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Ensaios-->A VIAGEM EM CECÍLIA MEIRELES E HELENA KOLODY -- 16/02/2002 - 20:58 (Antonio Donizeti da Cruz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A VIAGEM EM CECÍLIA MEIRELES E HELENA KOLODY: UMA POÉTICA DA TRAVESSIA

Antonio Donizeti da Cruz (Unioeste – Curso de Letras-Português)

No dizer de João Alexandre Barbosa, para o poeta moderno, a viagem não significa somente uma conquista cumulativa de espaços inusitados, mas “a criação de um espaço em que seja possível reduzir a multiplicidade individual da linguagem da poesia aos parâmetros homogêneos da linguagem do poema” (BARBOSA, 1986: 32). A viagem é linguagem, afirma o autor. Já o poeta moderno é sabedor de sua condição de iludido, pois a constante busca da consciência nostálgica da eternidade faz com que ele se lance à conquista do intemporal, porém se vê frente ao transitório, ao fugidio e ao contingente.
O motivo da viagem repetido obsessivamente nas obras de Cecília Meireles e de Helena Kolody aponta para uma linha da literatura ocidental que remete à Odisséia de Homero, passa pelas aventuras de Dom Quixote, pelas literaturas de viagem e por tantas outras que tratam desta temática. Na obra de Meireles e Kolody, a viagem tem, muitas vezes, o sentido de travessia para dentro de si mesmo, em que o eu-lírico mergulha em busca do eu totalizante.
A palavra “viajante” é termo que aparece com freqüência na poesia ceciliana e kolodyana. Por terra, mar e ar, o viajante concretiza seu estar no mundo e faz do ato de viajar uma potência criadora de descobertas, desvendando novos espaços intransitáveis, tal como nos versos do poema “Viagem infinita”, em que o eu-lírico expressa a condição do homem peregrino que está constantemente em viagem: “Estou sempre em viagem.// O mundo é a paisagem/ que me atinge/ de passagem” (KOLODY, 1999: 39). São versos marcados pela simplicidade da linguagem que revela a condição de um eu-lírico em viagem, ou seja, um observador atento ao mundo circundante.
A viagem aponta para a busca e para a redescoberta de um centro espiritual. Ela também simboliza a busca do plano transcendente. O mundo apresenta-se como uma morada transitória dos homens, pois ele é só uma paisagem que atinge o sujeito lírico de passagem. O poeta, através do ato de nomear, de poetizar o mundo e de dar sentido às coisas, faz da linguagem uma viagem em versos.
No imaginário de Cecília Meireles e Helena Kolody, o mar tem uma relevância muito grande, bem como as imagens da água em geral – fontes, rios, lagos, mares – são recorrentes, e muitas vezes, estão relacionadas ao tema da viagem, tais como nos versos do poema “Cantar”, com seus versos sintéticos, em que o eu-lírico afirma: “Quem vai cantando/ não vai sozinho./ Dançam em seu caminho/ o sonho e a canção” (KOLODY, 1999: 50). Assim, cantar é uma forma de suavizar a dor e partilhar da alegria. Companheiro do caminhante, o sonho e a canção dão sentidos ao viver.
O grande segredo da poesia reside no fato de se poder inventar mundos, “luas cheias”, palavras, canções. Já a viagem requer força por parte do viajante, como bem diz Cecília Meireles, nos versos de “Constância do deserto”: “Em praias de indiferença/ navega o meu coração./ Venho desde a adolescência/ na mesma navegação./[...]/ Em praias de indiferença/ navega meu coração./ Impossível, permanência./ Impossível, direção./ E assim por toda a existência/ navegar navegarão/ os que têm por toda ciência/ desencanto e devoção” (MEIRELES, 1983: 129-130).
Aqui reside a chave do encantamento do poeta com as palavras: a viagem como forma de resistência às coisas que passam sem deixar marcas. A falta de rumo da existência humana não é razão para deixar de acreditar na vida, ou antes, é através do ato de “navegar” que o eu busca a própria realização. Assim, navegar na certeza de que é preciso, “chegar ao porto/ da vida finda/ cantando sempre,/ sonhando ainda” (KOLODY, 1999: 108), tal como afirma a poeta. Dessa maneira, nos versos de Helena Kolody, a repetição do tema da viagem aponta para a esperança e certeza de que as palavras têm o poder de despertar o homem para o sonho, para iniciar a busca e chegar à realização.
A remissão constante ao tema da viagem relaciona-se à procura do eu em permanente busca de si mesmo, ao refúgio, à evasão, e reporta às mais diversas formas de desdobramento do sujeito lírico sempre à procura de algo que preencha o vazio e dê sentido à sua grande inquietação: o sentido da existência ante a certeza da finitude. É essa agitação interior que parece impulsionar Meireles e Kolody na busca de uma linguagem essencial que traduza a instabilidade do eu e dê sentido à vida.
Nas obras de Cecília Meireles e Helena Kolody, o tema da viagem faz com que o sujeito poético se volte ao tempo passado e também se lance ao tempo futuro. Para Erico Verissimo, o ser humano viaja por dois motivos básicos: “para fugir ou para buscar. Os fugitivos cedo ou tarde descobrem que seus problemas são de natureza geográfica” (VERISSIMO, 1999: 145). Nesse sentido, a viagem não é só um processo de redescoberta, mas uma experiência que se realiza no plano pessoal e espacial, pois a travessia faz parte da vida.
À luz do que precede, pode-se dizer que Cecília Meireles e Helena Kolody realizam uma poesia que é, acima de tudo, busca de uma expressão adequada, concisa, memorável, cujo universo imaginário e poético são essenciais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KOLODY, Helena. Viagem no espelho. 5ª ed. Curitiba: Editora da UFPR, 1999.
BARBOSA, João Alexandre. As ilusões da modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1986.
MEIRELES, Cecília. Flor de poema. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983 (Coleção poiesis).
VERISSIMO, Erico. A liberdade de escrever: entrevista sobre literatura e política (Apresentação de Luis Fernando Veríssimo; organização de Maria da Glória Bordini). São Paulo: Globo, 1999.

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