Usina de Letras
Usina de Letras
140 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->O Choque Cultural em O Mandarim de Eça de Queiróz -- 15/02/2002 - 14:37 (charles odevan xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O CHOQUE CULTURAL EM O MANDARIM DE EÇA DE QUEIRÓS



Charles Odevan Xavier1



O objetivo deste trabalho é analisar a gênese do choque cultural, presente na novela O Mandarim do escritor português Eça de Queirós, o qual, ainda que contaminado pelo socialismo anarquista, não consegue esconder seu espanto e pesar pelo funcionamento da sociedade chinesa do século passado, tempo em que se desenrola a trama da novela citada. Com olhos eurocêntricos, Eça de Queirós constrói uma personagem em 1ª pessoa, Teodoro, funcionário público da classe média e de vida medíocre, provavelmente seu alter ego, a princípio fascinado pelo exotismo e depois horrorizado no contato com a cultura chinesa.

O que está em questão na obra citada é o choque entre a Europa capitalista, republicana(ou monarquista constitucional, na pior das hipóteses) e industrial de Teodoro/Eça de Queirós e a Ásia medieval, imperial e agrária da civilização chinesa, assim como o choque entre o positivismo cientificista e ateu da cultura européia do século passado e a religiosidade supersticiosa e milenarista chinesa. Em termos marxistas: o confronto entre o moderno representado pelo capitalismo e o arcaico representado pelo feudalismo chinês. Enfim, o confronto entre a metrópole/Portugal e a colônia/China.

Não podemos esperar de Eça de Queirós uma visão mais relativizadora da estruturação da sociedade chinesa, pois ainda se vivia no positivismo comtiano-durkeimiano e no evolucionismo darwinista, teorias em moda na época, as quais colocavam a ciência e a lógica tradicionais, sob o ponto de vista do paradigma cartesiano-newtoniano, como norma de conduta para governos e sociedades; ou seja, o que estivesse fora do padrão lógico e científico ocidental seria considerado atrasado, bárbaro e selvagem. A Antropologia da época, produto do colonialismo europeu, estava mais interessada em estudar os povos colonizados para dominá-los e submetê-los ao poderio das metrópoles, posto que era financiada por elas, do que para compreendê-los em suas estruturas. A Antropologia do século passado, feita quase que inteiramente dentro de Bibliotecas e longe do seu objeto de estudo (os povos colonizados), como se vê na escola de Sir James Frazer, ainda não conhecia a pesquisa de campo de escolas posteriores, como o Estruturalismo de Lévi-Strauss e o Funcionalismo de Malinowsky. Entretanto, cabe a nós darmos visibilidade ao ponto de vista metropolitano e colonizador de Eça de Queirós, quando no texto o autor se refere aos chineses como “bárbaros”.

Não é propósito nosso dizer que a sociedade chinesa é melhor ou pior que a sociedade lusitana; isso deixamos para os que gostam de juízo de valor, interessa-nos vê-la sob uma visão funcional, estrutural e relativizante.

Por mais que a burocracia e o sistema de castas chineses representados pelos mandarins nos pareçam injustos e autoritários aos nossos olhos ocidentais de hoje, e mais ainda, aos olhos do Eça de Queirós do século passado, não podemos esquecer que essas estruturas atendiam as demandas específicas daquela sociedade. Do mesmo modo se deu com a nossa legislação, produto do Direito Romano, que atende as nossas demandas, mesmo com limitações. Tanto num como noutro modelo, oriental ou ocidental, haverá sempre deficiências, posto que o homem, seja europeu ou chinês, é um ser imperfeito e mutável, o qual mais cedo ou mais tarde sente necessidades de modificações, à medida que esses modelos não dão conta de certas demandas e necessidades que surgem. E talvez, a revolução chinesa de Mao-Tse-Tung, no século seguinte, tenha sido um sinal inequívoco da necessidade de mudanças, mesmo numa sociedade estática e de valores arraigados como a chinesa.

Cada organização social ou civilização se constitui de uma forma paarticular e específica. O modo de produção material ou intelectual de uma dada sociedade pode ser eficiente e funcional para ela e um desastre para outra. Dessa forma, enquanto na China imperial cada província tinha um mandarim escolhido pelo imperador e que passava seu título para o descendente, na Europa os governadores eram escolhidos pela população mediante o sufrágio e a sucessão deixa de ser necessariamente hereditária.

É revelador saber que a palavra mandarim não é chinesa. Segundo Eça de Queirós, é portuguesa, vem do verbo mandar e através dela vemos o nível de interferência lusitana na cultura chinesa. Será que o caos visto por Teodoro não está diretamente relacionado com a interferência lusitana? Ou seja, não terá sido a partir da relação promíscua entre os colonizadores portugueses e a corte imperial chinesa que surgem as injustiças, o despotismo, a degradação política e econômica da China milenar? Talvez seja nesse choque de culturas, de formas de governo, de troca de interesses que a rica China - que inventou o papel, a fundição do ferro, a pólvora, a bússola, a porcelana, a cerâmica, a seda (e a industrializou), invenções e descobertas que tanto beneficiaram os colonizadores europeus, tenha se atolado na miséria e fome da maioria da população que assalta a caravana do protagonista num vilarejo afastado, fazendo com que a China não consiga mais prover de bens essenciais seus habitantes. Eça de Queirós, como cônsul da Corte portuguesa, não consegue dar-se conta das consequências terríveis desse intercâmbio entre Portugal e China ou da responsabilidade da Corte lusitana na degradação do império chinês. Por outro lado, seria ingênuo supor um mundo após a expansão econômica provocada pelo ciclo de navegações do Renascimento, onde as civilizações pré-colombianas, africanas e asiáticas permanecessem intactas e puras, mesmo depois do contato traumático com o invasor europeu caucasiano. Podemos supor que o que realmente chocou Eça de Queirós na China do século passado, não foi o que ali havia de Chinês, mas o que lá estava pior de Portugal: a criminosa intermediação lusitana nos destinos políticos e econômicos da terra de Confúcio.

Charles Odevan Xavier

Graduação em Letras-UFC

charlesodevan@bol.com.br

BIBLIOGRAFIA

MARTINS, Antonio Coimbra. Ensaios Queirosianos. Lisboa:Europa América, 1967.

EÇA DE QUEIROZ, José Maria. Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello & Irmão, sd. V1

TOMAZI, Nelson Dacio. Iniciação à Sociologia. São Paulo:Atual, 1993.

MOTA, Carlos Guilherme e LOPES, Adriana. História e Civilização:

o mundo antigo e medieval. São Paulo: Ática, 1995.







Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui