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Ensaios-->Da tradução: um caminho até o original -- 19/05/2001 - 22:38 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Artigo publicado originalmente na Revista de Tradução Modelo 19 (UNESP/Araraquara), para introduzir as traduções de três narrativas curtas de Peter Handke, todas elas escritas e publicadas nos anos 60.

Aqui, ele deve cumprir a mesma função. O leitor do usinadeletras vai conhecer um Peter Handke ainda inédito entre nós, ele que, no Brasil, é mais conhecido como roteirista do cineasta Wim Wenders (O medo do goleiro diante do pênalti, Movimento Errado, Asas do Desejo), e por algumas narrativas mais extensas (A mulher canhota, Breve carta para um longo adeus, O medo do goleiro diante do pênalti, Bem-aventurada infelicidade, A repetição, A ausência, A tarde do escritor, entre outras).


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Três narrativas curtas do jovem Handke:
um experimento de tradução


Nesta minha trajetória de colaborador da revista Modelo 19, já fiz publicar duas traduções minhas de narrativas de Peter Handke por mim realizadas.

Na primavera de 1997, o número 3 da revista (ano 2) trazia na capa a colaboração especialíssima do pintor e desenhista Chico Gaboso, o nosso homem em Dobrada. Nele, o leitor irá encontrar (refiro-me ao feliz detentor dos exemplares impressos, agora que se anuncia a criação de um site da revista na internet, onde eles vão poder ser acessados por um público mais amplo) um dos dois primeiros contos publicados por Handke, aos 17 anos de idade. 'In der Zwischenzeit' [No Intervalo], dada a público aos 14 de novembro de 1959 pelo Kärnten Volkszeitung, carrega as marcas evidentes da influência de Kafka (Cf. o meu texto introdutório, in: Modelo 19, n° 3).

No ano seguinte, verão de 1998, o número 4 da revista (ano 3) traz 'Die Überschwemmung' [A enchente]. Eu hoje preferiria 'inundação' ou 'transbordamento'. É uma das narrativas que compõem o volume 'Begrüssung des Aufsichtsrats' [Saudação ao Conselho Fiscal], publicado em 1963 pela Residenz Verlag de Salzburg, e que depois surgiria como capítulo do romance 'Die Hornissen' [Os Vespões].

Dessa coletânea, o leitor brasileiro já pode ler 'Lebensbeschreibung', incluída, sob o título 'Biografia' no caderno 'Textos literários e críticos 1' (ed. Instituto Goethe; Bahia, 1974; edição bilíngüe).

No texto de apresentação, o leitor terá as informações essenciais sobre o referido volume. Nele, o Handke antes da intervenção lendária em Princeton, em reunião do Grupo 47; antes do sucesso estrondoso de 'Publikumsbeschimpfung' [Insulto ao Público] e das outras peças-faladas.

Nele, o aprendiz de literatura Peter Handke, no uso incansável da máquina de escrever que havia no subsolo do Forum Stadtpark em Graz, sem se importar com o som das bandas de jazz que ensaiavam nos outros compartimentos do edifício.

O escritor ainda não havia assumido o papel de 'filho de sua época', de insuperável agitador cultural, capaz de lotar auditórios com suas intervenções e leituras, de provocar histeria semelhante à das aparições dos grupos pop que tanto admirava.

Handke foi, sem dúvida, o primeiro poeta pop da literatura de língua alemã. Polemista de veia, ousou enfrentar a insensibilidade literária dos estudantes, seus contemporâneos, a esquerda estudantil de 68.

Estes, em represália, lhe impingiram um epíteto que julgavam pejorativo: 'o morador da torre de marfim', que ele de bom grado revereteu a seu favor, ao usá-lo como título de um ensaio programático que se tornou famoso, 'Eu sou um morador da torre de marfim', no qual combate os equívocos da visão realista defendida por seus pares, pela esquerda que se dizia revolucionária.

Nas narrativas do volume, o Handke ainda colado à experiência da leitura de Kafka, a quem dedica 'Der Prozess' [O Processo], dezoito páginas de um exercício literário rigoroso e extenuante, uma paráfrase do romance famoso.

Nelas, o Handke leitor do nouveau roman francês, especialmente de Allain Robbes-Grillet, como em 'Ausbruch des Krieges' [Eclosão da Guerra] e 'Über den Tod eines Fremden' [Sobre a Morte de um Estrangeiro].

Desta última, as primeiras linhas passaram a assumir grande importância com a declaração do escritor a Herbert Gamper, de que com elas pela primeira vez sentira algo assim como o seu estilo pessoal, momento em que passa a se distanciar daqueles que nortearam suas outras tentativas literárias até então.

A declaração se encontra no longo volume de entrevistas concedidas por Handke ao escritor suíço Herbert Gamper e publicadas pela Ammann Verlag de Zurique sob o título 'Aber ich lebe nur von den Zwischenräumen' [Mas eu vivo apenas dos espaços intermediários].

