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Ensaios-->To be or not to be online: HAMLET na internet -- 24/04/2001 - 01:19 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
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Projeto de encenação virtual mostra porque Shakespeare é mais nosso contemporâneo, por exemplo, do que Goethe, cujas 'encanações' fazem parte do museu carunchado do pensamento alemão.

[Para acompanhar a encenação: acesse ]

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Por Axel Brüggemann (DIE WELT online, 24/04/2001)
Trad.: zé pedro antunes

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Hamlet seria hoje talvez um hacker, um príncipe diante do seu PC, a virar, com seus e-mails, cabeças de virgens virtuais, a lançar vírus letais em direção à Casa Branca ou a exorcizar espíritos que vagueiam pela net. Personagem de ficção multimídia, como quer o zeitgeist deste início de milênio. Quando, certa noite, sob o pseudônimo de 'Hamlet', o ator Herbert Fritsch fez a sua entrada numa sala de bate-papos, para ele uma coisa estava bem clara: Hamlet é real apenas virtualmente. De repente, o 'ser ou não ser' lhe surgiu como a constante literária ancestral do código binário que comanda os computadores, o motivo condutor (leitmotiv) de um mundo virtual entre os extremos 'online' e 'outline', 'zero' e 'um'.

Por muito tempo, e sem êxito, o palco tentou apropriar-se da internet: O melhor resultado foi conseguido ainda por René Pollesch com o seu projeto 'World Wide Web Slums' [www.favelas]. O meio físico 'teatro' parece recusar-se, até o momento, ao espaço virtual, destituído de materialidade corpórea. Agora, a filmagem de 'Hamlet' feita por Herbert Fritsch para a internet poderia se transformar na chave para a nova realidade teatral computadorizada. A dissolução do corpo, em favor do sentido, na palavra online: 'Oh, dissolve mesmo esta carne por demais firme...' Logo, a versão completa do clássico de Shakespeare por Schlegel e Tieck poderá ser acessada como vídeo-espetáculo teatral em 111 seqüências. Algumas cenas já se encontram na rede.

Para o papel de ginecologista de Ofélia, o ator Christoph Schlingensief já se apresentou voluntário. Justamente ele, prestes a fazer o 'Hamlet' na Schauspielhaus de Zurique: inteiramente real e corpóreo como personagem de teatro. No dia 10 de maio, a estréia. Hamlet por toda parte!

Nenhum clássico parece tão atual como o drama do príncipe de Shakespeare. Talvez tenha sido Kenneth Branagh, ao situar 'Hamlet' no período barroco na adaptação que fez para o cinema, a lançar a pedra fundamental e, ao mesmo tempo, demonstrar a resistência de Shakespeare ao passar do tempo. Nos palcos, o lírico Peter Brook e o estridente Peter Zadek definiram os pólos de interpretação do 'Hamlet' entre o psicodrama visualmente sensível e a parábola política universal. 'Hamlet é como a Mona Lisa', escreve Jan Kott em seu livro 'Shakespeare heute' [Shakespeare hoje]: Mesmo que a pessoa não o tenha visto, traz dele uma imagem na cabeça, ao menos um certo clima. Hamlet parece ter-se transformado na superfície em que se reflete uma humanidade que a si mesma já não mais entende.

Esse panóptico, que é Shakespeare, abre o mundo às regras individuais de uma sociedade individual: Hamlet não é, no caso, diferente de todos os outros. Apenas vê o mundo de forma totalmente outra. Apenas confronta as regras gerais do jogo do poder com as suas próprias regras. Não se trata mais do ser em si, mas do como do ser. A luta de Hamlet é a luta do indivíduo contra a perspectiva geral do mundo da maioria política. Hamlet é um Jürgen Möllemann, ou, justamente, um Christoph Schlingensief.

Há anos, esse filho de farmacêutico, é um auto-denominado Hamlet, alguém que encena o grande teatro, o teatro real, o teatro corporeamente extremo, para desmascaramento do mundo. Um suposto maluco que, para falar verdades, faz uso da liberdade que a estupidez lhe confere. Um príncipe que nunca haverá de ser rei. Um eterno inoportuno - alguém que coloca o palco a serviço de uma demonstração, a de que há algo de podre no reino da Alemanha e do mundo. Agora, Schlingensief, que há tempos fez do mundo o palco, poderia finalmente tornar a fazer do palco o mundo, e, em Zurique, com as palavras de Horácio, dizer ao mundo ainda insciente como tudo isso aconteceu: de modo carnal, sangüineo e não-naturalmente, com verdade, dar notícia dos crimes.

O mundo de Shakespeares - virtual ou real - é o mundo do fragmento. E com isso, em sua visão de mundo, Shakespeare é seguramente mais atual do que Goethe, que sempre viu o universo como um todo, e quer saber o que, no mais íntimo, o mantém coeso. As modernizações de Goethe - foi o que mostrou a festa do jubileu no ano passado - resultam antes forçadas, quando a tecla zapp salta do homúnculo ao debate sobre o genoma humano.

Shakespeare, ao contrário, lança, até hoje ainda autêntico, um relato sobre o ser. É sem problemas que sua linguagem se presta às cenas atuais do 'Romeu e Julieta' de Leonardo di Caprio, como se adequa às do projeto virtual de Herbert Fritsch. Enquanto as encucações de Goethe procuram situar o sentido da vida entre a religião e o humanismo, e mesmo uma pedra o relegaria ao museu carunchado do pensamento alemão - para salvá-lo, no melhor dos casos, para a trans-temporalidade moral -, é só no espírito do observador que Shakespeare se vê trazido para a atualidade.

Shakespeare é linguagem não apenas universal, mas também atemporal. Hamlet sempre pode ser materializado no hoje, porque tanto abriga a corporalidade do ser humano, como pode ser também a virtualidade incorpórea do ser online. 'Hamlet' na internet são apenas 'palavras, palavras, palavras' - mas trata-se de seu enredamento interior, íntimo e individual. E, então, Hamlet pode se confrontar conosco em toda parte: no metrô, no teatro e na internet - no projeto de Fritsch ou na encenação de Schlingensief -, como corpo ou como espírito virtual.


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