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Ensaios-->moura -- 09/04/2002 - 21:34 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O SERTÃO
DE ALVINA GAMEIRO
- DO REGIONAL AO UNIVERSAL –



Por: Moura Lima




“O talento de Alvina Gameiro faz com que o linguajar matuto de Curral de Serras, por vezes tão pitoresco, de repente se ilumine em função de símiles, símbolos e alegorias, alçando-se a um nível de grande expressividade.”
Almeida Fischer



“ O Vale das Açucenas é romance de uma beleza impressionante...”

Vasques Filho

“Chico Vaqueiro do meu Piauí guarda muito do meu coração menino, criado em fazenda sertaneja, sertão de pedra e sol.

Câmara Cascudo



Sumário:
1. Quem é Alvina Gameiro
2. A Professora
3. A Artista Plástica
4. A Ficcionista e o Sertão Bruto
5. A Obra
6. Curral de Serras, obra-prima de Alvina Gameiro, uma breve cosmovisão.



1. Quem é Alvina Gameiro

Alvina Fernandes Gameiro é piauiense de Oeiras, onde nasceu a 10 de novembro de 1917, e faleceu em Brasília, a 13 de agosto de 1999. Fez seus primeiros estudos em Teresina-PI, seguindo, mais tarde, para o Rio de Janeiro, onde se formou em Artes Plásticas pela Escola Nacional de Belas Artes, e, posteriormente, graduando-se pela Universidade de Colúmbia, NY – USA. Professora, romancista, contista, poetisa e pintora. Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 14-patrono: Cônego Raimundo Alves da Fonseca, grande tribuna sacro e brilhante latinista.

Os Pais da escritora piauiense se chamavam Antônio Pedro Fernandes e Vitória Fernandes.
Alvina Gameiro teve quatro irmãs: Maria, Luciana, Glória e Maura.
O funileiro português Antônio Pedro Fernandes foi uma pessoa estimada no seu meio, que veio para o Brasil antes da 1ª Grande Guerra, e fixou-se em Belém, e depois foi contratado pelo governo do Piauí, para montar máquinas de Fabricação de laticínios. E escolheu a Chapada do Corisco, Teresina, em 1922, para fixar a sua residência, em caráter definitivo. E, na Cidade Verde, no dizer de Coelho Neto, viveu trinta e um anos, trabalhando com afinco e amando os necessitados, a quem socorria com dinheiro e refeição. Sua morte, ocorrida no ano de 1953, é uma prova eloqüente do seu amor ao próximo, pois o povo humilde, mendigos e velhos choraram copiosamente pelas ruas de Teresina a sua morte!
A indústria e o comércio de Antônio Pedro Fernandes situavam-se numa casa do centro de Teresina, esquina com o antigo Banco do Brasil, na rua Eliseu Martins, próximo da praça Rio Branco. Era um prédio rústico, mas arejado e limpo, onde o coração generoso de Antônio Pedro Fernandes o transformava, ao cair das tardes, num templo acolhedor de saber e fraternidade. E assim, sem tardança, iam chegando os homens cultos e os grandes da terra, para a prosa animada: Esmaragdo de Freitas, Cromwell Carvalho, Mário Baptista, Higino Cunha, Celso Pinheiro, Martins Napoleão, Pedro Britto, Cristino Castelo Branco, Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Simplício Mendes, Benjamim Baptista, Àlvaro Ferreira, Arimathéa Tito, Artur Passos e outros. E ali, naquele templo improvisado, reuniam-se escritores, juristas, historiadores, médicos, poetas, políticos e magistrados, como assevera A. Tito Filho:
--- “Fizesse sol ou deixasse de chover, não dispensavam o bate-papo com o culto funileiro!”.
E foi assim que viveu,cresceu, e desabrochou para a vida Alvina Gameiro, num lar cheio de amor e de busca de tudo que promanasse da inteligência e do saber.
Casou-se, por força da predestinação, que não abandona às almas superiores, com o engenheiro arquiteto Argemiro Gameiro, homem culto e de alma bondosa. Da feliz união nasceram os filhos: Guttemberg, Elizabeth e Argemiro.
Partindo desses pressupostos de ordem maior, que engrandecem, sobretudo, a alma humana, foi que nasceu para a glória da Literatura piauiense e do Brasil a escritora do imortal Curral de Serras!
Alvina Gameiro foi uma escritora de sólida formação humanística e cultora excelsa da Língua Portuguesa, senhora de profunda obra publicada, entre romances, poesia e contos.



