Usina de Letras
Usina de Letras
64 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62201 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10353)

Erótico (13567)

Frases (50601)

Humor (20029)

Infantil (5428)

Infanto Juvenil (4762)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->O QUE EU E VOCÊ ESTAMOS FAZENDO PARA MUDAR TUDO ISSO? -- 10/06/2000 - 08:48 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era um casall muito simpático.Estávamos nos anos 70.
Ele, jornalista especializado em aviação, fazendo uma reportagem sobre o incrível crescimento da indústria aeronáutica e da aviação comercial brasileira. Ela, simplesmente de férias, resolvera aproveitar a viagem do marido ou namorado, para conhecer o Brasil, deixando seu trabalho em uma ONG ambiental.
O jantar, a pedido deles, estava sendo em um restaurante típico brasileiro, com peixada feita em vasilha de barro, em Moema, um dos melhores bairros de São Paulo.
Quatro estrelas, no Guia Quatro Rodas.
O papo ia correndo ótimo, com meu inglês britânico, graças ao sotaque de Guaratinguetá.
Os dois estavam maravilhados com a viagem. Haviam passado por Manaus, conhecido a Bahia e visto as cataratas do Iguaçu. Tudo num circuito relâmpago, de avião. Agora ela acompanhava o marido no trabalho, visitando São Paulo.Viam de perto o então chamado milagre brasileiro.
Veio o comentário inevitável. Os contrastes.
Começamos 'light', enfocando as diferenças de sotaque dos brasileiros do sul, dos cariocas, nordestinos e nortistas. Os ouvidos sensíveis do jornalista e de sua mulher haviam captado a musicalidade diversa de cada um dos linguajares da gente brasileira.
Mas, inevitavelmente, chegamos aquele ponto que nos dá um arrepio na espinha: o contraste entre os que têm muito, mas muito mesmo, e os que não tem nada, mas nada mesmo.
Tentei esgrimir e explicar.
Falou-se da colonização predatória dos portugueses, franceses e holandeses, muito mais interessados em levar as riquezas da terra para a Europa do que em assentar-se aqui; da religião católica a pregar a pobreza em vida e a riqueza no além; da natureza mental pobre do caboclo, que perdeu a cultura do indio e não adquiriu a do europeu; do clima e da natureza, esta excessivamente pródiga e generosa; enfim, ofereci ao casal norte-americano as dezenas de desculpas que temos pela criminosa e genocida distribuição de rendas e de terras no nosso País.
Todavia, o rosário de desculpas e justificativas que temos a oferecer aos norte-americanos e europeus não é suficiente para fazer entender a alguém, de inteligência no mínimo mediana, porque o Japão pode ser a segunda economia do mundo, com um povo rico e o Brasil, eivado de riquezas naturais e de pródiga natureza, consegue ser subdesenvolvido e criminoso na distribuição de renda e da propriedade na grande maioria de suas regiões.
Não há tucano, com os mais requintados títulos de doutor honoris causa das mais doutas universidades do planeta e com os mais rebuscados discursos e letras, que consiga explicar essa ignomínia kafkaniana e absurda que deixava e continua deixando até hoje, 30 anos depois, o Palácio da Alvorada e o Plano Piloto conviverem com um entorno eivado da mais absoluta e absurda miséria e criminalidade. Ou então, admite que a quarta maior cidade do mundo, sede da FEI, da PUC e da USP, não conseguia, à época, e não consegue até hoje, limpar o seu rio e evitar as enchentes.
Não há explicação possível para essas ignomínias.
Até porque o meu colega jornalista norte-americano e sua mulher sabiam esgrimir bem com as palavras e pensamentos e mostravam conhecer bem o nosso País e seus problemas. Haviam lidos livros e ensaios. Conheciam a história do Brasil melhor que muito cidadão brasileiro com nível universitário, mostrando que aquela história de que americano pensa que a capital do Brasil é Buenos Aires já foi, já era, já naquele tempo.
A partir de um determinado momento, não deu para evitar: chegou-se inevitavelmente à impunidade e à corrupção.
Tive que confessar que a sacanagem continuava atingindo neste País todos os níveis sociais, do menino da favela ao morador do Morumbi ou do Lago Sul. A sociedade brasileira continuava e continua sendo totalmente indulgente com todos os que a agridem e agride a si mesmo, às gerações atuais e futuras, com um comportamento ético o mais indolente, Jecas Tatus morais, a deixar com que a lassidão macunaímica nos torne totalmente insensíveis ao crime e à corrupção que grassa em nós mesmos e ao nosso redor no cotidiano.
Tudo é perdoado, do motorista que atropela e mata embriagado a família do nosso vizinho, que acreditamos ter sido a vontade de Deus, até a nossa indulgência esperta que contempla, com pouca ou muita inconfessável inveja, o figurão que mora no apartamento ou no condomínio de luxo, porque levou um dia uma mala preta cheia de notas verdes para casa, sem que perguntássemos,indagássemos ou denunciássemos a origem daquela grana toda.
Abrindo mais uma garrafa de vinho, o jornalista do primeiro mundo perguntou-me, conseguindo estragar definitivamente a noite:
'-- Bem, e você, que me parece um cara inteligente e esclarecido e que tem consciência disso tudo, o que está fazendo para modificar esse panorama?'
O pior é que foi somente naquela noite que custei para dormir.
Afinal, sou também brasileiro, e por isso continuei até hoje, depois daquela noite nos anos 70, dormindo oito horas por dia, em paz com meu travesseiro, enquanto a sacanagem e a impunidade continuavam aumentando nos quase trinta anos seguintes, para chegar aos dias de hoje, onde finalmente a democracia para estar resultando num início de conscientização de tudo isso.
Pelo menos, hoje, podemos discutir o assunto sem que alguém nos pergunte o que você acha e a gente não precise dizer que não acha nada porque senão, daí a pouco, perua do DOPS na porta, ninguém nos acharia mais.
Mas que a coisa é dose, é dose.
E, muitas vezes, eu fico me perguntando, leitor amigo, o que é que nós, eu e você, estamos fazendo para mudar o panorama de falta de ética, vergonha e de impunidade que assola o meu, o seu o nosso País?
Você e eu, que somos inteligentes e conscientes, estamos fazendo alguma coisa para mudar isso?
Ou continuamos levantando todo dia como se nada estivesse acontecendo, cuidando na nossa vida,da nossa sobrevivência no dia a dia, da nosa família e do nosso nariz, deixando o resto prá lá?
Hoje pela manhã, li a notícia de mais dois assassinatos em Brasília. Mataram a mãe e o pai,ambos jovens que poderiam ser nossos filhos ou irmãos, que namoravam num terreno ermo, enquanto o bebê ficava chorando no banco de trás, abandonado durante oito horas, até que alguém encontrasse o automóvel com os cadáveres.
Parte de uma guerra civil não declarada que gera, só em São Paulo, mais de 6.000 cadáveres por ano,
uma Chechênia que não chama a atenção de ninguém, apesar de igualmente fratricida e injusta.
Peço a você, leitor amigo, que, se achar que minha angústia é a mesma sua e se temos que chamar a nossa própria consciência às falas e mudar de atitude, envie este ensaio, por e-mail, para todos os seus conhecidos, políticos, e outros formadores de opinião.
Gostaria de que mais gente, pelo menos de vez em quando, ficasse sem dormir. Quem sabe a gente começaria a despertar, não é mesmo?

Mário Galvão é jornalista e profissional de RP
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui