Músicas Para Ficar Feliz
Mileni D Alberti
Tive uma idéia simples, mas brilhante meses atrás: gravar um CD personalizado, apenas com músicas que realmente me deixem feliz. Vasculhei minhas MP3, fiz a seleção a dedo e montei o sujeito, a quem batizei de "Songs To Be Happy".
E não é que o danado funciona muitíssimo bem? A qualquer momento em que eu me sinta choncha, aborrecida ou simplesmente queira um pouco de alegria fluindo nas veias, coloco a criança no CD player e daí em diante a mágica acontece.
Vou comentar minha seleção, mas é claro que cada indivíduo fica feliz por motivos diferentes, com outros sons nos ouvidos.
A primeira faixa traz a Jewel, com seu delicioso "You Were Meant To Me". Um romance no seu fim, cada um foi para um lado, a mocinha canta em seu novo apartamento. Descreve, tim-tim por tim-tim, desde que acorda, café da manhã, o que faz o dia todo até a hora de escovar os dentes e ir dormir, sempre choramingando que tem certeza que o amado vai voltar. A letra nao é alegre por si, mas dá uma sensação de intimidade, como passar o dia na casa de uma boa amiga.
Depois vem "Lemon Tree", do grupo Fool s Garden. A letra é depressiva, mas a música e o ritmo são tao cómicos que tudo soa como uma gostosa brincadeira. Nao dá para não cantar junto! Também me faz lembrar do livro "Meu Pé De Laranja Lima", que é inesquecível.
Os Carpenters se fazem presentes na coletànea, com o inocente e quase idílico "Close To You". A voz da moça é um calmante natural, e a letra me faz pensar em pessoas especiais - é de lavar a alma. Quem, hoje em dia, escreve canções sobre pássaros que aparecem de repente e estrelas que caem do céu, só para estar perto de uma pessoa? E anjos que se reuniram com o objetivo de criar um sonho vivo, no dia em que essa pessoa nasceu? Não, isso definitivamente não ficaria bem em ritmo de pagode.
Próxima estação: "Young Hearts Run Free", da Kym Mazelle. Aqui a letra é um porre, basicamente ensina um desiludido "Não acredite no amor". Mas não é nisso que eu penso, e sim no filme "Romeu + Julieta" (aquele dos anos 90, mais comédia do que drama). Lembro daquele neguinho vestido de Drag Queen dançando essa música na festa dos Capuletos... lembro do John Leguizamo, o "Teobaldo", que é um sem-sal, mas está irresistível no seu papel de mau. E lembro das cenas lindinhas do Leo e da Claire na piscina, no aquário... O ritmo é mais do que energizante.
E lá vem o Axl Rose cantando o seu "I Used To Love Her". Essa eu canto junto inteira, divertidíssima. "Eu costumava amá-la / Mas tive que matá-la / Tive que colocá-la seis pés abaixo da terra / E eu ainda posso ouvir seu choramingo" O que ele nao diz é que está se referindo à sua cadela!
O Green Day contribui com o seu "Time of Your Life", que para mim fala de uma viagem... uma viagem inevitável, um teste da vida, com o desconhecido adiante, e com toda a chance de se tornar os melhores dias da sua vida. E não é exatamente isso que estou vivendo agora?
"Tocata e Fuga" de Bach não poderia faltar. Para mim isso é música de psicopata. Mas um de renome, como Jack, o Estripador, ou um maníaco inteligente de livro de suspense - não um assassinozinho de terreno baldio. Por que cargas d água músicas de psicopata me deixam alegre, não me pergunte!...
Outra no mesmo estilo dessa é "Carmina Burana", também no CD. Mas essa é mais pesada... essa fala (para mim) de tragédia iminente, da figura da morte em si. Não sei o que a letra diz (aquilo deve ser latim), mas sei que os pelinhos do meu braço se eriçam! Quando alguém está para ter um acidente de carro, essa música DEVERIA tocar ao fundo. Como é que pode alguém morrer sem trilha sonora??? Se essa idéia não fosse anti-natural, eu diria que o silêncio é falta de consideração.