2. A PROFESSORA

ALVINA GAMEIRA foi professora de português e de Inglês de vários colégios do Piauí, Ceará, e do Maranhão, tendo lecionado também na Faculdade de Filosofia de São Luis. E não fez mais; que justificar o conceito de Spencer: preparar os indivíduos para os deveres da vida. Mas espalhou, acima de tudo, o fulgor de sua cultura refinada e de sua alma boníssima e superior, na missão redentora de seu sublime apostolado de professora e de guia zelosa das gerações. Era uma estudiosa da “última flor do Lácio”, basta dizer que a sua vasta obra literário é um imenso laboratório para o estudo dos cânones da língua e da legítima gramática histórica, do português primevo, deixado no solo brasileiro pelos colonizadores e bandeirantes. E na sua imortal obra Curral de Serras, ela incorpora no final, em forma de glossário, um estudo acurado de evolução semântica das palavras, num desbastar do ouro velho do idioma de Camões.



3. A ARTISTA PLÁSTICA

Alvina Gameiro tinha uma alma extremamente evoluída, além-fronteiras da mediocridade humana, e esses traços dimensionais de sua personalidade iluminada também se materializaram no campo das artes plásticas. Quem teve a sorte de visitar o seu lar acolhedor, em Brasília, pôde testemunhar a grandeza de sua arte como pintora, pois, na sala de visita, na parede frontal do ângulo de entrada, para o deslumbramento das visitas, eis que surgia em cores vibrantes um quadro representativo do julgamento do Mestre Nazareno, com a célebre cena de Pilatos lavando as mãos, em cores arrebatadoras, como se as pessoas fossem vivas!

Assim sendo, é uma particularidade de sua vida de artista, que urge vir a público numa exposição futura, talvez organizada pela Academia Piauiense de Letras.



4. A FICCIONISTA E O SERTÃO BRUTO

Os chapadões, campos, matas, veredas e os gigantescos espaços abertos, a perder de vista na linha do horizonte, numa magia de sonho sempre deslumbraram a mente humana, que fascinada pelo desconhecido, não titubeava com a possibilidade de uma travessia cheia de riscos e aventuras emocionantes.
No dardejar do século XVI, eram os mares a exercer o fascínio do desconhecido, e no final do século passado, e começo do fluente século, é o espaço sideral!
O sertão inteiro se mescla, também, como um desafio a ser vencido pelo homem, e a literatura regionalista utiliza-o como cenário, na criação e recriação da memória do mato. E assim o foram, como exemplo, as obras de Euclides da Cunha, Afonso Arinos, Hugo de Carvalho Ramos,Valdomiro Silveira, Simão Lopes, Alvina Gameiro e Fontes Ibiapina.
O sertão, do ponto de vista sociológico, representa uma visão contraditória e latente. De um lado, é a mais pura realidade brasileira, tanto social como estética, isto é o reflexo do que somos, como povo e nacionalidade. De outro lado, na expressão abalizada de Tristão de Athayde-“a encarnação dos males contra os quais devemos combater a miséria, a exploração do trabalho, os latifúndios feudais, a desnutrição, a violência, o analfabetismo, as moléstias endêmicas, a politicagem, em suma o colonialismo interno, no que tem de mais retrógrado. Uma imagem bifronte, ao mesmo tempo luminosa e sombria”.
Älvina Gameira, em Curral de Serras, com talento e mestria se apossa desse cenário agreste, dando-lhe um tom de gesta sertaneja e de nativismo arraigado. Vejamos:
--- “ Na beira da corrente, matutava, espiando o viço do capinzal, bebedor daqueles frescos de orilha de riacho, inda com uma chave d’água já no fim de setembro, mês danado de seco.
... Desne que mundo é mundo, capim é cabelo da terra, cobertor do chão, esperança dos vivos, quando cai chuva e ele verdece, é nem ver um bilhete da saudade...

