Há, no imaginário popular, alguma relação entre a iniciação ao álcool e a chegada da idade madura. Em diversas obras literárias, de épocas diferentes, essa associação fica evidente, sobretudo quando ligada à transformação de um menino em macho. Em “Encontro marcado”, de Fernando Sabino, é possível ver Fernandinho, o próprio autor, saindo do que seria hoje o ensino fundamental e encarando a bebedeira com gosto.
Os porres daquela época, primeira metade do século passado, eram amarrados de forma velada, ainda que a família toda percebesse os sinais das mudanças, fosse pelo vômito, pela ressaca ou pelo humor alterado. Era a hora em que o pai dizia para si: “meu filho virou homem”, mesmo antes de ter certeza da perda da virgindade do rebento. Ser homem era ter coragem de encher a cara.
A ideia geral continua a mesma. A maioria dos pais diz que não quer ver seus filhos bebendo antes dos dezoito anos, mas guarda uma estranha sensação de satisfação quando descobre que o garoto já é um manguaceiro habilidoso. Na verdade, houve uma “evolução” no conceito da iniciação. Esses mesmos pais, que fazem o discurso padrão da “bebida só para maiores de idade”, organizam festas de quinze anos e contratam um barman para preparar bebidas docinhas para a meninada. São só batidas de fruta com vodka, nada sério! É muito chato ver os meninos bebendo refrigereco enquanto os adultos enchem a fuça de uísque e cerveja... Coitadinhos!
Citei os meninos, mas, para ser justo aos novos padrões de iniciação etílica, preciso incluir as garotas. Mais atiradas, é cada vez mais “normal” que comecem a consumir as Smirnoff Ice das lojas de conveniência antes mesmo da primeira menstruação. Não compram os próprios OBs, mas são exigentes com as cervejas que os pais encomendam para as festas com os amiguinhos da escola, uns churrasquinhos com pouca supervisão e muita bebida.
Os pais da classe média do livro do Sabino estavam equivocados em sentir orgulho da bebedeira de seus filhos. Os pais da classe média do século XXI estão equivocados e meio, pois de baseiam no argumento mais besta que um adulto pode arrumar para essa situação: “eles vão beber mesmo e cada vez mais cedo; melhor, então, que bebam na minha frente”. O pai acha que assim assume o controle, mas, de fato, perde todas as rédeas da educação de um jovem, ao mandar um recado bem didático: “papai e mamãe acham super normal que você beba, filhinho. Logo, vamos montar aqui uma boca de fumo e um motel para seus próximos passos de jovem bem de vida”.
Mas não se importe! Apesar de nada disso ser normal, eu sou professor de literatura com manias de escritor. Tudo isso pode ser, caso queira, apenas invenção de uma mente fértil. Nada disso acontece de verdade. É tudo um país de maravilhas com apenas 5,6 GL de álcool. Coisa de criança.
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