentro de cada um”.
No contexto civilizatório atual, a dificuldade de, civilizadamente, discernir entre o complexo e o confuso está provocando a ampliação de patologias individualistas, vitimando-se a individualidade necessária, a convivialidade prazenteira, a sexualidade de mão dupla, a criticidade e a auto-criticidade, além de nulificar a percepção de saber ser superior ou subordinado, a depender das circunstâncias e regras estabelecidas. E o refúgio na internautalidade, na condição primeira de se tornar um navegador solitário, fingida ou nobilitantemente solidário pelas múltiplas infovias de um mundo internético em contínua expansão geométrica, com as exceções que somente ratificam a regra geral, pode ser um modo inconscientemente irresponsável de “lavar as mãos” diante dos múltiplos e desagregadores cenários sociais. E de também ser dono de seu próprio nariz, onanisticamente sem parceria, sultanicamente bem situado com todo o restante, independentemente de sexo, cor, idade, nacionalidade, religião, vício ou tara. Parecendo tudo conhecer, para aplicar nas relações internáuticas, o pensar de Álvaro de Campos, heterônimo famoso do Fernando Pessoa já citado, para quem “exprimir-se é dizer o que se não sente”.
Uma questão levantada pela pensadora Hannah Arendt – A conquista do espaço pelo homem aumentou ou diminuiu sua estatura? -, efetivada em 1963, num Simpósio sobre o Espaço, pode ser plenamente contextualizada hoje, véspera de um novo milênio: A conquista do espaço internético pela nova geração aumentou ou diminuiu sua estatura? Uma indagação que está a merecer uma resposta recheada de bom senso, a ser explicitada numa linguagem cotidiana, onde se deve levar na mais alta conta os diferentes níveis civilizatórios do momento presente, todos eles amalgamados por uma hipócrita cultura de fingimento, que a nada conduz senão a um cenário social onde alguns imaginam estar e outros sabidamente estão, tudo se relacionando num nível aparentemente de todos, cinicamente igualitário, perversamente democrático.
Algumas personalidades contemporâneas, símbolos emblemáticos de gerações e níveis culturais diferenciados, parecem desejar reforçar um neo-humanismo vigoroso que lateja nas veias do mundo, buscando edificar novos moldes civilizatórios, sem nostalgias de espécie alguma. Um hercúleo e sistemático combate ao filistinismo de uma emergente classe média, que fez da Internet um instrumento de mobilidade social, a consumir cultura como forma de diversão, com a conseqüente desvalorização dos valores existentes, sem qualquer processo metodológico de reposição. Ei-las:
& 61623; “Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia” (Lulu Santos)
& 61623; “Pode-se perdoar tudo num homem, menos que não bote força para deixar de ser burro”.(Luiz Berto)
& 61623; “Fiquem velhos, mas não envelheçam” (Capiba)
O instrumento ideal para os tempos internáuticos atuais é a bússola, o ícone do ser humano contemporâneo, situado e datado, utilizando, aqui, a expressão feliz do educador Paulo Freire, recentemente tornado eternidade. E qual o requisito fundamental para utilizar tal instrumento norteador? O velho Cervantes já respondia através do universal Dom Quixote de La Mancha: “Quem perde seus bens, perde muito; mas quem perde um amigo, perde muito mais; mas quem perde sua coragem, perde tudo'. E em que nível estará situada a coragem daqueles que, atrás de um vídeo, donquixotemente trava os mais ardentes combates, sexuais inclusive, pouco se importando com os interlocutores, quase todos iguais a ele, com suas máscaras, ilusões, fanfarrices e heterônimos sob a forma de nicknames os mais variados?
Às vésperas de um novo século, que se iniciou na derrubada do Muro de Berlim, quando a própria palavra moderno perdeu sua luminosidade atrativa, parte dos seres humanos percebe-se inconclusa, espoliada por ismos os mais diferenciados e desrespeitosos, muito embora, contraditoriamente, uma outra parte sinta-se, diante de uma telinha de computador, dominadora dos setes mares e cinco continentes, senhora de céus e terras, absolutamente dotada de ampla superioridade, imaginária certamente, mas para ela verossímil por excelência. Neste último agrupamento, significativamente mais avantajado que o primeiro, a internautalidade provoca uma acomodação contagiante, favorecendo o crescimento dos níveis de desconhecimento acerca de deveres e direitos numa sociedade que busca se reestruturar através de sucessivas desestruturações. Um desconhecimento que amplifica preconceitos, sedimenta conivências grotescas com o chulo e o vulgar, estimulando uma conveniente convivência com o degenerativo, o repetitivo, o nostálgico e um déjà vu sensaborão por excelência.