Esse é o sertão nostálgico de Alvina Gameiro, e de todos nós regionalistas, que se acabou com o avanço da civilização destruidora, e que está ameaçado de desaparecer para sempre. É quase uma saudade que vai desaparecendo, sumindo, já não se ouve mais o tilintar dos cincerros das tropas vencendo espigões, as notas graves dos berrantes, nas marchas ronceiras das boiadas varando as campinas, e o gargalhar da seriema nas veredas de buritis. Os descampados, as matas, os cerradões foram escarificados pelo risco betuminoso dos asfaltos. E é aí que reside o valor intrínseco de Curral de Serras, como obra de resistência, de defesa do que é nosso, num mundo em pandarecos e de inversão de valores. É um legado supremo para as gerações futuras, para os estudiosos do campo lingüístico.
Alvina Gameira é uma piauiense amorosa de sua terra. E toda a sua obra literária, é um hino de amor e devoção ao Piauí.



5. A OBRA

A nossa história literária é calcada na verticalidade, com uma visão monomaníaca, unilateral e caolha, pois tem a estreiteza de resumir toda a nossa cultura literária em meia dúzia de nomes. E essa falta de um conhecimento horizontal da nossa história literária leva a uma injusta avaliação das obras que padecem na vala comum do esquecimento, como alma penada a vagar pela eternidade do silêncio.
A obra literária da escritora Alvina Gameiro, lamentavelmente, ainda não foi descoberta e colocada no lugar que merece, entre os nomes laureados da cultura nacional.
A sua estréia na literatura se deu com o lançamento do romance “A VELA E O TEMPORAL”, em 1957, seguido de “O VALE DAS AÇUCENAS”, também romance, de 1960. Depois editou um livro de poesia, “ORFEÃO DE SONHO”-1967. E em 1970, estréia no conto com o livro – “15 CONTOS QUE O DESTINO ESCREVEU”. E prosseguindo na sua carreira vitoriosa, lança em 1971 – “CHICO VAQUEIRO DO MEU PIAUÍ”, romance versificado, que levou Martins Napoleão a exclamar, arrebatado:
---“Não vou mais esquecer este verso: “Quebrantado ao quebrar das quebradas.”
E em 1980, já mestra de sua arte, lança o festejado romance “CURRAL DE SERRAS”, que foi recebido com louvor pela crítica autorizada.
E no piscar das luzes de 1988, dando seqüência ao ciclo do sertão, publica o seu último livro – “CONTOS DOS SERTÕES DO PIAUÍ”.



6. CURRAL DE SERRAS, a obra-prima de Alvina Gameiro, uma breve cosmovisão.

O romance começa com o personagem central apeando da montaria à beira de um córrego para matar a sede numa “isca de riacho de uma chave de água”; aparece-lhe um homem, pensando, talvez surpreendê-lo. Puro engano. Há muito o avistara de longe ao lado puxando um cavalo, castanho claro, pelo cabresto. E descreve o personagem com as minúcias decorrentes da observação penetrante do sertanejo:
--- “ O homem era fogoió, sardento: cearense, judeu por inteiro ou cruzado com cristengo; tinha os olhos de cavalo gazo : confirmação de gringo; pestanas roídas sapiranga antiga ou tracoma adiantada; beiços esfolados: lida com o sol, cachaça ou morrinha de fígado. Da cabeça desci. O pescoço dele era grosso, enterrado: sujeito de fôlego curto; o tronco alongado mas de muito pouca altura: sinal de alguma força; as pernas e braços espichados à moda de aranha...”

6.1 A ESTILÍSTICA GAMERIANA

A estilística Gameriana balança entre três pilares da sua arquitetura verbal: a literatizante, dialógica e integrada. Exemplificando: a literatizante em Curral de Serras, é à manifestação lingüística predominante no que chamaríamos de regionalistas finisseculares; a dialógica é a que outorga na expressividade psíquica da narradora a fala do matuto; a integrada é a que nota as minudências da região no seu rico vocabulário, muitas vezes estilizado nas criações verbais, nas imagens, nas analogias e, notadamente na projeção visualizada da composição do solo, dos campos, dos chapadões e ermos distantes.



