Mande Seu Paladar à China
Mileni D alberti
Uma das características que sempre me irritou nos gaúchos (não sei se o resto dos brasileiros é chato assim também), é a sua resistência em provar comidas novas. Você vai ao supermercado e encontra apenas iogurte de morango, baunilha e chocolate. Anos atrás eu fazia sorvete caseiro e vendia aos vizinhos; minha inclinação natural era sair do lugar-comum e partir para o pistache, piña-colada, brigadeiro, coco queimado. Os vizinhos desconfiavam: "Mas não tem morango?..."
Onde moro agora, sul da Califórnia, passo meia-hora escolhendo entre os vinte sabores de iogurte, ainda podendo optar pelo estilo clássico ou "frutas no fundo". E é iogurte de vários parentes do morango que não me foram apresentados antes, iogurte de limão, manga, kiwi, até café. Eu, feliz da vida.
Mas isso não é nada. Variedade MESMO tem aquele supermercado chinês/vietnamita que visitei em San Diego. Não recomendado para gestantes e doentes cardíacos - o lugar é mesmo assustador. Os peixes não estão apenas no gelo ou em latas de conserva; nadam em aquários, enormes e vivinhos, para fazer jus máximo à expressão "peixe fresco". E as frutas em conserva... "Amor, o que é essa cereja gigante com cabelo?" Coloquei uma lata no carrinho, juntamente com outras duas frutas alienígenas e uma geléia roxa. Pensei duas vezes e as devolvi à s prateleiras... Tudo bem, faltou coragem para os enlatados, vamos tentar ovos de pato. Afinal, não podem ser muito diferente dos de galinha... Havia dois tipos, embalados ou soltos, com descrições naquelas letrinhas orientais. Perguntei a uma boa alma qual a diferença. "Estes vem cozidos com uma montanha de sal... além do que, o cheiro é fortíssimo, não creio que voce vá gostar." "Puxa, obrigada! Você me livrou de uma! E estes outros, posso tentar?" "Sim, esses são crus. Mas vem com um patinho dentro - um feto metade desenvolvido." DISGUSTING!!! Imagine, incauta, abrir um desses na frigideira...
Há ali uma infinidade de comilanças que nós, brasileiros, nunca ouvimos falar. Macarrão branco, feito de arroz... líquidos e sólidos derivados da soja... pudins com umas melecas verde no meio... gelatina de agar-agar (hei! Isso é o que eu usava no laboratório de microbiologia, e vivia pensando em comer)... Massas, enlatados, legumes, tudo muito diferente e amedrontador, a gente achando que vai comer e cair morta.
Que preconceito... estou muito gaúcha para o meu gosto! Temos, todos nós, que perder o medo e ousar, gastronomicamente falando. Afinal, se somos tão ávidos por conhecer lugares novos, gente nova, ver programas de TV diferentes... por que não fazer uma viagem do paladar? Por que morrer sem degustar tudo que o mundo e as culturas têm a oferecer? Quantas delícias estamos perdendo?
Na próxima vez que eu for nesse lugar, vou de mente aberta. Vou comprar a cereja de cabelo - vai que é a fruta mais deliciosa do mundo? Vou levar a bebida mais esquisita que encontrar, vou colocar no carrinho aquele pacote cujo conteúdo me é totalmente desconhecido, vou levar a conserva de "sei lá o quê". O mesmo para aquele tempero, aquele doce, aqueles nódulos branquelos e molhados que não parecem nada apetitosos. Eles podem se tornar meu prato preferido. E vou achar um ovo de pato - não-fertilizado, porque aí já é demais.
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