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Ensaios-->UMA REFLEXÃO SOBRE CINEMA E LITERATURA -- 28/04/2000 - 10:30 (Saulo Cunha de Serpa Brandão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UMA REFLEXÃO SOBRE CINEMA E LITERATURA

Saulo Cunha de Serpa Brandão
serpa@npd.ufpe.br

' Quando um novo veículo desempenha melhor e mais economicamente a função de outro, o antigo desaparece, a não ser que consiga redefinir sua função'
Flávio Khote

Tive a oportunidade de participar de uma mesa de debates sobre o cinema no Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da UFPE, após uma palestra do simpático Prof. Dennis West, da Universidade Estadual de Idaho, estado de Idaho, Estados Unidos da América. Ele estava visitando o Brasil e conferindo palestras em Recife e outras capitais brasileiras atendendo a um convite do USIS - agência de divulgação cultural do seu país.
O Prof. West é um especialista em Film Theory and Criticism e começou sua preleção informando que ele mesmo, a despeito da audiência que tinha (quase todos da área de Teoria da Literatura), iniciou suas atividades ensinando Literatura, e que, aos poucos, foi atraído pelo cinema, mas mantinha a saudável prática de, sempre que possível, confrontar os filmes exibidos para seus alunos com os textos literários que serviram de base para os roteiros cinematográficos.
No decorrer da palestra, o convidado fez alguma afirmações que me deixou inquieto ao ponto de estar fazendo este breve exercício. As informações sobre as quais pretendo refletir são as seguintes: a. No presente, o estudo do Cinema nos EUA é tão importante quanto o estudo da Literatura; b. Existem três grandes escolas de Cinema nos EUA: State University of New York (SUNY), University of California in Los Angeles (UCLA) e University of Southern California (USCA). Sendo que as duas últimas recebem grandes incentivos das produtoras hollywoodianas; c. Que grandes peças literárias geralmente tornam-se péssimos filmes (existem exceções); e, d. Que textos literários de baixa qualidade (???) geralmente viram bons filmes (???).
A primeira afirmação, aparentemente, não deve causar grande desconforto. Vivemos um tempo em que cultura se confunde com diversão. As pessoas buscam emoções fortes de digestão fácil e que não lhes tragam qualquer tipo de questionamento. Uma grande prova de erudição, na atualidade, é saber quem dirigiu o último filme estrelado John Travolta (observe que estou falando do último, seria o cúmulo da exigência perguntar quem foi o diretor do anterior a este). Saber que Antônio Banderas casou-se com Merlaine Griffitti, e que eles já têm um filho, vão morar na Itália, é um must para esta nova estirpe de intelectuais. Cada um faz de sua vida o que bem quer, não posso reclamar.
Mas se pensarmos que da data que os irmãos Lumière inventaram uma rústica máquina de projeção, que depois transformou-se nesta coisa chamada cinema, até os dias atuais decorreram apenas uma centena de anos e, que o cinema só começou a ganhar popularidade após o primeiro quarto de nosso século. É desconcertante que se afirme que os cursos sobre Cinema sejam tão importantes quanto os cursos de Literatura. Verifique os reflexos das seguintes questões: Há quanto tempo o homem exercita a arte de escrever? Quantos filósofos tiveram a literatura como objeto único de seus pensamentos? Quantas vezes, e como, a sociedade se modificou por causa de textos literários? ( Reflitam sobre Goethe e Garcia Márquez). A Literatura exige reflexões profundas, diversas leituras de um mesmo texto, conhecimento de estética, história, filosofia, sociologia, antropologia para se conseguir apenas uma única das infinitas leituras possíveis da obra. Um trabalho completamente diferente das emoções epidérmicas, reações adrenalínicas e rasas da sétima arte. Mas , infelizmente, temos que reconhecer que a sociedade pós-moderna necessita de uma prática artística que reflita a rede epistemológica que a subjaz. Ao que parece o Cinema veio para preencher este espaço.
No cenário descrito, é natural que se criem cursos sobre cinema, que universidades como a SUNY, UCLA e USCA tenham grandes cursos na área também não deve causar susto, são instituições megalômanas, são grandes em tudo que fazem. Sobre isso a primeira grande interrogação que se apresenta é o fato de duas das universidades citadas terem seus cursos de Cinema financiados pela poderosa indústria fílmica da Califórnia. Sabemos por experiências passadas que os mecenas, quase nunca, são pessoas bondosas, que apreciam gastar seu dinheiro com produções culturais. O dinheiro vem sempre acompanhado das diretrizes ( quando, qual, quem, o que, os porquês ), cabendo às instituições pesquisarem o como as solicitações podem ser melhor atendidas. Para um exemplo claro de como funciona esta estrutura, basta que se lembrem dos artigos elogiosos que Euclides da Cunha escrevia sobre o 'glorioso exército brasileiro' enfrentando o 'monarquista poderoso e inescrupuloso:' Aniônio Conselheiro. Esses artigos foram escritos antes da ida de Euclides a Canudos -- o exemplo mais famoso destes artigos é A nossa Verdeia -- quando o escritor constava da folha de pagamento do Ministério da Guerra.