O contato quase exclusivo dos internautas com uma telinha que se abre real e ilusoriamente para o mundo ratifica, embora sob um outro ângulo, o pensar de Ortega y Gasset: 'Como é possível as rãs discutirem sobre mar, se nunca sairam do brejo?'. E aqui, uma vez mais, Fernando Antônio Nogueira Pessoa, o notabilíssimo Fernando Pessoa, antecipa-se magistralmente, já em 1912: “Por vitalidade de uma nação não se pode entender nem a sua força militar, nem a sua prosperidade comercial, coisas secundárias e por assim dizer físicas nas nações; tem de se entender a sua exuberância de alma, isto é, a sua capacidade de criar, não já simples ciência, o que é restrito e mecânico, mas novos moldes, novas idéias gerais, para o movimento civilizacional a que pertence”
Receio pela descidadanização predatória daqueles que, patologicamente internautas, tornam-se contaminados por um conformismo alienatório, político inclusive, a favorecer irresponsabilidades as mais variadas, de conseqüências funestas para o próprio regime democrático. Já foi dito certa feita: “A maior tragédia do homem contemporâneo está na sua dominação pela força dos mitos, abdicando de uma soberana capacidade de discernir. ... Nós, brasileiros, muitas e muitas vezes oscilamos entre um otimismo ingênuo e uma desesperança que somente beneficiam os reacionários. Otimismo e desesperança que nos fazem esquecer as manhas de um poder invisível que se encontra comodamente instalado em atapetados gabinetes da República, a desarticular propostas de uma reestruturação nacional consistente e duradoura, adversária primeira dos interesses oligárquicos”.
Muito oportuno se faz repetir, aqui, o pensar recente do economista Celso Furtado, um nordestino de muito boa cepa: 'Não podemos fugir à evidência de que a sobrevivência humana depende do rumo de nossa civilização, primeira a dotar-se dos meios de auto-destruição. Que possamos encarar esse desafio sem nos cegarmos, é indicação de que ainda não fomos privados dos meios de sobrevivência. Mas não podemos desconhecer que é imensa a responsabilidade dos homens chamados a tomar certas decisões políticas no futuro. E somente a cidadania consciente da universalidade dos valores que unem os homens livres pode garantir a justeza das decisões políticas '.
Sem uma eficaz educação cidadã, que favoreça um saudável prazer internáutico, capaz de eficazmente favorecer o entendimento entre povos e nações, colonizados e colonizadores não domesticarão seus instintos primários, desrespeitando o ideário de Albert Einstein, também um antecipador dos momentos atuais: “Se os homens, como indivíduos, cedem ao apelo de seus instintos básicos, evitando a dor e buscando satisfação apenas para si próprios, o resultado para todo o seu conjunto é, forçosamente, um estado de insegurança, medo e sofrimento geral. Se, além disso, eles usam sua inteligência numa perspectiva individualista, isto é, egoista, baseando suas vidas na ilusão de uma existência feliz e descompromissada, as coisas dificilmente podem melhorar. Em comparação com os outros instintos e impulsos primários, as emoções do amor, da piedade e da amizade são fracas e limitadas demais para conduzir a sociedade humana a uma condição tolerável”.
Para não esmorecer o ânimo dos presentes, realço a minha condição de otimista militante não-abestalhado. Um ser humano que se considera permanentemente inconcluso, transnordestino radicalmente pernambucanizado, seguramente maturado diante da advertência célebre do poeta meu xará, por quem nutro uma admiração muito acima do senso comum: “O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela, em segui-la mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz”.
Que uma internautalidade prazerosa nos complemente, social e intelectivamente, jamais se justificando como um fim em si mesmo, posto que se “navegar é preciso, viver nunca foi preciso”.
Muito obrigado pela atenção dispensada. Até sempre!!!
(*) Economista, professor universitário, vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura do Recife (http://www.fergoncalves.pro.br)
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