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Contos-->Uma História Reles -- 03/11/2002 - 21:04 (cumpadri) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje, há, em mim, uma quantidade enorme de coisas inquietas, devido ao seu desejo de se apresentarem ao mundo que me é exterior. Querem dar-se a conhecer a quem as desconhece. Pergunto-me: se elas não desejarão também que lhes apresente o que há de exterior a mim... Como se fosse possível as coisas conhecerem: coisas e pessoas. Tal pergunta, julgo, apenas reflecte a minha ansiedade de conhecer e tentar compreender o que me rodeia também através dessas existências que vivem e fervilham no meu interior, na minha alma. Esses entes inquietos, e tantas vezes inquietantes, existem em mim: em primeiro lugar, porque existem em mim!, e em segundo lugar, porque há acções, minhas, que demonstram a sua realidade, a mim e aos outros, dando-lhes, a esses entes, formas que os tornam capazes de invadirem tudo o que me rodeia...
Um dos entes que anseia pela abertura dos portões que o mantêm enclausurado em mim, é a recordação de um filme que vi e de alguns pensamentos e algumas: sensações e inquietações, que se prostraram à minha frente, durante o visionamento desse filho não só, mas também da arte de filmar, tendo eu consciência, ou não, nessa altura, dessa prostração. Devido a essa atitude irreverente: dos pensamentos, das sensações e das inquietações, acredito que esse filme se tornou parte do conjunto de coisas que vogam na minha alma, para todo o sempre!
Tal filme é tratado como filho bastardo, até, talvez, nem filho de qualquer género seja considerado pelos que podem: atribuir, criar e manter, esse género de títulos. É, para tristeza minha, um filme menor, ínfimo até, nas considerações dos críticos e amantes do cinema. Mas, para mim, é enorme, até mesmo infinito... Assisti-lo foi um momento alto da minha vida: de altura maior, que a maior altura que qualquer, prodigiosa, imaginação possa imaginar. Foi dos momentos que, desde que me lembro de mim, sempre desejei e procurei viver.
O que, realmente, existe nos momentos a que me refiro? Não sei. A sua forma é outras das coisas que procuro, em mim, e não encontro. Não acredito que as respostas a estas perguntas vivam fora de mim. Possivelmente, existe alguém, distinto de mim, que me possa ajudar a encontrá-las, ou, somente, ensinar-me a procurá-las dentro de mim, mas parece-me impossível elas viverem no que me é exterior!
O filme, devo informar que o título dele não reside mais em mim, conta-nos a história de uma amizade: entre uma drogada, que se prostitui nas ruas para ganhar dinheiro, o qual gasta, quase exclusivamente, em droga, e um filho das ruas, que está infectado com sida. Na visão de muita gente, com certeza, este filme é só mais umas imagens e palavras, sobre gente menor, sem significado nem importância... Gente, a que alguns, chamam reles e afirmam que o melhor era nunca ter existido. Outros espantam-se que, agora, até façam filmes sobre essa gentalha e não têm qualquer pejo em considerar um desperdício: o tempo e o dinheiro gastos na produção desse tipo de obras, assim como, as horas empregues a contempla-las! Como é obvio, este será sempre considerado um filme menor e condenado ao perecer existencial! Se, para além dos defeitos já apresentados, também as técnicas e não-técnicas cinematográficas utilizadas forem, no geral, de qualidade inferior, qualquer um, mesmo que nada perceba da arte em causa, condenará este filme ao esquecimento. Mas eu não! A história que me contou, e o que me fez sentir, compensou infinitamente todas essas possíveis falhas. Penso que este condenar à lembrança em mim, de algo que os outros esquecem facilmente e de boa vontade, não é alheio, com certeza, ao facto de preferir a literatura como meio de imortalização de história e vidas, a qualquer outra arte.


