PAMELA
Pamela era uma cadelinha poodle branca, cheia de fitas e lacinhos. Seu Raimundo, nordestino com seis filhos, era o encarregado do bem-estar do animal. Se pensam que o emprego do seu Raimundo era moleza, estão enganados. O bem-estar de Pamela era mais prioritário do que atendimento de grávida em fila de banco. Banhos de sais aromáticos; água, somente Perrier fervida. Só dormia ouvindo música clássica. Escovação diária dos dentes. Seu cocó já saia perfumado com essência francesa. Seu canil era maior do que o barraco em que vivia seu Raimundo com os filhos.
Seu Raimundo, Ã s vezes, abocanhava um naco do filé mignon que fazia parte da dieta de Pamela. O valor gasto num dia de alimentação da cadela era maior do que seu ordenado mensal, incluído o vale-transporte.
O cuidado com Pamela agora era maior, pois se achava no cio. Estava sendo guardada para cruzamento com o magnífico Closeau de Armagnac (lê-se clozó de armanhaque), pertencente ao embaixador francês. Dona Eulália, viúva riquíssima, sonhava com a descendência nobre de Pamela.
Certo dia, seu Raimundo faltou ao serviço, o filho menor amanheceu com dor no peito, febre de lascar. Teve que enfrentar fila no hospital do INSS. Nesse dia, a pobre Pamela ficou sem banho de sais. Por tal displicência e falta de responsabilidade, seu Raimundo foi despedido por justa causa. De temperamento calmo, não reclamou. Pediu para se despedir da cadelinha. Aproveitando um descuido do segurança, saiu levando Pamela no colo.
Fora do portão, um bando de vira-latas latia alvoroçado, atraído pelo odor da cadela no cio - que nem as essências francesas disfarçavam. Eram cães de vários tipos, um bagualão malhado, um baixotinho amarelo, que estraçalhava sacos de lixo, um pretinho serelepe e mais alguns outros.
Foi com imensa pena que seu Raimundo largou a cadelinha ingênua e indefesa no meio daqueles cães desprovidos de descendência nobre, simples gentalha. O resto, nem lhes conto...
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