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Ensaios-->fé em pedras pendentes do céu -- 16/05/2000 - 20:36 (jorge pieiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
FÉ EM PEDRAS PENDENTES DO CÉU

“Quem diz sim à pedra
e com gestos exatos
aninha suas arestas
no intervalo das costelas?”
(D.G.)


O ser humano esforça-se para ultrapassar sua vida terrena, (des)governando a sua inteligência e criatividade, em busca de alguma coisa que dure para sempre. O resultado dessa empreitada muitas vezes concretiza a singularidade do mistério, fazendo-nos lembrar que o homem perde, na maioria das vezes, o domínio das suas criaturas. Porém, lembrando Epicuro, “o essencial para a nossa felicidade é a nossa condição íntima: e desta somos nós os amos.”
Ao salientar Somerset Maughan que “somente a fé de um poeta ou de um santo pode esperar que surjam lírios do asfalto da rua”, o poeta se eleva à condição suprema do ser que se alterna entre o céu da imaginação e a terra sobre a qual enraíza suas perplexidades, desejos, fobias e a imanência da vida e da morte.
Ao falar de fé, vida e morte, todas essas sugestões podemos alcançar nos poemas de Donizete Galvão (Borda da Mata-MG, 1955), encerrados em “Do silêncio da pedra” (1996), editado pela Arte Pau-Brasil - Ah! Coleção de Poesia Brasileira, de São Paulo.
“Do silêncio da pedra” é um livro de fé ou da sua busca primeva, não se confundindo essa virtude encontrada na obra com o ontologismo evidenciado pelos teólogos do século XIX.
Produzindo uma linguagem intensa e concisa, Donizete Galvão subverte a vã filosofia dos poetas derramados em extratos da mais sagrada essência. Recorre a temas simples, com os quais transporta-se à imensidão poética. Exemplo disso ocorre desde “Azul navalha” (T.A.Queiroz Editor, São Paulo, 1988) e “As faces do rio” (Água Viva Edições, São Paulo, 1990).
O poeta mineiro contextualiza em seu recente livro o elemento pedra como questão e solução de suas ilações, diferentemente da pedra-obstáculo de Drummond ou da pedra-construção de João Cabral. O poeta Augusto Massi muito bem advertiu que “em Donizete, ela volta a ser a morada dos deuses, abrigo contra as dores do mundo, celebração em recolhimento.”
Ao mesmo tempo, a pedra de Galvão é o espaço intocável, proibido, “Seixo perfeito / como sono no leito do rio (José, p. 18), ou o elo perdido da sua fé: “Em que noite adormeci verde / e acordei Saara?” (Anil, p. 19).
A palavra segue seu “Itinerário” (p.20) confundindo-se com a natureza elementar da poesia, em que uma “cidade submersa” ergue-se a partir de “lençóis de areia”, e ao transmutar-se em peixe que salta, confunde-se com o seu ofício de nada. Aqui presta-se a lembrança ao poeta Rubervam du Nascimento e seu peixe-pedra-fóssil, para quem a função do peixe determina a utilidade da poesia: nada!
Em “Ex-voto” (p.22), o desejo de encontrar a fé se ressalta: “e procurando o não sabe o quê veio dar em paragens del Rei e aqui se apegou no intento embora baldado de que seu coração encontre a pacificação”. Assim como em “Itatiaia” (p.25): “silêncio dos deuses / que no miolo da pedra / fizeram sua morada”; “vestal da floresta / com o segredo que não revela.”; “Quando cerro os olhos / - vertigem - / e miro o escuro em mim / os grotões são bem mais fundos.”
Não deixando de escalar a ironia em alguns de seus versos - “uma maré de lavas engolirá as águas / e todos vocês serão souvenirs para turistas” (falando de peixes e metaforicamente do mercantilismo - “Fósseis”, p.35), Donizete Galvão, por outro lado, concentra enigmas e doses de pensamento epicurista em “Oráculo” (p.32): “que o olhar de um deus / transforma carne em cinzas / e seu corpo - estranho fruto - / irá pender da figueira / um dia”; ou em “Os sentidos da pedra” (p.52): “Quem não percebe na pedra, / fragmento de cordão umbilical, / o despojo deixado pelos deuses / na luta que inaugura a geografia?”
Consubstanciando ainda a fé e o oráculo, o poema “Brecha” (p. 48) potencializa o valor da poesia de Donizete Galvão, remetendo-o à espiralidade dinâmica de Heráclito e as águas do rio. Ao refletir que “entre / o desisto o resisto / existo”, o poeta faz lembrar, sinestesicamente, o olhar de ser-se pelo som: “risco milimétrico do vinil”; pelo tempo-existência “na ranhura do segundo”; ou pelo equilíbrio “no fio estreito...”, a intenção da ruptura do vocábulo “ex / isto” transforma o poema para muito além da sua compleição concreta.
Para concluir, cabe repetir a ladainha, insistir que a cultura brasileira olvida os bons poetas vivos, aqueles desencantados, por não se submeterem ao status quo dos plantonistas. O próprio Donizete Galvão em seu poema “Recomendações” assimila o “cavaleiro desencarnado”, um anti-Midas, pois em “Tudo o que toca / some. Evapora-se.” Sabe ele que assim persistindo essa indigência, afirma que “Ninguém vai ouvir falar do seu nome” e que, ao fim, um poeta não passa de “um espasmo, um sopro que não soa / além da grade da sua casa.”
Já afirmou o poeta que “a inutilidade da poesia não é a negação de sua força. Pelo contrário, é seu grande mérito.” Assim, essa idéia melancólica de poesia aquém da “grade da sua casa” encontra no próprio poeta a sua discordância e efeito. Donizete Galvão já começa a se dispersar além do limbo, transtornando o seu próprio grito e eco. Já é hora de influir na sua aldeia, Brasil, tornando-se pedras pendentes do céu, para enfrentar a memória com todos os seus versos e seus ideais. Questão de fé.
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