Vou repetir o que Oliviero Toscani já anunciou no título de seu livro: a publicidade é um cadáver que nos sorri. E está cada vez mais difícil sorrir de volta para ela.
A época é perfeita para constatar o óbito da criação publicitária. O natal escancara a falta de capacidade dos criadores para encontrar formas novas na estruturação do discurso de venda. Quando isso acontece e vemos o Papai Noel sofrendo para nos empurrar de tudo – de carros a títulos de capitalização – talvez fiquemos tentados a relembrar campanhas do século passado que ainda tinham o poder de nos encantar. Muita gente ficava no sofá esperando que o seu comercial preferido pintasse na tela. Quem, jovem há mais tempo, não se lembra dos vídeos da Varig ou do Banco Nacional? Bons tempos?
Nem eram bons tempos. Talvez nós é que fôssemos mais ingênuos e aceitássemos o encantamento proposto pelas peças publicitárias, sem parar para pensar que aquilo tudo era só um jeito mais bonitinho de nos levar ao ato que sustenta o capitalismo: a compra de um produto ou serviço. Naquela época, a publicidade já era um cadáver putrefato. A diferença é que existia uma preocupação maior por parte das agências (funerárias?) na maquiagem do bendito. As roupas do morto estavam sempre novas, o velório lotado de flores e incensos e o enterro era uma festa de gala. Tudo aparência: era um defunto, era um velório, era um enterro, era um ritual frio de venda. Mas era bonito até!
Na tosqueira absurda em que se transformou o intervalo comercial, a tentativa de enredar o consumidor está quase extinta. A proposta agora é assim: “é o seguinte, cambada, o produto é este, o preço é este. Compre logo. Se você não comprar, tem quem compre, véi!Ah, ah!”. Seguindo na analogia toscaniana, o defunto continua morto. Agora, no entanto, os agentes (agenciadores?) funerários estão nem aí para a maquiagem, para as flores, para os incensos e para qualquer estratégia de atenuação, via criatividade, do discurso de venda. É o Complexo de Botini, que leva a publicidade a repetir chata e infinitamente: compre, compre, compre.
Não podemos reclamar que estamos sendo enganados. Antes, comprávamos cobertores, primeiramente, por achar que o jingle de tal marca era bárbaro. Como hoje o homem aprendeu a gostar de comprar, a propaganda está pouco interessada em dar outra cara para a voracidade do marketing. Deixando o papel de publicitário de lado e assumindo o de consumidor, reclamo do reclame: já que é para me manipular em direção à compra, não seria possível uma manipulação que respeite a nossa inteligência e nos oferece algo além das ofertas imperdíveis, exclusivas, únicas, especiais? Já que a propaganda é inevitável, queremos ser iludidos com mais dignidade e algum bom gosto. E se der para abandonar os comercias com preços que voam pela tela, agradecemos mais.
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