Agora, uma hilária, em estilo country: "Who the X is Alice?" O imbecil passou 24 anos morando ao lado dessa Alice, curtindo seu amor platónico, "apenas esperando uma chance de dizer a ela o que eu sinto e talvez até receber dela um segundo olhar". Justificativa mais besta para não se mexer! Aí a mulher se muda e o cara endoidece. A outra vizinha, bem feliz, anuncia que "A Alice nao está mais aqui, mas eu ainda estou... EU esperei por você esses 24 anos!" Muito pior do que eu já fui um dia...
Há essa outra, estilo caipira-americano (poderia tocar perfeitamente em "A Família Buscapé") que é outro sarro. "Flowers on the Wall", trilha de Pulp Fiction. Os amigos de um sujeito se preocupam porque ele não arreda o pé de casa, está com a cara horrível, mas ele está muito feliz e satisfeito contando flores na parede, jogando Paciência até o sol nascer (com um baralho faltando uma carta), se vestindo a rigor, fingindo que está na cidade... Em suma, um esquisitão - se bem que eu não sou muito diferente!
"I Can See Clearly Now". Essa é capaz de deixar feliz judeu em campo de concentração nazista. Existe outra canção mais otimista, mais "para cima"? E canto bem alto mesmo, sorridente, "It s gonna be a bright, bright sunshiny day!", enquanto o caminhoneiro ao lado do meu carro me olha como se eu fosse louca. Só não decidi ainda se é melhor a versão do "Johnny Nash" ou a do Jimmy Cliff.
Mas há uma banda que prefere chuva, o Blind Melon. Percebe-se, em "No Rain". E como eu AMO chuva, e aqui na Califónia só faz sol, adoro cantar "and I start to complain: there s no rain!" O carinha também é meio amalucado, o que faz a música engraçada, e o ritmo é de "quero ouvir de novo!"
Agora vem a campeã absoluta, aquela que eu ouço zilhões de vezes e nao enjóo: "Kiss From a Rose", do Seal. Emocionante!!! Sinto arrepios gostosos do começo ao fim. É mágica pura. Pra mim essa é uma música em preto e branco - não aquele desbotado de fotos antigas, mas aquele preto-piche lustroso, aquele branco que é quase luz, mas sem ofuscar. Linda.
A última faixa do CD tem um ritmo gostoso e só não é triste porque soa tão inocente. "I m Here To Get My Baby Out Of Jail" (Estou Aqui Para Tirar Meu Bebê da Cadeia), dos Everly Brothers. Trata-se de uma velha senhora tentando convencer o guarda a soltar seu filho da prisão, dizendo que seu pai era bandido igualzinho, que ela tentou educá-lo mas não funcionou... Pó, o cara é um criminoso e é tratado de "meu bebê"... As mães são mesmo todas iguais!
Há outras músicas no CD que, descobri, não têm nenhum efeito sobre o meu humor. Escolha errada. Vou ter que reeditá-lo. Outra idéia é criar um irmãozinho em Português - o único problema é que se sabe exatamente o que está sendo cantado; no inglês a imaginação tem muito mais espaço para fluir e criar sentidos próprios. Há também quem vá querer fazer o oposto: músicas para ficar infeliz. Sugiro até um nome, "Músicas Pra Se Atolar Na Fossa". Mas esse eu não vou fazer; já saí dessa praia há muito tempo. Bom proveito aos infelizes de plantão.
Acho que a idéia do CD é tão boa que "Songs To Be Happy" deveria ser institucionalizado. Se cada brasileiro tivesse o seu, muita coisa melhoraria. Metade do uso de drogas seria eliminado em poucos anos, simplesmente porque haveria muito menos gente deprê por aí. Gordinhos iriam perder tanta ansiedade quanto quilos. "Alguém falou em ansiedade?", perguntou um ex-futuro fumante, que resolve sua agitação cantando bem alto. Suicídios seriam reduzidos - especialmente entre aqueles que incluíram "I Can See Clearly Now" em seus CDs. Todo mundo feliz, trabalha melhor, produz mais, as empresas fazem muito dinheiro. O Brasil melhora de repente. E eu, ganho um prêmio Nobel por isso. (OK, essa última parte foi influenciada pela Pílula Exagerativa que tomei antes.)
Você, se gostou da idéia, faça o seu CDzinho o quanto antes, com amor e cuidado. Porque otimismo e alegria de viver não podem esperar um dia.
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