Era uma vez um homem. Não de gênero, mas de essência.
Ele não existia em paz. Não havia nexo temporal, não havia nada. Ele não existia num universo paralelo e desconhecido.
Este homem não alimentava paixões nem carregava frustrações. Ele não existia.
A “não-existência” é um conceito sublime que transpira equilíbrio. A ausência do existir é uma idéia que encerra-se em si mesma num ciclo paradoxal, mas coeso. Engajado neste ciclo ele ia não existindo muito tranqüilamente alheio à sua própria consciência, inexistente por natureza.
E nas veredas de sua inexistência, sem saber, gozava da mais pura harmonia.
Eis que de repente este homem passou a existir. Não se sabe se já em forma de embrião ou até antes disso. O fato é que ele passou a existir. Nunca lhe foi dado uma escolha, se ele queria existir ou não. Toda aquela harmonia e equilíbrio se foram. Existindo, sua consciência pesou-lhe pela primeira vez. O conceito de tempo de modo ultrajante tornou-se inerente à sua realidade. A idéia de universo conhecido passa a apresentar-se dia-a-dia assustadoramente real. A gravidade é outro fato contra o qual nada pode ele fazer. Além disso o ato de existir proporcionou-lhe compulsóriamente um corpo para prender seu ser. Corpo este orgânico, diga-se de passagem. E a cada instante a sensação de existência vai traspassando seus poros. Amor, ódio, sentimentos que existem e doem. Coisas que antes não existiam e agora vêm à tona. E a todo este emaranhado de percepções multiplicados aos diversos cenários desta nova realidade chamam Vida.
No mundo dos existentes a Morte é eminente. No mundo dos que não existem a Vida é eminente. Uma vez que o homem que não existe passou a viver uma vida que não existia antes, e essa vida nada mais é do que o estado anterior à morte, então pra que existir? Para morrer? Se ele pudesse talvez evitasse vir a existir.
Existem muitas perguntas para poucas respostas. Esta história já deveria ter terminado há muitas linhas. O homem que não existe morreu no dia em que ele passou a existir.
Vivemos num mundo de falecidos oriundos do universo não existente. Tudo o que há é cadáver por princípio. Como tal, hoje, o homem que não existe jaz em sua sepultura. Este arrogante planeta chamado Terra. Túmulo de sua vida.