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cronicas-->Aos Pequenos Que Morrem Por Nós -- 14/08/2002 - 18:47 (Mileni D Alberti) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aos Pequenos Que Morrem Por Nós
Mileni D Alberti

Deitada no chão da sala de barriga pra baixo, lendo uma edição da antiga "Enciclopédias Block" da mãe, a menina de cinco anos chorava como uma condenada. A reportagem era sobre o sacrifício de animais em prol da ciência - cobaias de laboratório. Havia a foto de uma rã com os bracinhos e perninhas amarrados em forma de X, recebendo choques elétricos. (Associando-a com o Sapo Caco, dos Muppets, que a menina adorava, chorou ainda mais sentida.) Um outro animal pequeno era judiado com agulhas. Havia um coelhinho muito fofo, de olhar assustado - o quê mesmo fizeram com ele?...

Quando a mãe voltou do trabalho, a menina correu a mostrar-lhe a revista. E as lágrimas vieram de novo. "Mãe, que gente horrível! Por que eles fazem essas coisas com os animais? Pobrezinhos!!!" A mãe explicou que aquilo não era por maldade; os cientistas queriam descobrir a cura de doenças e salvar a vida de pessoas, e por isso alguns bichinhos tinham que morrer. A menina entendeu. Mas nem por isso parou de achar aquilo injusto pra caramba e cruel.

Hoje, estou vinte anos longe daquela guriazinha. Mas esse mundo dá voltas e, cedo ou tarde, nos deparamos com os antigos dilemas. Sou Química, e adivinha com o que estou trabalhando? Pesquisa de desenvolvimento de válvulas cardíacas - com utilização de animais, é claro.

A cada trimestre usamos uns trezentos ratos. Isso no meu pequeno time. Os outros setores usam coelhos, porquinhos-da-índia, ovelhas, porcos e até vacas. E todo santo dia tem bicho sendo sacrificado. Se eu soubesse da enormidade da coisa aos cinco anos, provavelmente teria perdido a fé na humanidade ali mesmo. Pensava que três sapinhos morriam e PLIM!, achava-se a cura do càncer. E ainda assim ficava triste!

Deixe-me contar um pouco da maravilhosa e excitante vida desses ratos. Bebezinhos de 12 dias, criando os primeiros pelinhos brancos (tão bonitinhos, tão indefesos!), são anestesiados, acoplados a um mini-respirador e recebem implantes de tecido nas costas. Costurados, voltam com a mãe. (A mãe cheira seus filhotes... percebe que algo está errado... carrega-os a um cantinho da gaiola e protege-os com seu corpo, me olhando furiosa. Cena de doer o coração.) Os animais passam 120 dias trancafiados numa gaiola, entao já são adultos. Sacrificamo-los da maneira mais humana possível, explantamos as amostras de tecido (em que fazemos testes posteriormente) e eles vão parar numa sacola de lixo. Eles não apenas morrem, como tiveram uma vida chatíssima e desconfortável.

É lógico que hoje penso como uma pesquisadora. Sou adulta, tenho bom-senso. É bobagem ficar pensando nessas coisas e sentir-me culpada. Esses animais todos que morrem hoje vão amanhã salvar a vida do meu pai, ou de um amigo querido, ou minha própria vida. Um rapaz no Japão com problemas cardíacos vai ter o direito de envelhecer; um garotinho no Brasil vai ter sua avó por alguns anos a mais. Alguém, na Conchinchina, vai continuar vendo a luz do sol por vários outonos e agradecer a Deus o milagre de estar vivo. Meu trabalho é lindo e me orgulho muito dele. Obrigada aos pequenos que morrem por nós: seu sacrifício nao foi em vão.

Por que essa menina dentro de mim simplesmente não faz o favor de CALAR A BOCA?...
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