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Contos-->O TEATRO DA VIDA -- 27/10/2002 - 17:21 (Barbara Amar) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Se por acaso te contarem, assim como quem não quer nada, de um jeito descompromissado, que eu morri, faze-me um favor: não chores por mim.
Antes te divirtas, passeies, dês risada ou então desconverses. Só estás proibido de chorar por mim. Guarda-me na memória como uma bela criatura sempre alegre e meio louca, imutavelmente perdida em um velho baile de máscaras.

Lembras-te quando nos vimos pela primeira vez, nas escadarias de um rico palácio em Veneza? Vestida de brocado e coberta de diamantes, os cabelos presos em uma tiara incrustada de pedras preciosas, subia jovial e inconseqüente com a saia ligeiramente levantada e expondo os seios, sob a gaze diáfana que os cobria. Ocultávamos os olhos com finas máscaras de cetim e se não me falha a memória foi ali que nos apaixonamos. Tu, solícito e elegante com tua peruca branca, amarrada com fita negra de veludo, ofereceste-me o braço para que não me desequilibrasse. No baile, a corte reunida à volta dos soberanos exibia suntuosas fantasias. O glorioso festim que decorreu em um ambiente requintado, servido por criadas seminuas e enfeitadas como ninfas, só fez exacerbar os sentidos dos presentes culminando em grande orgia. Contaminados pelo ambiente dionisíaco rendemo-nos à dança desenfreada dos convivas. Terminamos a noite em uma gôndola ricamente adornada, embriagados de volúpia e paixão. Ao longe, perdida em meio a tantos excessos, ouvia-se uma bela voz de tenor a cantarolar baladas em voga.

Estivemos juntos em outro século, tu como o caçador implacável e eu a caça, eterna fugitiva. Eras de nobre estirpe e eu tua vassala. Escolheste-me em uma aposta com os amigos duvidando da minha virgindade. Levaste-me para a cama, embriagado. Humilhaste-me ao exibir minha nudez para teus comparsas, obrigando-me a lhes mostrar o lençol maculado pelo sangue do meu defloramento.
Fui mais que uma serviçal para ti. Apaixonei-me. Eras meu belo Senhor. Mas tu, incapaz de qualquer sentimento, só enxergavas em mim a escrava pronta para satisfazer teus desejos perversos. Quando não me desejavas, obrigavas-me a servir-te e às tuas amantes como simples criada. Inúmeras vezes fui ofendida por aquelas jovens aristocratas. Esbofeteavam-me pelo simples prazer de maltratar alguém, a quem julgavam inferior. E tu, nunca me defendeste. Durante uma de tuas múltiplas escapulidas às aldeias vizinhas, armei-me de coragem e fugi. Não mais suportava tamanha indiferença. Inconformado com as chacotas de teus pares perseguiste-me por anos, até as mais longínquas paragens. Um dia, quando menos esperavas, despontei à tua frente toda engalanada e coberta de armas. Na cabeça trazia um elmo enfeitado por plumas vermelhas e usava uma túnica curta da mesma cor. Imenso foi teu espanto. Combatemos incansáveis. A vitória, volúvel, pendia ora para um, ora para outra. O principal inimigo, contudo, era a atração mórbida que palpitava em nosso peito. Emblema daquele combate feroz. Na maioria das vezes atacávamos, porém em determinadas ocasiões a batalha esfriava dando-me a clara impressão que ias quebrar as armas e fazer amor comigo. Em certo momento tropeçaste. Como ato reflexo aproximei minha espada de ti. Faltou-me coragem. Ainda te amava. Tu, entretanto, não perdeste tempo. Saltaste como um felino e, com golpe certeiro, atingiste profundamente meu tórax. Quando caí a teus pés, já agonizava. Enlouquecido, abandonaste as armas e tomaste-me em teus fortes braços.
- Por que me deixaste? Preferes morrer a ser minha cativa?
- Não, murmurei. É que não suportei teu desamor.
- Vais viver. És minha. Não quero que morras!
Bradavas como um louco como se pudesses impedir com teus gritos o inexorável.
Morri em teus braços e morreste em vida. Tardiamente entendeste o quanto me amavas. Passaste, então, a viver como um eremita sabendo que jamais poderia apagar os atos do passado.

Mais uma vez, obedecendo às assertivas do destino, defrontamo-nos na Espanha quando fui presa como feiticeira. Minha única culpa fora encantar os homens, que se apaixonaram pela dança cigana. As mulheres, enciumadas, denunciaram-me como bruxa ao Santo Ofício. Foste o Grande Inquisidor que me condenou à morte na fogueira. Submeteste-me a interrogatórios pesados para que confessasse mentiras. Assististe, impassível, quando me quebraram os ossos das pernas.
- Assim não mais seduzirás ninguém!
Teus olhos brilhavam de ódio quando proferiste estas palavras. Neste instante vislumbrei, aterrorizada, um ardor suspeito em teu olhar. Compreendi que me desejavas. Tu, para me castigar a ousadia de ter desvendado teu segredo mandou que me desnudassem e chicoteou-me, impiedosamente, até a inconsciência. Mais tarde, na cela, acordei com teu peso sobre mim. Violavas tua prisioneira, a cigana que não mais poderia dançar e por quem sentias irresistível atração. Acompanhaste-me à fogueira, ouvindo meus gritos lancinantes ao ser consumida pelo calor das chamas. Sabias que meu único pecado fora ser bonita e sedutora. Mesmo assim nada fizeste para impedir que me matassem. Admiraste sim, pela última vez, meu corpo nu ser possuído pelo fogo inclemente.

Decorridos tantos séculos voltamos a nos deparar na atualidade vivendo uma relação tumultuada, plena de encontros e desencontros, de ódio e de paixão. Foram tantos os sofrimentos, as humilhações e iniquidades, que dividimos em nossas vidas passadas que escolho partir. Temo desta vez ser a vencedora. Meu amor fala mais alto. Obriga-me a te poupar.
Deixo marcado um novo encontro, em outra era. Nossa união é cármica, sabes bem.
Lembra-te que ao me retirar, no meio da cena, deste extraordinário teatro das vidas que interpretamos há tanto tempo, te aguardo em um futuro próximo para o desfecho. Este será pleno de amor (que sempre tivemos) e rico em felicidade, poucas vezes provada.

26/10/02

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