6.2 A POETIZAÇÃO DA PROSA

Curral de Serras é escrito na linguagem viva e pitoresca do nosso sertanejo. A autora prima pela autenticidade da linguagem colhida no sertão. A obra se desenrola numa fala cronológica, medida pela cadência e pelo ritmo. Há na estrutura frasal um halo poético, que pontilha a ação e robustece a afirmativa de que a fala nordestina é cantada. E a arquitetura da frase Gameriana sinaliza em seu eixo uma acentuada queda para as formas regulares, que denuncia um fator intencional de materializar as sonoridades métricas e estrófico. E o ilustre crítico literário piauiense M. Paulo Nunes, com competência assinala: -“Curral de Serras” é um poema em prosa, inclusive porque composto todo ele em versos de redondilha maior, métrica multissecular da língua portuguesa”. E essa assertiva do clarividente crítico corrobora o nosso entendimento, de que à obra é intrinsecamente marcada pela sonoridade compassada e precisa, que estimula um universo de densidade poética cadenciada pela melodia, o ritmo, a homofonia, que ecoa num sertão-mundo de intensa beleza lírica e estilística.





6.3 O UNIVERSO NATIVISTA DE CURRAL DE SERRAS

O sertão-mundo é um repositório do português clássico-arcaico onde nosso capurreiro o conservou, em razão do distanciamento da evolução da língua que acontecia fora de seu domínio, e com isso manteve o vocabulário dos colonizadores.

E Guimarães Rosa, poliglota e estudioso das raízes lingüísticas de outros povos, usou esse conhecimento para criar e inventar a sua linguagem artificial, rica em neologismo, e que jamais fora falado nos sertões mineiro e além Rio São Francisco, para compor a sua grande obra. E já nossa Alvina Gameiro, seguiu o caminho inverso, o da fidelidade da linguagem do nosso sertão, em Curral de Serras, e por isso, ao meu ver, realizou sem sombra de dúvida obra superior. E é bom que se diga: em Alvina Gameiro nós enxergamos o sertão do Piauí no contexto da divisão geolinguística do Brasil, bem brasileiro, tanto no falar como nos costumes e nos matizes da cultura espontânea.

6. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, comungamos com a afirmativa do escritor e crítico literário Luís Mendes Ribeiro Gonçalves:
--- “ Curral de Serras, a obra da escritora piauiense Alvina Gameiro, desperta estudo meticuloso e sério. Disse antes e confirmo agora, convicto de que a tenho como um marco na literatura do Nordeste. Lembrará no presente a língua que os camponeses herdaram e conservaram; servirá no futuro, com o desenvolvimento cultural, de termo da comparação de uma fase passada. E, ao mesmo tempo, com substância, como romance, ainda como louvável demonstração de capacidade de observar, conhecer, coordenar e dar vida ao mundo imaginado.”

E por último, a nós que tivemos o privilégio do convívio com a autora, na fase final de sua passagem pela Terra, ficamos a vislumbrar numa projeção psíquica às suas andanças pelos altos sertões, Chapada das Mangabeiras, águas-emendadas, Rio Preto e Sapão, munida de Gravador ia colhendo, aqui e acolá, a fala dos nossos matutos, numa cuidadosa pesquisa lingüistica de campo, para a composição do monumental romance, que ficará para sempre, porque foi escrito com argamassa de arte verdadeira, com o cheiro da terra, e colhido no coração do sertão!





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Bastos, Cláudio de Albuquerque - - Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí Fundação Monsenhor Chaves – 1994.

Fischer, Almeida-Áspero Ofício-Editora Cátedra/Inst. Nac. DP Livro, Brasília, 1983;

Gameiro, Alvina - - A vela e o Temporal-Romance, edições “O Cruzeiro”-Rio-1957.

- O vale das Açucenas-romance-Artes Gráficas da Escola Técnica Nacional, Rio, 1983;

- Orfeão de Sonhos-poesias-Tipografia Minerva, Fortaleza, Ceará, 1970;

- 15 Contos que o Destino Escreveu - Gráfica da Universidade do Ceará, Fortaleza, 1970;

- Chico Vaqueiro do meu Piauí, romance – versificado – Editora H. Galeno, Fortaleza/CE, 1979.

- Curral de Serras, romance – Edição Comepi – APL, Teresina/PI, 1980;

- Contos dos Sertões do Piauí – Edição/APL, Projeto Petrônio Portella, Teresina/PI, 1988.

Neto, Adrião - - Dicionário Biográfico de Escritores Piauienses - - Halley Editora S/A, Teresina, PI, 1995;

Moraes, Herculano - - Visão Histórica da Literatura Piauience – COMEPI, Teresina/PI, l997;

Nunes, Manoel Paulo - Tradição e Invenção – Discursos Acadêmicos – FUNDEC, Teresina/PI, 1998.

















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