Quando anunciaram o aumento do salário-mínimo, a parentada reuniu-se na casa do velhinho. A mesa cheia de salgadinhos, doces, champanhas. Um dos genros consultou o relógio. Contagem regressiva. É agora! O Presidente faz o esperado anúncio. Foguetes, abraços, promessas. Inútil mencionar que a festança virou a madrugada.
No dia seguinte, o velhinho acordou de ressaca e já foi surpreendido por uma comissão angariando fundos para o MPCO (Movimento de Prevenção dos Conflitos no Oriente). O valor mínimo das doações era de mil dólares. Em compensação, os doadores estariam concorrendo ao sorteio de uma batedeira. Mais tarde, um corretor (amigo do genro mais velho) veio convencê-lo a efetuar um belo seguro de vida. "É preciso pensar na família. Que será deles se o senhor um dia bater as botas?" Depois foi a vez de um vendedor de enciclopédias. É verdade que o velhinho mal sabia ler, trabalhara toda vida de operário. Mas o que melhor do que uma estante cheia de lombadas coloridas para impressionar as visitas?
A coisa não parou por aí, não. Planos de saúde, consórcios funerários (pague hoje seu caixão e se enterre amanhã com toda comodidade), convite para patrocinar jovens esportistas, telefonemas de belas candidatas a modelo... Os genros acompanhavam atentos esse vai-e-vem de interessados em abocanhar o expressivo aumento do salário do velhinho.
Mas o pior foi a sondagem do Imposto de Renda. Exigiam todas as declarações, a partir de 1980, quebra do sigilo das contas bancárias (o velhinho nem sabia o que era isso!), lista de cartões de crédito, participações em empresas de grande porte, extrato de remessas de dólares para o exterior.
O velhinho passou a ficar trêmulo, sem apetite, os nervos estourados. Todos queriam explorá-lo, prensá-lo, fazer exigências. Onde estava sua tranquilidade de aposentado? Enfrentando a oposição da família, tomou uma decisão: escreveu uma carta ao Presidente desistindo do substancial aumento de seu salário.