Helena,
Ulisses procura Ítaca. Em Ítaca está a sua vida. Em Ítaca estão seus bens, seu filho, e Penélope, sua mulher. Ela é fiel, e prova isso a cada dia. Ulisses está longe de casa há anos, e os pretendentes de Penélope fazem fila à sua porta. Todos querem, além das riquezas de Ulisses — semi-deus e Rei—, o amor de Penélope. Para acalmar o ânimo dos seus pretendentes ela um dia falou: "escolherei meu marido assim que terminar de tecer o manto que darei ao meu novo senhor, e Rei de Ítaca". Mas ela é um modelo de fidelidade, e isso foi apenas um artifício para ludibriar o homens, pois se durante o dia ela tecia o manto a noite ela o desmanchava.
Mas Ulisses está distante. Sua moira é terrível. Perdido no mar com os seus companheiros de guerra, ele tenta voltar para casa, mas os deuses, especialmente Poseidon, não o permite, e faz com seu navio vague pelo mar, sem rumo.
A certa altura de sua desventura Ulisses chega a uma ilha, na qual reside Circe, a feiticeira. Ele é muito bonita, maravilhosa, sensual. Ulisses resiste bravamente, ele luta assim como tinha lutado contra os troianos. Mas ela é uma feiticeira e tem seus encantos, e no final das contas não consegue resistir: ela o seduz, e ele se deixa seduzir.
O tempo passa, e Ulisses continua na Ilha de Circe. Seduzido por ela Ulisses perde o controle sobre a sua própria vontade. Ele não pensa mais em Ítaca. Nesse momento só existia Circe no pensamento de Ulisses.
Entretanto, os feitiços de sedução sempre acabam, cedo ou tarde. Um certo dia ele desperta do encanto e pensa novamente em Ítaca, em Penélope. Levanta-se e sai em busca de sua Ilha.
Contudo, ao sair percebe que o tempo havia passado. E não fora pouco. Ulisses havia ficado nada mais que dez anos sob os encantos da sedução e da beleza da feiticeira Circe.
Não sei se é assim mesmo, mas é isso que ficou na minha memória de um dos episódios mais interessantes da Odisséia. Mas se não é assim, essa história pelo menos diz algo muito importante para mim.
Helena, eu sei que Ítaca existe. Conheço pessoas que possuem sua Ítaca: algum dinheiro, a mulher que pensam amar, e os filhos. Mas não sei quem é você: Circe ou Penélope? É claro que você já foi a Circe de muitos; você tem todas as qualidades dela. Também é óbvio que você é a Penélope de alguém, assim como você deve ter o seu Ulisses, aquele que você espera.
Mas às vezes fico pensando se algum dia encontrarei alguém. E quando faço isso meus pensamentos invariavelmente se voltam para você. Nesse momento você é minha Circe, porque eu tenho ciência que estou seduzido, mas você não gosta de mim e isso também me impede de gostar de você do modo que eu quero e posso. E isso não tem sentido, só que não tenho forças para escapar do seu encanto. Só espero acordar antes dos dez anos terem se passado.
Outras vezes fico pensando se algum dia vou superar todos esses obstáculos — os concretos e os imaginários, as muros de tijolos e os feitiços —, e voltar para você, como se algum dia nós tivéssemos sido íntimos e apaixonados. Nesse devaneio você é Penélope, de quem eu sinto saudades. Isso é muito forte em mim.
O meu sonho mais improvável, porém, é outro. Nele você é Ítaca, a Ilha na qual eu encontro tudo que é meu e que é bom. Aqui eu te vejo como a possibilidade de uma vida melhor.
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