Um Sonho e um Poeta
Abilio Terra Junior
Cedo, deitado ao lado da minha esposa, e a cachorrinha deitada aos meus pés, senti-me fluindo junto com o fluxo vital, quente, aconchegante e poderoso, abandonei o antigo e gélido estado com o qual me impregnei desde tempos passados. Flui gostosamente e perenemente por séculos que não se contam pelo tempo comum, em um sonho com cenas que se perderam em minha memória, deixando, no entanto, aquela marcante sensação.
Talvez fosse influência da poética de Emílio Moura, sobre a qual assisti, ontem, Ã uma mesa-redonda no Salão do Livro, composta por Fábio Lucas, Maria Luiza Ramos e Ivan Marques, "O Itinerário Poético de Emílio Moura". Analisaram em detalhes a sua poética, em brilhantes abordagens, e de como ele foi esquecido, poeta que ficou na província por opção e não se alçou a novos horizontes que encontravam o mar, como seu grande amigo Carlos Drummond de Andrade.
Emílio Moura era o poeta por excelência, respeitado e admirado por Drummond e todos os outros poetas e escritores que constituíram a geração dos modernistas em Belo Horizonte.
Ele era também professor de História do Pensamento Económico na Faculdade de Ciências Económicas da UFMG (FACE/UFMG), tendo sido o seu primeiro diretor, como nos contou Fábio Lucas, que foi também professor nessa faculdade, A FACE/UFMG foi pioneira em horário integral para professores e alunos. Quando lá estudei, no período 1962/65, fui aluno do professor Fábio Lucas, e lembro-me bem da figura esguia do professor Emílio Moura e do seu nariz aquilino, cruzando os corredores da faculdade, sempre de terno, como convinha aos professores de então.
Nem sequer imaginava, na época, que Emílio Moura fosse um grande poeta, ao lado dos seus pares, igualmente grandes nomes da poesia e da prosa mineira e brasileira. E, como pude me certificar pelo depoimento de um espectador, como eu, do debate de ontem, e que fora também estudante, naquela época, da FACE/UFMG, e que se mostrou também surpreso com esse fato, creio que o mesmo se dava com a maioria dos estudantes de então.
Emílio Moura detestava publicidade, possuía um temperamento reservado, e, talvez por isso, entre outras razões, ele permaneceu incógnito, na sua condição de grande poeta, entre tantos que com ele conviveram.
Agora, se comemora o centenário do seu nascimento, juntamente com o de Drummond. Há exposições no Salão do Livro dedicadas aos dois poetas, e as suas próprias organizadoras confessaram, em depoimento, que também não conheciam a sua obra, e que se surpreenderam e se maravilharam com a excelência da sua poética. Também será reeditada a sua obra, autorizada por ele em vida para publicação, que será custeada pela FACE/UFMG.
Mas, voltando ao meu sonho dessa manhã, após um longo período de um autêntico êxtase, algum antigo demónio achou que já era demais, e, então, produziu uma tremenda confusão, e o meu sonho, de paradisíaco, passou a infernal. Acordei gemendo, agitado, reflexo do nervosismo que experimentei no sonho.
Há um site sobre Emílio Moura, criado por Ivan Marques, que defende, atualmente, uma tese na USP sobre Emílio Moura e demais poetas que constituíram o Modernismo em Belo Horizonte, e que participou do debate de ontem, diga-se de passagem, com brilhantismo.
O endereço do site é www.emiliomoura.hpg.com.br
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