'Die Hornissen' [Os zangões] e 'Der Hausierer' [O mascate] podem ser lidas como esboços de seus dois primeiros romances homônimos, publicados ainda nos anos 60.

Com o primeiro, o escritor conseguiu grata acolhida por parte da crítica especializada, sem ter garantido o que sempre sonhara, um público leitor. Já 'Der Hausierer' é uma narrativa policial, ou melhor, é a narrativa de como se constrói uma narrativa policial.

'Halbschlafgeschichte' [História em semi-sono]traz o subtítulo 'esboço para um romance de formação'. 'Die Reden und Handlungen des Vaters im Maisfeld' [Os discursos e as ações do pai no milharal] e 'Sacramento' são, respectivamente, os relatos de um trailler (Vorfilm) e de um filme de faroeste (no subtítulo: 'Eine Wildwestgeschichte').

No volume, variadíssimo tanto em seus temas como nos modelos e técnicas literárias, vamos nos deparar com o Handke estudante de Direito em Graz.

A conselho de um de seus professores de redação no colégio, ele conta ter escolhido o Direito, porque, tirante os quatro meses necessários para o domínio das matérias do curso, lhe sobrariam oito meses para escrever.

São desse período narrativas como 'Das Standrecht' [O estado de sítio], que, como 'Die drei Lesungen des Gesetzes' [As três leituras da lei] - esta igualmente incluída na coletânea do Instituto Goethe acima citada -, descobrem na linguagem própria da disciplina e da instituição jurídica um modelo literário viável e produtivo.

Handke sempre se ressentiu de não ter escolhido outros caminhos, como a Física ou a Biologia, que lhe teriam apurado o senso de observação dos fatos. Mas tal objetivo acabou sendo por ele descoberto, num lance de genialidade, na atenta leitura dos textos da sua disciplina, para os quais importa a descrição factual, desprovida de psicologismos, de julgamentos morais e de sentimentos.

Dos três textos que ora faço publicar, dois têm origem nesse mesmo impulso de observação textual rigorosa. Nele implícita, a teoria dos modelos, que ele expõem em 'Eu sou um morador da torre de marfim', lançando mão de um argumento definitivo contra a crença no realismo cultivada pelos literatos do imediato pós-guerra.

Segundo Handke, o realismo não passa de mais um entre outros modelos, e muito bem datado, século XIX, não se justificando a opção preferencial por ele num momento em que a Alemanha vivia o fracasso, justamente, de todo uma arquitetura pseudo-realista, cuja finalidade, em parte lamentavelmente alcançada, era produzir uma gigantesca ilusão, uma histeria coletiva.

'Prüfungsfrage 1' [Questão para uma prova 1] e 'Prüfungsfrage 2' [Questão para uma prova 2] são exemplares concisos desse convívio com o estilo sóbrio e protocolar da literatura jurídica.

Neles o leitor pode avaliar a imensa capacidade criativa do escritor, a mesma que haveria de se firmar progressivamente, ao longo de sua carreira, no experimento com os mais variados modelos.

'Anekdote' [Anedota] é uma narrativa que o aproxima de uma prodigiosa tradição alemã, a das histórias de almanaque (Kalendergeschichte), caminho também trilhado por Brecht antes dele, e que conduz a Karl Phillipp Moritz. Nesta narrativa, o mesmo rigor excessivo que fará dele um dos observadores mais detalhados e argutos na prosa de língua alemã de todos os tempos.

Que o leitor saiba relevar o caráter necessariamente precário, porque experimental, destas minhas tentativas de tradução.

Traduzir Peter Handke é tarefa ingente. Os resultados até aqui conseguidos por alguns dos nossos denodados tradutores, entre os quais não posso deixar de me incluir, em sua precariedade, em sua insatisfatoriedade, só nos dão prova de que estamos diante de um raro gênio literário, de um dos mais originais cultores da língua alemã.

Torná-lo legível também em português, é tarefa para não se conseguir de todo em gerações. As traduções italianas, francesas, espanholas e americanas a que tive acesso não nos dizem coisa muito diferente. Mesmo assim, alguns tradutores vêm se apoiando nelas, sobretudo nas francesas, para não se sentirem tão desamparados.

No nosso caso, essa tarefa inclui, entre outros problemas de difícil solução, a necessidade de reduzir em pelo menos trinta anos a nossa defasagem com relação ao ambiente cultural e lingüístico em que essa obra se tornou possível.

Eis aqui um dos aspectos mais interessantes a serem tratados quando se fala da tradução. Mas ele vem sendo cuidadosamente contornado e evitado. Temos preferido uma visão fetichizante e mistificadora dessa tarefa, entre outras, tipicamente humana. Por quê? Até quando?

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