..........................Andaluzia, verão de 1977
Querida Milene,
Estamos todos chocados. O mundo mudou. Tudo mudou. John Lenon está morto, porém Gisele Marques nasceu. Levará o nome de uma de nossas amigas. Se poetisa será não sei, mas acredito que levará a marca de seu pai. Outra boa notícia, amiga: rumo novamente para casa. Logo retornarei ao Brasil.
Sinto falta de sua voz, cara amiga e do quanto tu me confortavas em teus conselhos. Confesso agora que muitas vezes não conseguia compreender-te, porém hoje acho graça do que entendo. Tu, ao me confortar, buscava o próprio conforto. Tu tentavas te explicar a ti própria.
Apesar dos Paradores serem lindos e de Andaluzia, bem no fundo, ser um pouco parecida com o querido nordeste brasileiro, aqui tudo é muito distante. Todos são tão ante-naturais. Não tem carnaval, Milene. Hoje eu sei o quanto o carnaval me faz sentir em casa. Lembro-me de nós três, inseparáveis amigos, jovens demais para saber que o que mais amávamos – nossos sonhos – era o que iria nos separar. O mar entre nós é maior que eu imaginava.
Lembra da menina da casa amarela, doce Milene? Foi a primeira vez que senti o quanto teu amor era fraternal. Você me ajudou tanto com a Madalena... ai, Madalena... como lembrar pode ser torturante. Nós rodávamos a cidade em minha “barra forte” até a cachoeira... lembra? Seus cabelos cacheados, baloiçando em meu rosto. Tu sentada no guidom enquanto Madalena, de braços abertos (era um anjo e um pássaro ferido a nossa Madalena) sorria e fingia voar.
Como eu admirava a antípoda que vocês duas representavam. Fogo e gelo. Ora Milene, ácida e séria... poucos risos, organizadamente fria... era tão constante e Madalena arrogante e festiva, olhos brilhosos e vingativa, ativa, desesperada. Ora Milene embriagada, poetisa apaixonada, bandida e vivaz e Madalena destrutiva, pessimista e rancorosa. Eu observava vocês do alto de nosso pessegueiro e, mesmo sobre vocês, eu podia notar que vocês voavam. Apenas no humor Madalena se destacava. Mestra em botar apelidos. E quando você, acidentalmente apertou a casca do limão nos próprios olhos... reclamosa do ardido dizia: Arde! Isso arde! Madalena não pensou duas vezes... Após uma boa gargalhada não parou de repetir: Milene Ardida ou Milene Arder. Repetiu tanto que passou a ser natural para nós.
Tem visto nossa amiga? Como ela está? Se encontrar-la, diga que sinto muito. Peça p... me perdoar. Pouco me importa agora o q....... pretenda fazer de sua vida, eu .............. apoia-la, assim como faço co................. sido tão intransigente Mil...................
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Fico por aqui. Mando para ti este presen...... especial. Sei o quanto gostava de escrever ... quanto sua cabeça não comportava tanta . criatividade e quanto seus sentimentos não cabem em si. Aceite esse diário cujo nome, ao vê-lo em uma lojinha de antigüidade não pude pensar em outro. Apelidei-o de Freud.