O METAPOEMA EM DRUMMOND
A obra poética de Carlos Drummond de Andrade é um verdadeiro manancial onde se pode abordar o social, a memória, o sensual, a infância, o patriarcalismo mineiro, a submissão feminina...Neste artigo, resumo de um trabalho maior, o tema escolhido foi a metatextualidade, ou melhor dizendo: o metapoema em Drummond.
A metatextualidade, genericamente chamada de metalinguagem, é a mensagem centrada no código (definição de Samira Chalub no seu Funções da Linguagem). Desse modo, seguindo o raciocínio de Chalub, o metapoema é um poema que fala do ato criativo, da dificuldade de seu material – a palavra -, do conflito pedregoso diante da folha branca como “uma pedra no meio do caminho”, da palavra que é de uso de todas e que, no poema, necessita ser singular e exata para bem dizer-se.
Drummond revela uma forte preocupação metatextual em sua poesia, embora sem se igualar nisso, quantitativamente, a um João Cabral de Melo Neto.
Em “Mãos Dadas”, Drummond diz: “Não serei o poeta de um mundo caduco/ também não contarei o mundo futuro.”. Isto é, o poeta não é arcaísta nem invencionista. E prossegue: “Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem da janela/ Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicidas.”. O poeta afirma que não há espaço para o lirismo contemplativo, o escapismo romântico ou o pessimismo decadentista em sua poesia.
Em “O lutador”, o poeta é mais explícito: “Lutar com palavras/ é a luta mais vã./ Entanto lutamos/ mal rompe a manhã./ São muitas, eu pouco./ Algumas, tão fortes/ como um javali.”. Mostrando que o trabalho poético é uma verdadeira e suada luta corpo-a-corpo com as palavras, noite a dentro, insone; e que as palavras são tão indomáveis e autônomas como animais selvagens. Aqui, Drummond contempla aquela famosa frase que diz que o processo criativo é 10% inspiração e 90% transpiração.
Já em “Canção Amiga”, o poeta surpreende ao dizer: “Eu preparo uma canção/ em que minha mãe se reconheça/ todas as mães se reconheçam”; parece uma contradição para quem disse que não é o poeta de um mundo caduco ou que diz suspiros ao anoitecer, mas o poeta desfaz o problema: “Aprendi novas palavras/ e tornei outras mais belas” e conclui com um propósito nada modesto: “Eu preparo uma canção/ que faça acordar os homens/ e adormecer as crianças”.
No “Poema-Orelha”, adverte aos leitores: “Não me leias se buscas/ flamante novidade/ ou sopro de Camões”. De uma certa forma, contempla o que disse em “Mãos dadas”, sobre o fato de não ser e nem oferecer o “antigo” ou o “moderno”; e continua: “Aquilo que revelo/ e o mais que segue oculto/ em vítreos alçapões/ são notícias humanas”. O que dizer do genial paradoxo: “vítreos alçapões”? Pois como um alçapão pode ter a transparência do vidro? Conclui-se que a verdadeira filiação de Drummond é com as coisas menores, sem extravagância ou pompa, com o cotidiano ou como ele diz em “Mãos Dadas” com “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.”.
Charles Odevan Xavier
Graduação em Letras - UFC
charlesodevan@bol.com.br
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