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Artigos-->O gênero antropológico em Luzia-homem -- 15/02/2002 - 14:16 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O GÊNERO ANTROPOLÓGICO EM LUZIA-HOMEM



O conceito ‘gênero’ tornou-se muito discutido depois da 2ª Guerra Mundial – quando as mulheres, na ausência de seus maridos e pais, tiveram de entrar maciçamente no mercado de trabalho- e depois da Revolução Sexual dos anos 60 – impulsionada pela invenção da pílula anticoncepcional. O gênero aponta para a questão dos papéis sexuais que variam de uma cultura para outra (espacialmente) e de uma época para outra (temporalmente).

Em Luzia-homem de Domingos Olímpio, a trama se desenvolve no Ceará feudal, agrário e oligárquico do século passado, lidando com latifundiários, seca, fome, retirantes, abuso de autoridade (por parte de policiais) e até a presença das frentes de serviço ( comprovando a atualidade da obra).

Apesar dos preconceitos e da divisão rígida dos papéis sexuais da época, a necessidade faz com que o pai de Luzia a eduque como homem, i.é., entregando-lhe responsabilidades masculinas devido à ausência de filhos varões para cuidar da fazenda e do gado. Quando a fazenda se desfaz pela seca, o pai morre. Luzia se aventura pelo mundo, levando consigo sua mãe doente. Ela não se poupa de fazer atividades tidas como masculinas: trabalha na construção civil da frente de serviço (única fonte de renda possível devido à improdutividade agrícola com a seca) tentando garantir o seu sustento e o da mãe, numa atitude muito corajosa e audaciosa para a tônica patriarcalista da época.

O que Luzia provoca nos homens e mulheres para ter ganho o apelido pejorativo de “luzia-homem”? Nos homens: provoca desejo por ser uma mulher muito bonita e de belos cabelos longos ( como o autor gosta de salientar), mas também frustração, despeito, já que ela nunca cede aos assédios sexuais destes, principalmente aos do soldado Crapiúna ( o arquétipo do abuso de autoridade). Nas mulheres: provoca inveja, comentários maliciosos e intrigas, pois ela, sempre preocupada com a sobrevivência, não interrompe suas atividades para fuxicos, fofocas e as frivolidades típicas das mulheres de pequenos povoados. Além disso, Luzia procura sempre se isolar das mulheres do vilarejo, nas horas vagas, dando margem para que as mulheres interpretem tal atitude como pedante.

Luzia é uma fonte de assombros para os homens e mulheres ao mexer com as noções cristalizadas do que é masculino e feminino. Como uma mulher que carrega dois potes de barro, uma parede de tijolos na cabeça, salva e carrega nos braços um homem quase esmagado por um boi bravo, entre outros, quer ter o direito de amar um homem e ser sua esposa? Quem é essa que ousa sustentar-se, ter autonomia sem precisar de um homem? Eis o tensionamento da obra.

A protagonista depois de adoecer é orientada pelo administrador da frente de serviço a trabalhar com as costureiras. Luzia detesta a idéia mas é obrigada a aceitá-la, pois está visivelmente debilitada.

No ambiente das costureiras, o autor mais uma vez testará as noções pré – estabelecidas de gênero. A chefe, uma beata muito exigente, rosna para Luzia: “- Você parece que nunca viu costura, tamanha mulher, e não sabe por onde há de começar um par de ceroulas de homem”. Ou seja, para a professora uma mulher se reconhece no esmero e delicadeza das costuras que faz. Comparando os dois ambientes: o masculino (a frente de serviço) onde a solidariedade dos homens para com Luzia é maior e o feminino( o ateliê de costura) onde reina a maledicência e intolerância , pode-se concluir que as mulheres são mais machistas do que os homens. Com o tempo, mostrando o determinismo ambiental do realismo-naturalismo do autor, Luzia se adapta a nova realidade e acaba virando professora das meninas costureiras.

Cabe discutir o problema de gênero colocado pela doença da mãe de Luzia. D.Zefinha sofre de asma e insiste em não tomar o remédio de botica (farmácia) prescrito pelo médico; prefere o lambedor indicado por uma rezadeira, D.Seridó, feito de componentes grotescos (um pinto vivo pisado no pilão), rezas e superstições. Nesta preferencia, flagra-se o choque entre o feudalismo da medicina popular, feminina e o capitalismo da medicina convencional, masculino. Alexandre menciona perante a intransigência da velha que o saber verdadeiro está com o médico. Tendo como referência o livro O que é feminismo (Col. Primeiros Passos), deduz-se que essa discórdia entre o saber intuitivo da rezadeira e o saber acadêmico do médico vem de longe – não se pode esquecer que a escolaridade era um privilégio dos homens, principalmente no Nordeste daquele tempo. Na Idade Média não foi só o clero católico, com medo de perder fiéis, que jogou videntes e rezadeiras, tidas como bruxas, na fogueira. A própria medicina convencional e masculina também cooperou com a Inquisição através de delações, pois queria eliminar a concorrência.

Luzia e Terezinha, que exibem comportamentos supostamente inadequados, são bem tratadas, quando vão denunciar os abusos de autoridade e assédio sexual do soldado Crapiúna, por promotores e delegados e estes tomam as devidas providências ( a transferência de posto). A pergunta é: isso é verossímil? Se ainda hoje o movimento feminista alega que mulheres se queixam dos constrangimentos em delegacias comuns composta por homens, ao ponto de terem sido criadas as delegacias das mulheres nos anos 80 para atender a demanda.

Charles Odevan Xavier

Graduação em Letras – UFC.

Charlesodevan@bol.com.br

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