A Ética Situada *
“Quem não vê mal em nada, de que mal deve se arrepender?” Marquês de Sade
Desde o pensamento grego antigo, a Ética se constituiu teoricamente como um campo específico do questionamento filosófico, aquele que trata do problema do Bem; assim como a metafísica, ou teoria do conhecimento, que tem como objeto a verdade e a estética que estuda a questão do belo.
Ao se constituir como uma área específica de estudo teórico, a ética se identificou cada vez mais com o problema da Moral, vindo a significar ao longo de sua história a ciência que se ocupa dos objetos morais. A ética tem, de um modo geral, como problema central, as questões do Bem e da Liberdade da vontade humana frente o determinismo da natureza. Como teoria filosófica, a ética não se caracteriza em ser o estudo das ações individuais dos homens. Esta seria a definição de Moral, cuja finalidade consiste em elaborar uma orientação normativa do homem e da sociedade, de acordo com o que seja estabelecido como Bem; podemos definir esta concepção como uma elaboração teórica da prática humana, que busca determinar a conduta que se dirige ao bem. Filosoficamente a ética não constitui-se como o conjunto de regras que objetivam a organização social, mas como prática individual em busca do que lhe é Bom.
Ao cultivar a mesma Moral, o povo se congrega numa tradição cultural, normatizando e, assim, unificando a ação individual com os princípios da coletividade sócio-cultural. Por este motivo, antes de se tornar um questionamento teórico da filosofia, a Moral nasce como princípio cultural da organização da vida social humana.
A moral é invocada cada vez que o homem sente-se ameaçado ou quando a conduta humana torna-se imprevisível. Ela cuida para que a ação humana passe a ser previsível. Todavia, esta invocação parte de um homem fraco, pois não pode defender-se do outro. Conforme Nietzsche, a Moral nasceu com os fracos.
Por Ética (ethos), sinteticamente, entendemos a busca do Bom, a procura do que é Bom para si; este Bom define-se, estritamente, pelo fisiológico; o que é Bom ao meu corpo é bom para mim. A moral (mores) compreende a busca do Bem, a procura do Bem para o coletivo; este Bem institui-se de acordo com um conhecimento de si, criando-se um conceito universal de Bem. Sou ético quando sei o que é Bom para mim; sou moral na medida em que sei o é Bom para todos.
A Ética Situada se constitui, singularmente, pelo sujeito que, sabendo-se aprisionado por uma moral, com seus conceitos universais de Bem e Mal, busca uma forma de se realizar. Ele reconhece que tais conceitos – Bem, Mal, Consciência e Deus – são meras criações morais. É por tal motivo que sua ética se institui como sendo Situada.
O sujeito Ético reconhece sua impotência perante a moral claustrofóbica, esta é sua situação, contra ela nada pode fazer e, ademais, não tem interesse algum em potencializá-la ou mesmo destruí-la. Seu único interesse reside em satisfazer sua vontade fisiológica, além de seu corpo nada mais o interessa. Reconhecendo sua situação, o sujeito ético busca subterfúgios para se realizar, pois é somente em tais circunstâncias que se realiza plenamente: em lugares como a alcova, o subterrâneo, o sub. Evidentemente que quando pensamos numa ética pensamos num abandono da moral, numa responsabilidade para com todos seus atos, o ético sempre afirma sua vontade, seja às vistas ou às ocultas. Entrementes, tal procedimento é impossível numa realidade moral vigente, ademais, o sujeito Ético Situado tampouco se preocupa se se realiza nos subterrâneos ou na praça pública, pois em última instância, a menos que sua vontade seja a de se realizar publicamente, o que está em questão é sua realização fisiológica, às vistas ou não.
Entende-se ainda que a Ética Situada não se caracteriza como uma nova moral, caracterizada por novos conceitos universais, uma vez que não prevê determinadas ações comportamentais. A Ética Situada propõe, tão somente, a possível realização da vontade de cada ser humano, possibilidade esta dentro das “alcovas”, longe das vistas da moral e, talvez o mais importante, longe dos olhos da consciência individual, pois o sujeito ético situado, sendo consciente, compreende os diversos métodos de manutenção da moral. Dentro da alcova, do subterrâneo, ele é livre, ele torna-se o que é.
Taitson Santos
* Texto publicado em 'A Tribuna Piracicabana' - 06/03/2001.
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