Naquele dia, Ana, a personagem feminina principal do filme, entrou, aliás, fizeram-na entrar..., de maca, vinha quase em coma, pelo hospital adentro com uma pressa de não-morte, overdose! Esse hospital funcionava como orfanato para algumas crianças que sofriam de Sida. Boy, o personagem masculino principal, era um dos miúdos que tinha por casa aquele hospital. O nosso menino, como estava perto de uma quase-vitrine, onde Ana estava quase-exposta na sua pressa real de não-morte, viu-a, observou-a. Ele via muitos doentes ali serem quase-expostos, mas em mais nenhum reparou da mesma forma como o fez em relação a Ana. Na pouca inocência que os seus 15 anos sofridos e amadurecidos pela doença lhe concediam, apaixonou-se pelo que viu e supôs ver. Viu, sem ver exactamente, aqueles dezoito anos vividos num mundo cor-de-rosa: natural até certa idade e não-natural depois conhecer a inocência não-inocente da droga! Supôs ver, sem saber que o suponha, muito do que sempre tinha procurado: um amigo, uma amiga, uma luz - que poderia seguir, cuidar e amar -, um ombro feito de amor - no qual bastava encostar a sua cabecinha para que toda a dor e todos os males que o apoquentavam desaparecessem como por milagre -, uma amante carnal e não-carnal, uns pais que nunca tinha tido,... Ele viu e sentiu tudo isto, não na expressão de quase-morte que Ana exibia na carne, mas numa expressão da sua alma, à qual ele teve acesso através do refulgir infinito e belo dos seus olhos, mas tão imperceptível, como incompreensível, para a maioria das pessoas. Ele próprio não sabia o verdadeiro significado de tal brilhar, tinha apenas a certeza de já ter visto algo semelhante nos seus olhos, enquanto observava o seu reflexo num espelho do hospital. Isso criou, em si, a convicção de a alma dela ser gémea da sua. Erradamente, acreditou que o acesso ao mundo que Ana encerrava nela própria e que, verdadeiramente, só a ela pertencia, lhe seria concedido. Esqueceu-se que só Ana detinha o direito de decidir com quem queria partilha-lho, no caso de desejar partilha-lo! Foi sem dúvida egoísta, embora inocentemente, pois não tinha consciência de estar a reclamar para si algo que não lhe pertencia. É verdade que tinha descoberto esse mundo só por si, sem ajuda de ninguém, mas não era certo que ele fizesse parte de um salvado ou de um tesouro perdido há uma eternidade e agora passasse a pertencer a quem encontrasse tal coisa perdida! Este desconhecimento, reflexo de alguma inocência que ainda navegava pelo mar da sua alma, jovem em tempo, mas envelhecida pela dor e sofrimento nascidos do abandono, da solidão e da doença, não lhe augurava um futuro melhor do que o seu passado, mas sim um bem pior. É claro que, um futuro melhor ou pior, dependia muito de Ana e até deste facto o rapaz não só tinha pouca consciência, como o menosprezava! Pior ainda, até as decisões presentes e futuras de Ana dependiam do passado dela! A rapariga poderia reconhece-lo como uma alma gémea e sentir o mesmo por ele, que ele sentia por ela, mas as contingências do passado dela poderiam não lhe permitir dar forma palpável a esse sentir! Essa impossibilidade seria uma tragédia trágica para Boy. Toda a sua vida, mesmo sem disso ter plena consciência, tinha necessitado só por necessitar e amado só por amar. Nunca tinha esperado que as suas necessidades afectivas e os seus amores se concretizassem, por isso, de certa forma, era feliz. Tinha aceitado essas coisas como irrealizáveis, contentava-se apenas por existirem em si e tê-las conhecido. Mas, agora, tinha diante de si, e em si, a possibilidade de concretiza-las se tal não sucedesse... Dessa hipótese nem queria ouvir falar ou considera-la. Todo o resto para ele, neste momento, deixara de ter importância, até mesmo a sua morte era algo desprezável, quando comparada com a possibilidade dessa realização!

Continua no conto: Uma História Reles II
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