Levantada a questão dos mecenas -- lembrando que ela está intimamente ligada ao que vamos discutir agora -- passo a um exercício possível sobre as duas últimas afirmativas do Prof. West: os grandes textos literários viram péssimos filmes (existem exceções, no debate citou-se o caso de Vidas Secas); e, textos literários de baixa qualidade (literários apenas por que foram escritos -- me refiro a esta prática com letras minúsculas) transformam-se em grandes películas.
Para suportar o meu ponto, informo de maneira sintética minha crença de que sociedades compulsivamente consumistas como a nossa tendem a não se conformar com a aquisição, apenas, de bens materiais. Elas passam a absorver, de forma autofágica e destrutiva, os bens culturais que encontram-se em seu próprio assoalho epistemológico. Acredito que isto ocorra quando grandes obras literárias são transportadas para a tela. A partir da falácia de que o homem moderno não tem tempo para ler os inúmeros livrórios artísticos devido ao ritmo frenético de sua vida, o cinema se propõe a fazer a leitura do texto literário e traduzi-lo para uma forma cênica, que pode ser consumida em pouco mais de 100 minutos. Ele - o cinema - se transforma na interface perfeita entre a sociedade (que tem necessidade de conhecer o que já foi produzido por sua raça) e o escasso tempo que ela tem para contrair o conhecimento esperado de um homem civilizado. O que este ser não percebe é que ele está cedendo à industria cinematográfica seu supremo direito de decidir sobre a qualidade do texto da maneira como ele foi produzido. Aceita-o tal como uma industria comprometida com todo tipo de interesse lho apresenta.
No momento em que as adaptações de grandes textos literários entram no circuito, o público vai ao cinema com a expectativa de assistir um excelente filme (como exemplo lembro de A letra escarlate [com Demi Moore] e Hamlet [com Mel Gibson]). A decepção, quase que certa, pode levar o espectador comum a perguntar: então esta é mais famosa obra do grande escritor X? Afinal o que existe de tão grandioso nesse texto? O cidadão comum não concebe que uma megaprodução (grande empresa cinematográfica, grandes atores, um superdiretor, e um orçamento multimilionário) possa ser culpada pela péssima realização. Ele justifica o fracasso apontando para o texto original escolhido. Neste momento o grande escritor X vira um chato, enfadonho, soporífero, execrável pelo nosso mundo sem maiores remorsos, etc.
Por outro lado temos o fato - segundo Prof. West - de textos literários menores virarem excelentes filmes. Assistimos assim a deificação dos Sheldons, Lundluns, Rices, Robbins, Coelhos e toda uma constelação quasárica com a tendência de crescimento, não só numérico, mas também de acolhida, por esse pobre ser que se auto-intitula homem moderno.
Pode-se observar claramente que existe uma inversão de valores. O quanto isso é intencional e, até mesmo, programático pode tornar-se tema de diversas teses. O senso paranóico -- que também é uma característica do homem de nossos dias -- me obriga a vislumbrar uma manobra bem articulada por aqueles que financiam as grandes produções cinematográficas. Imaginar os porquês desta manobra fica a cargo do leitor, pode-se começar, por exemplo, pensando em um trabalho de alheamento do discernimento crítico das pessoas.
Por fim, gostaria de esclarecer que não sou, em absoluto, uma pessoa que detesta cinema. Ao contrário, gosto de cinema. Defendo, apenas, que se diferenciem os diversos tipos de discursos e os meios que cada um destes exige para melhor se apresentar. Se os teóricos e críticos do cinema -- como o Prof. West -- concordam que bons romances não se prestam para elaboração de bons roteiros, seria uma demonstração de sanidade, ensinar aos seus pupilos, futuros diretores, a impropriedade da tarefa. Deixando os textos literários para que os homens renascentistas, que insistem em existir nos dias de hoje, os degustem nos seus momentos de solidão pseudocompulsória.
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