Millôr Fernandes, que já foi Vão Gôgo em seus tempos de revista O Cruzeiro, publicava uma série chamada 'Teatro Corisco'. O próprio nome já diz: uma cena relâmpago (um diálogo mínimo sobre uma gravura de página inteira). Será qeu os alemães traduziriam o título da série para 'Blitztheater'?.
Aqui em Araraquara, o poeta-humorista Mauro Bartholomeu criou e levou várias vezes ao palco do evento OXOUNOSSO algo no gênero, só que sem palavras. E eu inventei a denominação 'teatro do minuto'.
Em Berlim, em 1993, vi uma montagem de 'Die Stunde, da wir nichts voneinander wussten' [A hora em que não sabíamos nada uns dos outros], de Peter Handke [Insulto ao Público, O medo do goleiro diante do pênalti, Asas do Desejo], duas horas de espetáculo sem palavras. Cenário: a praça de uma cidade. Sobre ela, uma seqüência vertiginosa de cenas mínimas, gags, nonsense. Algo assim como se Millôr inventasse de colocar no palco toda a série do 'Teatro Corisco'. Ou, então, se o Mauro Bartholomeu achasse, um belo dia que já tarda, de fazer o mesmo com as suas grandes performances do 'teatro do minuto'.
Difícil imaginar, por muitas razões bem óbvias e mais alguns mistérios a cercar a recepção de Handke entre nós, uma montagem brasileira de um espetáculo como esse. Na montagem que vi, eram 100 personagens representados por 35 atores.
Quanto à platéia: foram duas horas de um silêncio absoluto e eloqüente. Palavra, eu nunca me senti tão respeitado como espectador e como pessoa. É muito bom, quando um espetáculo supõe inteligência por parte dos espectadores. Os cerca de 15 minutos de ovação ao final foram absolutamente verdadeiros. Não havia qualquer constrangimento. Não se tratava de um mero ritual. Éramos uma pequena multidão de pé, em atitude de mútuo reconhecimento: 35 atores no palco e cerca de 2000 pessoas na platéia. reconhecimento.
Em todo caso: ainda sonho com a possibilidade de vir a traduzir esse texto. Anotem: 'A hora em que não sabíamos nada uns dos outros'.