GOLPE DO CHEQUE
Alguém aí já foi vítima de um golpe do cheque? Pois nem lhes conto, estava andando pela cidade quando, de súbito, fui golpeado por um cheque. Traiçoeiramente. Quando me refiz da surpresa, vi que era um cheque meio desbotado, com duas listras paralelas no peito. Era de pouco valor, desses que se encontram à s dezenas ou vintenas, dependendo do talonário.
Quis revidar a agressão, atacando-o com uma nota de cinquenta, mas isso poderia humilhá-lo. Não é bom, a classe dos cheques já anda tão desacreditada. Suas vestes estavam amarrotadas e as calças remendadas (não tinham fundilhos suficientes). Podia ser um elemento perigoso, quem sabe por quantas mãos havia transitado, ou, pelo valor, tivesse sido jogado diretamente em uma latrina.
Depois, parece que se arrependeu do ato violento e pediu desculpas. Estava desesperado. Creio que foi uma lágrima que lhe borrou a assinatura. Havia sido um cheque de respeito, cheque especial, aceito em todos os lugares, associado de clubes e de grandes convênios. Possuía credibilidade até no exterior. Passou por vários planos governamentais, até que lhe deram uma rasteira. Um dia, foi recusado num boteco de terceira categoria. Aquilo foi um golpe irrecuperável. De sua saudável cor, foi definhando para um verde desbotado. E agora se encontrava nesta situação. Ultimamente, tinha dormido num abrigo para inadimplentes.
Aquilo estragou meu dia. Confesso que ignorava a situação aflitiva da classe dos cheques. Muitas vezes passavam pelo vexame de ser carimbados e recarimbados na traseira e empilhados com todo tipo de documentos desclassificados, numa promiscuidade de bacanal romana.
Ó triste cheque, qual será teu futuro? Serás condenado à execração popular, olhado com repulsa e desconfiança, qual um aristocrata falido? Ou serás redimido por uma política que te restitua as cores e a confiabilidade? Cheque, cheque, não te recrimino, és o espelho de uma nação carcomida por interesses particulares.
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